Tutela cautelar e antecipatória garantem Justiça ágil

Rômulo Resende Reis*

A demora na prestação jurisdicional bem como os graves efeitos do tempo sempre foram obstáculos para uma Justiça eficaz e ágil. Daí a importância do estudo das medidas processuais cautelares e de antecipação de tutela, as quais visam impedir que estes efeitos maléficos do tempo venham a frustrar a prestação jurisdicional.

Neste singelo estudo, faremos um breve apanhado dos principais aspectos e características dos dois institutos, mostrando seus pontos de semelhança e distinção, bem como seus requisitos e aplicação.

Desde já, é de se salientar que este trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto. Trata-se de simples estudo, reunindo nossos apontamentos e observações pessoais sobre os institutos questão.

Tutela cautelar

Ao iniciar-se o estudo do tema, primeiramente torna-se necessário estabelecer o conceito de tutela cautelar. Para este mister, recorreremos a abalizada doutrina do mestre José Frederico Marques (1) que, com precisão, conceitua:

“Tutela cautelar é o conjunto de medidas de ordem processual destinadas a garantir o resultado final do processo de conhecimento, ou do processo executivo.”

Do conceito acima expresso, extraímos a principal característica da tutela cautelar, qual seja, sua acessoriedade ao processo de conhecimento e execução. Embora seja um processo autônomo, tem por pressuposto um processo de conhecimento ou execução, sendo sua existência diretamente subordinada à daqueles.

Seu objetivo é assegurar a efetividade do processo de conhecimento ou execução de modo a impedir que a prestação jurisdicional se torne inócua pelo decurso do tempo. Sua função primordial é de garantia.

A característica marcante da tutela cautelar é que a mesma em princípio não tem cunho satisfativo. Ponto, este de capital importância para diferenciação da tutela antecipada. Como bem adverte Ernane Fidélis dos Santos(2), “o processo cautelar não se presta nunca à antecipação da prestação jurisdicional definitiva”.

Ressalvando-se alguns casos em que o perigo de lesão está diretamente ligado ao reconhecimento do direito, sendo que a tutela cautelar implica em verdadeiro provimento satisfativo. Como exemplo, o caso dos alimentos provisionais.

Assim, podemos afirmar que a tutela cautelar tem como objetivo maior assegurar a eficácia do processo principal, garantindo-lhe a efetividade do resultado, impedindo que os efeitos do tempo torne o mesmo completamente inócuo. Sua função, no magistério de Carnelutti, citado por Humberto Theodoro Júnior é ” “auxiliar e subsidiária” de servir à “tutela do processo principal”, onde será protegido o direito e eliminado o litígio.”

Requisitos

Para concessão da tutela cautelar, torna-se necessária a satisfação de certos requisitos. Somente depois de verificada a existência dos mesmos é que se admitirá a concessão da medida.

O primeiro deles é a possibilidade de ocorrência de lesão grave ou de difícil reparação, em decorrência do “periculum in mora”. Ou seja, o risco concreto e possível de o processo principal se tornar ineficaz devido a sua demora. Bastando que no contexto do processo a possibilidade de ocorrência dano se apresente.

O que pode ocorrer nos casos de perecimento do objeto, destruição, desvio ou adulteração de provas e coisas, mutação de pessoas, bens ou qualquer outro ato que coloque em risco a tutela jurisdicional requerida.

O segundo requisito da tutela cautelar é o chamado “fumus boni iuris”, ou seja, a “fumaça de bom direito”, que se constitui na plausibilidade do direito material invocado pela parte. É a demonstração pela parte, superficialmente, da existência, in tese, de seu Direito. Cabendo aqui esclarecer que não é necessária a demonstração concreta da existência real do direito invocado, o que é feito no processo principal. Neste sentido, doutrina Humberto Theodoro Júnior(4):

“Para a ação cautelar, não é preciso demonstrar-se cabalmente a existência do direito material em risco, mesmo porque esse, freqüentemente, é litigioso e só terá sua comprovação e declaração no processo principal.”

Pela análise dos requisitos para concessão da tutela cautelar, ressalta-se, mais uma vez, o caráter de acessoriedade e garantia da mesma. Delimitando-se o instituto como um instrumento processual de garantia e cautela. Autônomo como fenômeno processual, mas completamente acessório e dependente do processo principal, tal como se depreende do art. 796 do CPC.

Tutela antecipada

Atendendo aos reclamos de efetividade e presteza do processo, o instituto da tutela antecipada foi introduzido no Direito Pátrio pela Lei 8.952, de 13 de Dezembro de 1994, a qual deu nova redação ao art. 273 do CPC, modificando-o totalmente. Um bom conceito de tutela antecipada nos é dado por Pedro Barbosa Ribeiro(5), qual seja:

“O ato pelo qual o juiz, ante a prova inequívoca dos fatos articulados pelo autor, na peça exordial, e ante à verossimilhança dos fundamentos jurídicos do pedido, concede o adiantamento da tutela jurisdicional pedida, desde que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou que fique caracterizado, pelo comportamento do réu, o abuso do direito de defesa ou de seu manifesto propósito procrastinatório.”

