Uso do amianto no país é subordinado a critérios econômicos

por João José Sady

Desde os tempos da Antiguidade que o amianto atrai as atenções em razão de sua aptidão para a resistência aos efeitos do fogo. Estas propriedades de resistência a temperaturas muito elevadas e a diversas agressões químicas, fizeram com que tenha sido incorporado a múltiplas aplicações em produtos industriais, na construção, para reforçar o cimento, o plástico e a borracha, como guarnição de freios ou embreagens, fibras para produção de tecidos com propriedades isolantes, como isolante térmico em geral.

Os atrativos decorrentes destas “mil e uma utilidades”, incentivaram a que a produção mundial chegasse a 5,2 milhões de toneladas em 1973. Nos tempos recentes, contudo, desencadeou-se uma tempestade de polêmica sobre os riscos ao ser humano, envolvido nesta utilização, com reflexos na produção que foi descendo até 1,92 milhão de toneladas em 1997.

No olho do furacão está a conscientização de que a fricção ou qualquer outro tipo de desgaste deste material libera partículas microscópicas com efeitos cancerígenos. Desde o século XIX que já havia estudos desvendando estes males mas, a reação a estes perigos encontra sua demarragem no último quarto do século XX.

Em 1977 a Organização Mundial de Saúde endossou a tese de que todos os tipos de amianto são cancerígenos baseando-se em estudos do “Centre international de lutte contre le cancer”.

Tal preocupação levou à intervenção da Organização Internacional do Trabalho a promover a sua convenção 162, de 1986, exigindo sistemas de proteção dos trabalhadores contra os riscos de câncer do pulmão e da pleura (mesotelioma), além da asbestose, moléstia muitas vezes fatal, embora não tenha caráter de neoplasia.

Outro marco é o posicionamento da Organização Internacional para Standardização que expede norma (ISO 7337, de 1984) relativa a cuidados de proteção que segundo os críticos “exigem praticamente que o trabalhador se transforme num cosmonauta, sem que haja, apesar disto, a certeza de que nenhuma fibra possa atravessar os dispositivos de proteção”.

A consciência dos efeitos deste assassino silencioso, instaurou uma longa onda de litigiosidade judicial que só nos USA fez com que as empresas envolvidas já tenham pago cerca de 70 bilhões de dólares em indenizações.

Acompanhando o consenso com relação a estes riscos, vários países promoveram o banimento do material que, por aqui, veio a ser genericamente proscrito mediante a lei 9055 de 1º de junho de 1995. O debate, contudo, não cessou, eis que, os produtores resistem, levantando a bandeira de que deve subsistir a utilização de uma forma de amianto que supostamente não teria este caráter danoso.

Com efeito, existem duas “famílias” deste mineral que é classificado em dois gêneros: anfibólico e serpentínico. O primeiro, tem como traço característico a disposição em camadas e tem sido crucificado como o verdadeiro inimigo da saúde, enaltecendo-se o outro, disposto em fibras, de cujas variações, o do tipo crisotila é aquele que ocupa 98% do mercado remanescente do produto.

O legislador brasileiro aceitou esta tese quando da promulgação da já citada lei 9055/95 que faz exceção quanto ao amianto crisotila cuja produção e comercialização continua permitida em nosso país.

Como o debate persiste, nos EUA, o presidente Bush vem construindo uma operação de salvamento das grandes empresas contra as ações de indenização em massa movidas por este motivo. Enquanto os movimentos sociais sugeriam a criação de um grande Fundo para tais indenizações, o Executivo conseguiu aprovar uma lei, promulgada em 18 de fevereiro de 2005, limitando as indenizações e cerceando as ações de massa (http://conjur.uol.com.br/textos/252715/).

Para Bush, esta lei (“Class Action Fairness Act”) era necessária porque advogados gananciosos estavam promovendo uma epidemia de ações levianas, com as quais estavam enriquecendo, deixando a conta para as empresas e os consumidores. (http://www.cnn.com/2005/ALLPOLITICS/02/18/limiting.lawsuits.ap/)

Aliás, em seu primeiro mandato, ele já havia feito sua intervenção nas tormentas do crisotila. Com efeito, a agência norte-americana de proteção ao meio ambiente (EPA) gastou anos e milhões de dólares de estudo para preparar e promover ação judicial para o banimento de todas as formas de amianto e foi derrotada na sentença do juiz federal do quinto circuito. O governo Bush, todavia, não permitiu que fosse interposto recurso.

A polêmica chegou ao seu ponto máximo, no âmbito internacional, quando a França (como quase toda a comunidade européia) baniu o crisotila, despertando o furor do Canadá que é o maior produtor mundial. No debate daí surgido, os produtores sustentavam que o traço sinistro do amianto se resumia aos anfibólicos, enquanto que a França, agarrava-se às conclusões dos estudos de seus órgãos públicos (INSERM) sustentando o caráter cancerígeno, também, do crisotila.

Para os franceses, reconhecido o risco, não existe, ainda, como definir um limite de tolerância, ou seja, um patamar de exposição que se possa, cientificamente, considerar como seguro. Registre-se, de passagem, que nos EUA, a Occupational Safety and Health Administration estabeleceu um limite de segurança padronizado em 0,2 fibra por centímetro cúbico do ar, mas, reconhece que, seguindo-se este padrão, é provável que um em cada trezentos trabalhadores venha a contrair câncer do pulmão.

Malgrado todos os argumentos canadenses, a Organização Mundial do Comércio deu ganho de causa ao banimento praticado pela França, rejeitando, inclusive, os recursos interpostos. A seqüência de banimentos vem continuando em vários países e, mesmo no Brasil, as pressões da sociedade civil, encabeçada pela Abrea, tem deixado o governo federal pressionado na parede.

A gestão deste risco no Brasil continua governada pela subordinação das decisões políticas aos critérios econômicos e os perigos do amianto continuam a pairar em nosso horizonte. Os efeitos malignos do mineral podem ocorrer em razão de pequenas exposições acumuladas e nem sequer percebidas, somente manifestando os malefícios depois de muitos anos.

Não existe tratamento médico que possa eliminar as fibras do organismo. Não existem critérios seguros quanto aos riscos ligados à exposição não industrial em pequenas quantidades e o mineral está presente no meio ambiente de forma difusa, sendo utilizado em larga série de produtos, sobre os quais não detemos controle.

O atual governo brasileiro que já recuou diante das pressões da indústria na questão dos transgênicos, havia divulgado, há mais de ano, que haveria de assumir a proibição do crisotila mas, recentemente, divulgou que está indeciso. Os perigos continuam no ar e o caminho que será escolhido nesta esquina da História, dependerá da combatividade e das pressões da sociedade civil.

João José Sady é advogado, mestre e doutor pela PUC-SP e professor no curso de direito da Universidade de São Francisco, em São Paulo.

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