1. Introdução
A utilização da contribuição de melhoria, no desenvolvimento da infra-estrutura e da qualidade de vida dos países, é um ponto de notório conhecimento. Como espécie de tributo, que por muitos é considerada especial, a contribuição de melhoria tem um objetivo bastante claro: devolver aos Cofres Públicos aqueles recursos que foram utilizados e que, de maneira ou outra, colaboraram para o crescimento da qualidade de vida de determinado grupo de pessoas. Com a devolução dos recursos, um novo grupo de pessoas também poderá ser beneficiado, criando a meta comum de levar o desenvolvimento, seja ele estrutural, educacional, cultural ou mesmo econômico, a todos os membros de uma mesma coletividade, qual seja uma cidade, um estado, uma província, e em tom mais abrangente, uma nação. Destarte, é plenamente válida a diretriz de TROTABAS & COTTERET (1992), que vê as contribuições de melhoria como inspiradas muito mais para os fins econômicos e sociais do que para as finalidades econômicas (p.152). [i]
ATALIBA (2001) define a contribuição de melhoria como instrumento puro e simples de realização do princípio constitucional e legal que atribui ao poder público a valorização imobiliária causada por obra pública (p.171). Percebe-se de maneira veemente o intuito da contribuição de melhoria, pois no momento em que uma obra pública, realizada com tributos recolhidos de maneira geral, causa a valorização de bens e conseqüente efeito benéfico para pessoas individualmente consideradas, vem à tona o princípio de eqüidade, que garante o retorno desta valorização a todos os membros da sociedade. Trata-se de um critério objetivo, isônomo e mensurável, e destarte de fácil aplicação.
Conforme a explanação de COÊLHO (1982), a obrigação tributária que já se continha ‘in abstracto’ no mandamento conseqüência da norma de tributação instala-se no mundo fático com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese da norma (p.107). In concreto, dá-se a valorização de um bem imóvel a partir do momento em que uma obra pública, verbi gratia, a construção de uma estrada de rodagem que corta várias propriedades rurais, trazendo-lhes a possibilidade de fácil acesso e escoamento da produção agrícola, com conseqüente valorização para os respectivos proprietários. O fato é objetivo: as fazendas se valorizaram porque foi construída a estrada de rodagem, com recursos públicos. Também é isônomo, porque só serão afetados pela contribuição de melhoria os próprios beneficiários da obra, e por fim, é facilmente mensurável, tendo em vista o montante de valor acrescido às propriedades pela construção da obra rodoviária. Logo, aplica-se a contribuição de melhoria, que incidirá sobre o valor referido acima, retornando à Receita Pública o benefício oferecido aos individuais, a fim de possibilitar o desenvolvimento global da sociedade.
Dessa sorte, não se pode olvidar a contribuição de melhoria como uma poderosa ferramenta de desenvolvimento social, tal como é aplicada em diversos países, com efeitos fabulosos nos seios destas sociedades. Dissertando sobre o assunto, BALEEIRO (1998) explica que alguns indivíduos ficam menos ricos, (…) mas não dimunui o total da renda nacional. (…) E a melhor repartição da renda nacional pode garantir o mercado interno vigoroso e receptivo sem cuja existência não se poderá pensar em desenvolvimento racional do país (p.179).
Releva-se por derradeiro o intuito de que, após essa sucinta análise da contribuição de melhoria dentro da aldeia global, ela se torne um importante veículo de transmissão de justiça social dentro da sociedade brasileira, tal como se proporá nas próximas linhas.
2. A contribuição de melhoria no Direito Comparado
Se analisará a seguir como a contribuição de melhoria é trabalhada e aplicada nos mais diversos países, significando, dentro de suas conjunturas, um tributo de caráter peculiarmente social, que não onera, muito pelo contrário, estimula a igualdade social e cria melhores pespectivas para o desenvolvimento destas nações.
