Uma corrida armamentista na América Latina?

Os termos dissuasão e persuasão, muito mencionados no período da Guerra Fria, estão de volta ao cenário político, e não apenas ao internacional. Enquanto a Rússia reclama do projeto norte-americano de construção de um escudo antimísseis no Leste Europeu, aqui na América Latina uma corrida armamentista, que há muito tempo parecia estar banida, começa a ganhar contornos perigosos.

No âmbito internacional, a lógica do armamento em nome da segurança do Estado parece mais legítima. A questão é que esta legitimidade está cada vez mais atrelada, em sua análise, a elementos políticos como a democracia e às alianças, especialmente as regionais.

Na América Latina, a democracia tem significados e exercícios diferenciados, que o digam os aliados Fidel Castro (Cuba), Hugo Chavez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador); Nestor Kirchener (Argentina) corre por fora, mas está no páreo.

O alinhamento desses governos, promovido por Hugo Chavez, começou com discursos políticos anti-Bush, passou ao comércio (Alca), chegou ao petróleo e à soberania sobre recursos naturais e caminha para a segurança.

Nesse sentido, a Folha de S.Paulo (Pereira, Aldo. “Agouros geopolíticos”, “Tendências e Debates”, edição de 4 de junho de 2007) informa que Hugo Chavez gastou cerca de US$4,5 bilhões nos últimos dois anos em armamentos: submarinos, aviões de transporte, caças-bombardeiros muito mais modernos que quaisquer outros na América Latina, 100 mil fuzis Kalashnikov (AK-47), um dos melhores do mundo, que abrange licença, assistência técnica e autorização para produção local.

Se considerarmos o sucesso persuasivo de Hugo Chavez em todos os seus discursos e empreitadas, está para começar uma corrida armamentista na América Latina em nome de um “mínimo para defesa” que tem como parâmetro ideal a dissuasão da maior potência militar do mundo, mas um foco e poder real de atuação bem mais próximo e limitado.

Há duas formas complementares de frear uma corrida armamentista como esta que se delineia, uma jurídica outra política: acordos de controle de armas e construção de medidas confiança recíproca (confidence building measures), respectivamente. Os acordos podem ser reescritos ou simplesmente violados em nome da segurança do Estado; e a confiança entre vizinhos já não é a mesma.

O Brasil precisa responder a estes movimentos com cuidado e urgência. Comprar armas, realocar tropas e equipamentos podem ser vistos como incentivos à corrida armamentista que Chavez sugere, mas fechar os olhos a ela pode colocar o Brasil numa desvantagem estratégica irrecuperável, desvantagem que já sentimos no âmbito interno, no combate ao crime organizado.

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Rodrigo Fernandes More é doutor em direito internacional (USP) e autor do livro “Direito Internacional do Desarmamento: o Estado, a ONU e a paz” (Lex Editora, 2007)

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