Analisando o conceito em tela, bem como as disposições do art. 273 do CPC, de imediato, extraímos as principais características do instituto.

A primeira característica marcante é que a antecipação de tutela, diferentemente da tutela cautelar, não tem cunho de acessoriedade ou garantia, nem é pleiteada em autos apartados. É tutela efetiva de mérito, satisfativa do direito pleiteado, desde que preenchidos seus requisitos de admissibilidade. No dizer de Humberto Theodoro Júnior, (6)”há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva.”

O juiz, acatando o pedido, antecipa a parte requerente, total ou parcialmente, os efeitos da tutela de mérito. Diferentemente do julgamento antecipado da lide, que põe fim ao processo com uma sentença, na tutela antecipada o juiz não profere uma sentença, simplesmente defere a parte o adiantamento da tutela requerida. O processo continuará até final sentença, podendo em seu curso ser revogada a medida, a qual se reveste do caráter de provisoriedade (parágrafo 4o do Art. 273 do CPC).

Outro ponto que certamente tem causado divergências é quanto ao momento de concessão da tutela antecipada. Alguns doutrinadores afirmam que a mesma poderá ser concedida liminarmente, sem oitiva do réu, outros discordam desta possibilidade. Analisando os requisitos legais da concessão da medida, obrigatoriamente ficamos ao lado daqueles que negam a possibilidade de concessão liminar, sem oitiva do réu.

Basta esclarecer que a lei fala em prova inequívoca. Ora, se a prova é inequívoca, obrigatoriamente, para se revestir desta característica, tem que ser submetida ao contraditório. Exemplificando, não basta que o autor seja detentor de um documento público que comprove seu direito, o réu também poderá apresentar em juízo outro documento que anule aquele. Portanto, para que a prova seja inequívoca, entendemos que obrigatoriamente terá que ser submetida ao contraditório.

Somos da opinião de que a tutela antecipada poderá ser concedida em qualquer fase do processo, mas somente após prévia oitiva do réu. Ernane Fidélis dos Santos(7) cita dois renomados juristas com o entendimento semelhante ao nosso:

“Calmon de Passos entende que a prova inequívoca nasce apenas em razão do que se produz nos próprios autos, não sendo, portanto, possível a antecipação antes do esgotamento da instrução, a não ser que esta se dispense. (….)

Sérgio Bremudes parece entender que a tutela pode dar-se liminarmente, mas nunca sem ouvir antes o réu, julgando ferido o princípio do contraditório se assim não for feito.(….)”

Ponto que deve ser abordado também, nestas breves considerações, é a existência de certo temor em alguns juizes em deferir a medida. Para tanto argumentam que o parágrafo 2o do art. 273, veda a concessão em caso de perigo de irreversibilidade. De plano, o juiz obrigatoriamente terá que analisar a possibilidade de dano irreversível. Devendo esta análise se basear nas provas e na existência de um perigo concreto, e não em mera possibilidade de dano.

Ademais a tutela antecipada é provisória, podendo ser modificada ou cancelada no curso do processo caso ocorra o perigo de dano irreversível após a concessão. Daí não concordarmos com esta posição restritiva de aplicação de tão importante instituto.

Resta analisar a natureza jurídica do instituto da tutela antecipada. Tal ato seria uma sentença, despacho ou decisão interlocutória? Tal questionamento, em princípio simples, causa sérias dificuldades ao aplicador do Direito. Analisando o parágrafo 2o do Art. 162 do CPC, somos enfáticos em afirmar que o ato pelo qual o juiz concede a tutela antecipada é decisão interlocutória. Posto que no curso do processo, o juiz decide uma questão incidente, consistente no adiantamento ou não dos efeitos da tutela requerida.

Ademais, é de se frisar que tal decisão não põe fim ao processo, portanto em hipótese alguma poderá ser considerada sentença. Daí afirmarmos que o recurso cabível da decisão que antecipa ou não a tutela é o agravo de instrumento.

Requisitos

Os requisitos necessários à concessão da tutela antecipada vêm expressos no art. 273 e seus incisos. Diferentemente da tutela cautelar, que exige a ocorrência do “fumus boni iuris” e “periculum in mora” para sua concessão, na tutela antecipada os requisitos são diversos. Tendo em vista que o provimento antecipatório tem cunho satisfativo e não de mera garantia ou acautelamento.

O primeiro requisito, o encontramos no “caput” do art. 273, qual seja a existência de prova inequívoca. Entendemos no caso, que a prova em questão deverá ser documental. A qual espelharia irrefutavelmente o direito do requerente da medida. Outro ponto controvertido, conforme exposto acima, é que tal prova, para se revestir da qualidade de “inequívoca”, obrigatoriamente terá que ser submetida ao contraditório.

Seguindo, o dispositivo legal fala em verossimilhança da alegação. Ou seja, a parte obrigatoriamente deverá demonstrar que seu pleito é verdadeiro, ou muito próximo da verdade. Que suas alegações se aproximam da verdade e do Direito. A lei no caso não exige a prova absoluta da verdade, posto que esta será apurada no decorrer da instrução processual. O que exige sim é a demonstração de um grau de probabilidade da verdade.

