Paulo Sérgio Leite Fernandes
A moça era robusta. A blusa de mangas curtas não ocultava a musculatura muito desenvolvida. O cabelo comprido, via-se bem, ficava enrolado dentro do boné. Ventre chato, quadris graciosamente delineados. Calças de montaria enfiadas nuns coturnos marrons brilhosos. Trazia um revólver na cintura? Não o vi, creio que não. Aquela mulher saiu de uma viatura amarela e multou meu carrinho estacionado em local proibido. “- Hoje é feriado”-, eu disse. – “ O presidente não manda aqui. Ele decretou ponto facultativo, mas se feriado fosse, aqui é a terra da ‘Martinha’ -, respondeu a ‘Mad Max’ feminina”. -“Se a prefeita não decreta feriado, é dia útil. Tira logo esse estrupício daí, antes que eu carregue ele pro pátio do Detran. Compreendeu? E tá multado.”
A mulher, cujos hormônios femininos estavam seguramente em desvantagem, flexionou os bíceps, tirou da bolsa a tiracolo um bloco de multas e meteu a caneta. Foi-se depois, muito empertigada, os peitos empinados. Dirigia-se à Companhia de Engenharia de Tráfego ou ao super-mercado, fosse para prestar contas do dia ou para cortar cenoura e couve, cozinhar feijão ou comer no kilo. Fiquei ali na calçada, cheio de pesadelos. E se tivesse ido “ pro pau” com aquele espécime de Kanguru? Um golpe de Karatê ou capoeira e zás. Ia beijar o cimento e parar no Distrito, autuado por desacato.
As coisas, hoje, são assim. Um amigo, tempos atrás, levou descompostura de feminista agressiva. Ela disse: “- Olha aqui, não se meta comigo. Somos iguais em tudo. Temos as mesmas obrigações e os mesmos direitos, na rua ou na cama.” – O velho garanhão respondeu: “- Ótimo.Faça de mim o que quiser. Estou à disposição…”
Brincadeira à parte, tenho medo da maioria das mulheres. Não mais aquela delicadeza perfumada do passado. Foram-se os gestos feminis. Hoje, “- é pau, é pedra, é resto de tacho, é fim do caminho”, já cantava Tom Jobim, um dos maiores filósofos que o Brasil já teve. Tenho pavor delas, sim, principalmente quando chegam cheirando a suor no meio da avenida movimentada, arma pendendo na coxa, cacete nas mãos, matriarcas resolutas tirando vingança dos anos passados na senzala familiar.”Ai que saudade eu tenho da aurora da minha vida”( de quem é isso?) , as jovens dançando valsas dolentes, suspiros gementes debaixo de escadas roliças, soluços e sustos abafados atrás das portas dos fundos. Lá se vão os anéis. Sumiram as raparigas faceiras. Culpados somos nós. Pusemos as fadinhas dentro dos uniformes de milicos. Demos trabucos que mal conseguiam empunhar. “-Um, dois, um, dois, feijão com arroz…” Deus nos livre da moça da CET. Ela bate firme. Dá tiro. “Um, dois, um, dois.” “ -Sai de banda, v elho fidido, vai cuidar dos teus netos, aqui tem porrada procê e pros outros, na rua, na briga, no braço ou na cama. Sou Vitória, não a de Samotrácia, mas Vitória do Bom Retiro, marruda, machuda, valente, bonita. Vai cuidar das crianças, macho branquela. Eu pego teu fusca e ponho no pátio. Sai daqui bem depressa, senão te ponho junto com ele. Tu, o Fernando I e Único, rei do Brasil e os capetas da tuas espécie. Aqui é São Paulo. É nosso pedaço. É da Marta. O feriado fica pro Fernando e pras negas dele!”
* Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da OAB, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.