Tutela da evidência pode afastar suspensividade do recurso de apelação

Autor: Carlos Eduardo Kuten (*)

“La durata del processo non deve andare a danno dell´attore che ha ragione”

Há muito tempo se discute no âmbito do processo civil acerca da efetividade, ou não, da sentença de procedência em relação à interposição de recurso de apelação cível recebido com efeito suspensivo. Tal discussão decorre daqueles que questionam qual a razão da parte autora, após ter obtido êxito durante o decurso da lide no primeiro grau de jurisdição, possa vir a ter a concretização de sua pretensão postergada pelo simples manejo de medida recursal pelo réu, atitude essa que se presta, em grande parte das vezes, apenas como forma de protelar a conclusão da demanda e o início dos atos executórios.

E tal discussão não é despropositada, na medida em que o sistema processual civil, ao atribuir o efeito suspensivo como regra ao apelo, acaba por desprestigiar o pronunciamento sentencial do Magistrado singular. Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 343) comentam que:

quando é proferida a sentença e declarada a existência do direito, não há razão para o autor ser obrigado a suportar o tempo do recurso. Ora, a sentença, até prova em contrário, é um ato legítimo e justo. Assim, não há motivo para a sentença ser considerada apenas um “projeto” da decisão de segundo grau, nessa perspectiva a única e verdadeira decisão.

Esse enfoque ganha ainda mais relevância quando considerados alguns dos princípios constitucionais basilares da tutela jurisdicional, como a celeridade a efetividade. O processo, em si considerado, deve ser tido pela sua instrumentalidade em relação ao direito material tutelado. Não deve ser um obstáculo à busca pela concretização do direito, mas sim a forma capaz de realizar sua substância.

Disso conclui-se que o efeito suspensivo, como regra, no recurso de apelação parece de alguma maneira ofuscar a celeridade do processo — direito fundamental inserto no artigo 5°, inciso LXXVIII da Constituição Federal — pois o trâmite do processo no tribunal, muitas vezes apenas para que a composição colegiada confirme o que a sentença já decidiu, acaba por retardar, indevidamente, a entrega adequada da prestação jurisdicional.

Defende-se nesse estudo que a nova dinâmica do processo, com a evolução dos instrumentos que lhe são próprios, mormente a tutela da evidência, permita a concretização do direito material em tempo adequado, prestigiando-se a sentença e o juiz singular que melhor teve contato com os fatos da lide.

A inaplicabilidade do efeito suspensivo ao recurso de apelação cível, quando a tutela provisória da evidência é concedida no primeiro grau de jurisdição
Como cediço, existem exceções à regra do efeito suspensivo na interposição do recurso de apelação cível. A que nos importa agora é aquela prevista no inciso V, §1º do artigo 1.012 do novo Código de Processo Civil, que dispõe que a sentença começa a produzir seus efeitos imediatamente após a publicação quando confirma, concede ou revoga tutela provisória. Sublinhe-se que no conceito de tutela provisória está presente a espécie tutela da evidência.

Pode-se imaginar, por exemplo, que no Juízo de primeiro grau de jurisdição, antes da prolação da sentença, a parte realize o pedido de antecipação dos efeitos da tutela com fundamento no inciso II do artigo 311 do CPC/2015 — as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante —, o qual é deferido pelo Juiz e, posteriormente confirmado pela sentença.

Tal hipótese não é incomum de ocorrer, especialmente naquelas demandas de massa envolvendo, por exemplo, ações revisionais de contrato bancário. Em tal circunstância o direito em discussão é — ou pode ser — tão claro que as atitudes de defesa do réu no processo normalmente revelam-se inconsistentes, sendo plenamente cabível, nesse caso, a concessão da tutela provisória da evidência.

Outrossim, a tutela provisória da evidência disposta no inciso IV do artigo 311 — a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável – também parece ser cabível no cotidiano forense de ser postulada, ainda que apenas como estratégia para que o eventual recurso de apelação cível interposto pela parte adversa não seja recebido com efeito suspensivo.

Veja-se que, uma vez que o autor demonstrou de forma bastante contundente, isto é, com alegações robustas e prova documental inequívoca, que seu direito é evidente, e o réu não consegue desconstituir tal circunstância, inclusive após a realização de audiência de instrução, há razão suficiente para que o Juiz, com base no inciso IV, defira, inclusive na própria sentença, a tutela da evidência.

Aliás, não há qualquer óbice para que a petição inicial contenha, desde logo, pedido de tutela provisória da evidência a ser concedida por ocasião da sentença.

Em ambos os casos acima mencionados (incisos II e IV do artigo 311), por expressa disposição legal, o recurso de apelação cível eventualmente manejado pela parte sucumbente seria recebido apenas no efeito devolutivo, estando a sentença plenamente apta a ser executada pela parte que obteve êxito.

Nessas hipóteses caberia ao recorrente postular ao tribunal a atribuição de efeito suspensivo, isto é, haveria a inversão do ônus temporal do processo.

Vale ressaltar que para o deferimento da tutela provisória da evidência é prescindível a demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.

Tem-se, assim, importante instrumento oferecido pelo CPC/2015 para que a regra do efeito suspensivo do recurso de apelação cível seja afastada, e possa haver a execução, ainda que provisória, da sentença.

Nessa perspectiva, é elucidativa a lição de Leonardo Ferres da Silva Ribeiro (2015, p. 193):

as hipóteses novas de tutela de evidência – aquela que trata de situações já definidas em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante e, bem assim, prova documental suficiente diante da inconsistência da defesa – ampliam muitíssimo a possibilidade de que seja deferidas tutelas provisórias sem urgência e, se isso ocorrer, as apelações opostas contra as sentenças proferidas nesses processos não terão efeito suspensivo. Trata-se, sem dúvida, de um avanço.