Nesse sentido, ATALIBA (2001) já esclarece que, a contribuição de melhoria é instituto, já antigo, de larga aplicação e justificável por sólidos motivos financeiros, econômicos, morais e políticos, universalmente reconhecidos.
Na Itália – como espécie de ‘contributi speciali’ – tem conhecido profundos e seguros estudos doutrinários. Nos Estados Unidos, o ‘special assessment’ (designação não rigorosa que abarca o ‘benefit’ e o ‘cost assessment’) é responsável pelo financiamento de seus trens metropolitanos, magníficos viadutos, pontes, estradas, hidrovias, e demais obras que surpreendem todo mundo e impõem profunda admiração.
Na Inglaterra, o ‘betterment tax’ financiou, há séculos, a retificação e o saneamento das margens do Rio Tâmisa, assegurando sua navegabilidade e o incremento da vida econômica na zona ribeirinha. É, até hoje, responsável pelo financiamento de inúmeras obras de significativa importância econômica.
Em toda parte, como se vê, é notável esteio de um sistema financeiro estável e bem estruturado, constituindo-se sua presença em sintonia de finanças públicas saudáveis, equilibradas e socialmente justas. (p.172).
Como se pode perceber, não é pequena a importância da contribuição de melhoria, quando o intuito é utilizar os tributos em favor da justiça social, já descrita por JOUBERT , citado por RÓNAI (1985) como a verdade em ação (p.525)[ii]. Como primeiro exemplo, o Direito Inglês, que consagra a contribuição de melhoria com a denominação de Betterment Tax, conforme supra indicado, conecta esse tributo ao aumento do valor da propriedade causado pelas obras públicas, sem que exista qualquer interferência do proprietário. Quando o proprietário tem valorizada sua propriedade, sem qualquer mérito próprio, esse valor acrescido deve retornar aos cofres públicos.[iii]
É interessante notar que TROTABAS & COTTERET (1992), ao explicarem a função da contribuição de melhoria na Inglaterra, enfatizam o seu caráter de tributo de origem anciã, relacionado ao aumento dos valores, tanto dos bens particulares quanto das empresas (p.124).[iv] A origem antiga permitiu que a contribuição de melhoria inglesa se desenvolvesse e aperfeiçoasse, objetivando o desenvolvimento já descrito e confirmado por ATALIBA (2001), e que pode ser facilmente presenciado nos dias de hoje, dentro das fronteiras desta nação. Se as condições de vida inglesas são excelentes, graças à infra-estrutura que corta o país por todas as direções, é inegável que um dos motivos desta circunstância privilegiada se deve à contribuição de melhoria.
Situação semelhante ocorre na Itália, onde podem ser encontradas leis de 1923 (R.D.L. 18 novembre 1923 sulla finanza locale) que tratam da contribuição de melhoria. A visão sobre o tema é praticamente a mesma, complementando-se pelos escritos de GIANNINI (1974). Segundo o autor, dar uma aplicação mais difusa e uma estabilidade orgânica à contribuição de melhoria (p.497) é essencial, tendo em vista a justiça na aplicação dos tributos.[v] Sua sistemática e simples e incisiva: a contribuição de melhoria deve estar bem disposta na legislação, de maneira que seja mínimas as dúvidas sobre sua correta aplicação, ao mesmo tempo em que deve incidir sobre todos aqueles beneficiados descritos na hipótese de incidência. Nesses termos será, dentro do aspecto tributário, a representação dessa busca obstinada de igualdade, segurança e justiça (p.11), tanto pregada por COÊLHO (1999).
Uma outra conjuntura relevante, que espelha a necessidade da contribuição de melhoria, pode ser visualizada no Direito Mexicano. O México é, como de patente saber, uma nação em desenvolvimento, mas que vem, especialmente na última década, fortalecendo-se internamente, superando várias expectativas negativas a respeito da América Latina, contando e muito com a contribuição de melhoria.