Outro requisito encontramos no inciso I do art. 273, ou seja, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. A parte deverá demonstrar que a concessão da medida se presta a evitar um dano irreparável, ou que a reparação se torne muito difícil. Obrigatoriamente deverá provar, no caso concreto, a real possibilidade ou grande probabilidade de ocorrência do dano, justificando assim a concessão da medida.

O inciso II do artigo em questão fala também na caracterização do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório. Lógico concluir que pelo princípio da ampla defesa e contraditório, constitucionalmente consagrados, o réu tem o direito de se defender amplamente, utilizando-se dos recursos legais. Entretanto tal direito é limitado pelos procedimentos legais. A partir do momento que o réu extrapola os limites e requisitos impostos pela lei, seu pretenso direito passa a configurar um verdadeiro abuso, o qual coloca em risco toda a atividade jurisdicional. Bem como, quando começa a utilizar-se de procedimentos protelatórios, que em nada elucidam a questão, com o único fito de retardar o provimento jurisdicional. Nestes casos, presentes os requisitos do “caput” do art. 273 poderão se conceder a tutela antecipada.

Por derradeiro, poderíamos arrolar também como requisito para concessão da tutela antecipada, a não existência de perigo de irreversibilidade da medida. O parágrafo 2o do art. 273 é taxativo ao afirmar que não se concederá a tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Entendemos que ao analisar o pedido, o juiz necessariamente tem que verificar sobre a possibilidade de irreversibilidade da medida. Havendo este perigo, não há que se deferir a tutela antecipada. Portanto, a não existência de perigo de irreversibilidade se caracteriza como um verdadeiro requisito à concessão da medida.

Presentes os requisitos, somos da opinião que o juiz deverá obrigatoriamente deferir a medida. Embora a lei use a expressão “poderá”, entendemos que se trata de um poder-dever do juiz. Presentes os requisitos, logicamente teremos um direito da parte, e não de mera faculdade do magistrado.

Comungamos com a opinião do ilustre professor José Marcos Rodrigues Vieira(8), para o qual: “Poder, faculdade de exercício, corporificada em Poder estatal, é poder-dever. Quando o juiz puder, deverá antecipar a tutela. Nem poderia ser outra a conclusão, se encarado o problema do ângulo da finalidade do dispositivo legal.”

Conclusão

A morosidade do processo bem como sua excessiva formalidade sempre foram o maior obstáculo a uma Justiça ágil e eficiente. A maior crítica feita à Justiça como um todo, nos dias de hoje, é exatamente a extrema demora na prestação jurisdicional. Fato que tem levado a sérios estudos e reformas legislativas, com o fito de agilizar os procedimentos processuais, tornando a Justiça ágil e mais eficiente.

É de se ressaltar que a demora na prestação jurisdicional equivale a uma situação de verdadeira injustiça. Muitas vezes a demora na solução da lide aniquila o próprio direito das partes. Problema este, já apontado pelo professor Humberto Theodoro Júnior(9):

“A demora na resposta jurisdicional muitas vezes invalida toda eficácia prática da tutela e quase sempre representa uma grave injustiça para quem depende da justiça estatal.”

Neste contexto é que se torna de extrema importância a implementação de mecanismos processuais que acelerem a prestação jurisdicional. Quando se fala em efetividade do processo, imediatamente nos vem a mente a existência de um processo célere, ágil, que assegure as partes a pronta prestação jurisdicional. Sem, contudo, abrir-se mão das garantias constitucionais e processuais.

É de se concluir então que os efeitos do tempo na relação processual estão diretamente relacionados á idéia de efetividade do processo. Um processo moroso e ineficaz coloca em risco a prestação jurisdicional, tolhendo o próprio direito das partes, o qual no curso da relação processual poderá vir a perecer.

Neste contexto é que surge a importância dos institutos da tutela cautelar e antecipatória. Institutos diversos, mas com um ponto de semelhança, qual seja, garantir a efetividade da prestação jurisdicional.

Notas de rodapé

1- MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Vol. IV . Ed. Millennium. 1998. 2a Ed. P. 461

2- SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. Vol. 2. Ed. Saraiva. 1997. 5a Ed. P. 297

3- JÚNOR. Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil Vol. II. Ed. Forense. 3a Ed. 1987. P. 1.105

4- JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II . Ed. Forense. 3a Ed. 1987. P. 1116
5- RIBEIRO, Pedro Barbosa. In Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos – Divisão Jurídica. Instituição Toledo de Ensino – Bauru-SP. Abril a Julho de 1999. N. 25. P. 243

6- JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Processo Civil Brasileiro no Liminar do Novo Século. Ed. Forense. 1a Ed. 1999 – P. 81

7- SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. Ed. Saraiva. 5a Ed.. 1997. P. 330

8- VIEIRA, José Marcos Rodrigues, Tutela Antecipatória, publicado no site oficial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais

9- JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século. Ed. Forense. 1999.1a Ed. P. 83

Revista Consultor Jurídico

Rômulo Resende Reis é advogado em Minas Gerais e pós-graduando em Direito Processual Civil.

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