Corroborando o entendimento sobre a vantagem de tal mecanismo processual, Cassio Scarpinella Bueno (2015, p. 240) leciona:

de qualquer sorte, a concessão da tutela provisória da evidência será de enorme valia para “tirar” ou evitar o efeito suspensivo do recurso de apelação lamentavelmente preservado como regra pelo CPC de 2015 (art. 1,012, caput), tal qual já era possível (e correto) sustentar no CPC de 1973 com fundamento no inciso II (reproduzido no inciso I do art. 311) e, sobretudo, no §6° do art. 273 daquele mesmo Código.

Portanto, não restam dúvidas que a tutela da evidência pode — e até deve — ser postulada antes da prolação da sentença, para que, com sua confirmação ao final, o efeito suspensivo do recurso de apelação cível seja afastado.

A aplicação da tutela provisória da evidência na fase recursal
O novo Código de Processo Civil estabelece na parte das disposições gerais dos recursos (Capítulo I do Título II), mormente no parágrafo único do artigo 995, que a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator.

Para que o relator possa lançar mão desse poder, devem estar presentes os requisitos ali exigidos, quais sejam, o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, em conjunto com a probabilidade do provimento do recurso.

No entanto, o novo Código de Processo Civil não se limita às disposições desse artigo quanto à capacidade de o relator antecipar os efeitos da pretensão do recorrente, pois o artigo 932, caput e inciso II (localizado no Capítulo II da Ordem dos Processos no Tribunal) permite ao relator analisar o pedido de tutela provisória enquanto gênero, sem fazer qualquer distinção sobre se o pedido é baseado em urgência ou evidência. Dito em outras palavras, extrai-se da exegese desse dispositivo que qualquer das espécies de tutela provisória – as previstas no Livro V do novel Diploma Processual Civil – podem ser postuladas ao tribunal, incluindo-se aí a tutela de evidência.

Desse modo, sendo evidente o direito da parte, por qualquer uma das previsões constantes nos quatro incisos do artigo 311 do CPC/2015, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil ao processo, é possível que a tutela provisória seja concedida à parte recorrente, ou até mesmo à recorrida, quer seja com o desiderato de suspender os efeitos da decisão atacada, quer seja para antecipar o objeto que somente seria entregue ao final da lide.

E aqui cabe sublinhar a notável diferença entre a antecipação de tutela recursal prevista no parágrafo único do artigo 995, com a do inciso II do artigo 932 do CPC, quanto a desnecessidade da presença do periculum in mora nessa segunda hipótese.

Por exemplo, é possível imaginar uma sentença de improcedência e a interposição de recurso de apelação cível pelo autor sucumbente, no qual as alegações de fato podem ser comprovadas apenas documentalmente, e o direito discutido já foi resolvido em sede de julgamentos repetitivos ou se encontra firmado em súmula vinculante, nos exatos termos da redação do inciso II do artigo 311.

Ou, então, pode-se supor, que a sentença de procedência, proferida após cognição exauriente, não deixou margem para interpretações dúbias e foi lastreada em conjunto probatório incontestável, vindo a ocorrer a interposição de recurso de apelação cível – pelo réu sucumbente – em notável caráter protelatório, sem qualquer fundamento relevante capaz de desconstituir o provimento jurisdicional singular, caso em que poderia ser aplicado o inciso I do artigo 311. Por oportuno, anote-se que umas das maneiras preferidas pela parte em procrastinar o processo é o recurso, já que esse permite que o bem litigioso se mantenha em sua esfera jurídica por mais um bom período de tempo (Marinoni e Arenhart, 2007, p. 343).

Em qualquer uma das duas hipóteses o apelo possui efeito suspensivo como regra. Porém, no primeiro exemplo caberia ao recorrente (autor sucumbente) demonstrar a evidência do seu direito e postular a concessão da tutela provisória, enquanto que no segundo, poderia o recorrido (autor vencedor) sustentar o propósito protelatório do apelante e requerer a tutela provisória, afastando-se, assim, em ambos os exemplos, a regra da suspensividade do recurso de apelação cível.

Vale acrescentar que a aplicação da tutela da evidência recursal não significa ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, haja vista que o recurso será regularmente processado e julgado pelo tribunal, inclusive com a probabilidade de provimento ao final. Trata-se apenas de distribuição racional do tempo do processo conferindo à parte que possui seu direito evidente a possibilidade de obter a antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

Considerações finais
Por todo o exposto, vê-se que o novo Código de Processo Civil, embora não tenha trazido como novidade o que muitos processualistas esperavam, isto é, a eliminação definitiva do efeito suspensivo op legis do apelo, possui outros meios de conferir exequibilidade à sentença na pendência do recurso, como a tutela provisória da evidência.

Sublinhe-se que o parágrafo 2º do artigo 1.012 do novo Código de Processo Civil dispõe que nas hipóteses descritas nos incisos do seu parágrafo 1º, ou seja, aquelas em que o recurso de apelação cível não é recebido com efeito suspensivo, o apelado poderá promover o pedido de cumprimento provisório logo depois de publicada a sentença.

Assim, sendo evidente o direito em litígio, a demora na conclusão do processo somente favorece à parte devedora. É por isso que antigos dogmas outrora tidos como verdades absolutas, como por exemplo de que só existe segurança jurídica após a sentença ser confirmada pelo tribunal, devem ser revistos frente à necessidade de se ler o processo de maneira contemporânea com fundamento na efetividade e na celeridade da prestação jurisdicional, observando-se o preceito constitucional da duração razoável do processo.

 

 

 

 

Autor: Carlos Eduardo Kuten  é especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e assessor de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.


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