Define a Lei de Contribuição de Melhoria pelas Obras Públicas Federais de Infra-Estrutura que as pessoas físicas ou jurídicas, beneficiadas diretamente pelas obras públicas, devem ser objeto de incidência da contribuição de melhoria .[vi] Igual teor tem o ensinamento de MACÓN (1971), citado por CLETO DEL REY (1999), onde a contribuição de melhoria incide sobre o aumento do valor que se opera na propriedade imóvel, como conseqüência das obras construídas pelo setor público (p.2).[vii]
Da sua correta concretização depende, assim, a melhoria das condições ecônomicas e sociais também dos países em desenvolvimento, pois como proclama ATALIBA (2001),
Os recursos financeiros provenientes da arrecadação da contribuição de melhoria, em países em fase de desenvolvimento, permitem atenuação na carga dos impostos e realismo na alíquota das taxas, incrementando as finanças públicas e desembaraçando a economia privada. Muitas obras públicas podem ser alimentadas preponderantemente por recursos específicos oriundos desse tributo. Sua presença num sistema tributário torna-o mais eqüanime, porque permite mais igualitária repartição das cargas tributárias (p.172).
Destarte, o raciocínio deste trabalho passa a se dirigir para uma outra questão fundamental., qual seja, realizar concretamente os pressupostos da contribuição de melhoria no Brasil, e garantir que sejam vinculadas à esta correta aplicação todas as ferramentas necessárias ao desenvolvimento e à justiça social.
3. Uma proposta para a contribuição de melhoria no Brasil
É assunto de extrema relevância a importância da contribuição de melhoria, notocante ao desenvolvimento econômico e social do Brasil. Vista como é em outras nações, a contribuição de melhoria pode e deve servir como um poderoso mecanismo, no intuito de equilibrar e regularizar a distribuição de renda em nosso país.
Já consagrada no artigo 145, III da Constituição Federal, a contribuição de melhoria possui todas as condições para ser aplicada, gerando recursos que podem ser aproveitados à justiça fiscal, e de maneira mais abrangente, à justiça social. O grande empecilho é que, conforme já ensinava BARBOSA (1903), uma Constituição é, por assim dizer, a miniatura política da fisionomia de uma nacionalidade. Ao que parece, a nação brasileira ainda não é madura suficientemente para entender o caráter virtuoso da contribuição de melhoria. De acordo com ATALIBA (2001), a contribuição de melhoria no Brasil, embora prevista em abundante legislação e até mesmo em textos constitucionais, jamais conheceu eficiente e adequada aplicação. Salvo algumas tentativas antológicas, é mera peça de museu. Há enorme resistência à sua implantação, baseada em preconceituosas objeções de toda ordem (p.172).
Fica revelada, portanto, a causa do neglectus da contribuição de melhoria no Brasil. Sendo um tributo iminentemente igualitário, que incide apenas sobre a faixa de pessoas beneficiadas por obras públicas, encontra grande resistência, justamente porque não é esta a mentalidade tributária predominante no Brasil. Porém, BALEEIRO (1998) afirma que desde muitos séculos, soa como um coro o apelo à justiça, regra fundamental de Política Tributária (…) Quando o Direito positivo de um país exterioriza diretrizes programáticas no sentido de certa concepção de justiça fiscal, o problema passa a ter um dado institucional concreto. Interessa verificar se os instrumentos tributários adotados pelo legislador são idôneos para o fim que ele alveja, ou se realizam praticamente, assim como as causas que estorvam esse resultado (p.283-284).
Dessa sorte, enquanto se procuram soluções mirabolantes para nossas crises econômicas, sociais e de infra-estrutura, levanta-se a hipótese da simplicidade da contribuição de melhoria, como alternativa para minimizar este tipo de obstáculo dentro do Brasil, levando o desenvolvimento a todos, por meio de uma política tributária séria e eqüânime. Segundo CUNHA (2001), a própria etimologia da palavra contribuição não abre dúvidas: do latim contribuere, significa colaborar, cooperar (p.213). E a questão final é esta: a contribuição de melhoria pode colaborar e cooperar para o crescimento da qualidade de vida de todos os brasileiros. Nos dizeres de FRANCO (1967), a contribuição de melhoria é uma instituição chamada a cobrir as necessidades coletivas em uma organização econômica determinada[viii] (p.241), que no caso em análise, possui nome e sobrenome: é a República Federativa do Brasil.
4. Conclusões
a. A contribuição de melhoria é uma instuição de eqüidade tributária internacional, aplicada principalmente naqueles países onde a justiça fiscal é priorizada, com conseqüente benefício imediato para a justiça social.
b. Tratando-se de um mecanismo tributário justo, a contribuição de melhoria tem grande capacidade para criar recursos, necessários ao desenvolvimento da infra-estrutura e da melhoria da qualidade de vida das nações.
c. Destarte, no caso brasileiro, não há como se olvidá-la, se a pretensão do país é de crescer com justiça social. Dentre vários outros processos, a contribuição de melhoria pode representar um marco ao crescimento do Brasil, como nação que prioriza a lux iustitiae, a luz da Justiça.
Notas:
[i] “elles son inspireés au moins autant par des fins économiques ou sociales que par des fins budgétaires”p.152
[ii] “La justice est la vérité em action”. Pensée, XV.
[iii] BETTERMENT (i.e. “making better,” as opposed to “worsement “), a general term, used particularly in connexion with the increased value given to real property by causes for which a tenant or the public, but not the owner, is responsible; it is thus of the nature of “unearned increment.” When, for instance, some public improvement results in raising the value of a piece of private land, and the owner is thereby “bettered” through no merit of his own, he gains by the betterment, and many economists and politicians have sought to arrange, “by taxation or otherwise, that the increased v:flut shall come into the pocket of the public rather than into his pocket”. Fonte: www.findlaw.com
[iv] “d’origine très ancienne, apparus au XVIIe siècle, frappent la valeur locative des immeubles bâtis, qu’ils appartiennent aux particuliers ou aux enterprises”. p.124
[v] “dare uma più diffusa applicazione e un più organico assetto al contributo di migliora”. p.497
[vi] LEY DE CONTRIBUCION DE MEJORAS POR OBRAS PUBLICAS FEDERALES DE INFRAESTRUCTURA – ARTICULO 1- ES OBJETO DE LA PRESENTE LEY LAS MEJORAS POR OBRAS PUBLICAS FEDERALES DE INFRAESTRUCTURA CONSTRUIDAS POR DEPENDENCIAS O ENTIDADES DE LA ADMINISTRACION PUBLICA FEDERAL, QUE BENEFICIAN EN FORMA DIRECTA A PERSONAS FISICAS O MORALES. Fonte: www.cddhcu.gob.mx/leyinfo/30/2.htm.
[vii] “En MACÓN (1971) encontramos la siguiente definición el tributo que nos ocupa: ‘La contribución de mejoras grava el aumento del valor que se opera en la propiedad inmueble, como consecuencia de las obras que construye el sector público.’” (p.2)
[viii] “institución llamada a cubrir las necessidades colectivas en uma organización económica determinada” p.241
Referências Bibliográficas
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 2002.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
BARBOSA, Rui. Discurso no Colégio Anchieta. Cadernos do Colégio Anchieta, 1903.
CLETO DEL REY, Eusebio. Concepto de Contribución de Mejoras. [online] Disponível na Internet via [http://www.aaep.org.ar/espa/anales/pdf_99/del-rey.pdf]. 1999.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
_______. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
FRANCO, Gabriel. Principios de Hacienda. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1967.
GIANNINI, A.D. Istituizioni di Diritto Tributario. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore. 1974.
RÓNAI, Paulo. Dicionário Universal Nova Fronteira de Citações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
TROTABAS, Louis; COTTERET, Jean-Marie. Droit fiscal. Paris: Dalloz, 1992.
*Thiago Lopes Lima Naves
Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG