1. A degradação hídrica
No Brasil encontramos cerca de 8% de toda água doce da superfície da terra, estando 80% deste volume na Região Amazônica, o que mostra a importância do nosso país na questão hídrica, ainda mais se lembrarmos que a escassez de água atinge 40% da população mundial, faltando este recurso permanentemente em 22 países. Aliás, já há preocupação dos especialistas de que a falta de água seja o grande motivo para guerras no próximo século.
A água tem diversas utilidades ao homem como, por exemplo, para: a irrigação na agricultura, a industria, o uso doméstico, a pesca, a geração de energia elétrica, atrair o turismo e como gerenciadora de empregos na infra estrutura de sua distribuição. Sem contar que os rios são importantíssimos recursos viários, não podendo ser esquecido como fator de desenvolvimento econômico, por este motivo.
Como sabemos, a explosão demográfica humana vem liberando em suas atividades o derramamento de dejetos e substâncias tóxicas no meio ambiente, poluindo, principalmente, os recursos hídricos mundiais, diminuindo os recursos desta natureza, tornando-os cada vez mais escassos, o que faz necessário encontrar medidas para diminuir seu consumo, bem como evitar desperdício e ainda propiciar recursos econômicos para a sua manutenção. Uma das formas é cobrar pela sua utilização, através da figura do usuário-pagador, que está associado a figura do poluidor-pagador.
2 – Legislação principal
Apesar da legislação constitucional dizer que a competência legislativa sobre a questão hídrica ser da União (art.22,IV,CF), não se pode retirar dos Estados e dos Municípios o poder de legislar supletivamente (arts.25,§1º e 30,I e II, Constituição Federal). Ademais, os problemas de poluição ultrapassam as fronteiras municipais, estaduais e muitas vezes nacionais, atingindo locais distantes da fonte poluidora, o que torna inoperante a tentativa de diminuí-los sem a participação de todos os envolvidos. Aliás, o art.205 da Constituição do Estado de S.Paulo estipula que o Estado instituirá, por lei, sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, congregando órgãos estaduais, municipais e a sociedade civil e, ainda, que deverá ser utilizada racionalmente a água, preservando-a, entre outras coisas. Prevê o rateio dos custos (II), ficando claro no art.211 o poder de cobrar pelo seu uso.
Por sua vez, nos termos do art.66, I do Código Civil, as águas dos mares e dos rios são bens públicos de uso comum do povo e pelo disposto no art.68 do mesmo código a utilização pode ser gratuita ou retribuída, ou seja poderá ser cobrada. A Lei 7.663, de 30/12/91, também de São Paulo, instituiu a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, reconhecendo o recurso hídrico como bem público de valor econômico, assim como prevê a cobrança pela utilização e a forma de rateio do custo (art.3º, III; 14 º e 15º).
Já a Lei federal 9.433, de 8/01/97(Lei das Águas), trouxe novas e importantes contribuições para o aproveitamento deste recurso adequando a legislação aos conceitos de desenvolvimento sustentado. Instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e classificou a água como bem de domínio público, um recurso natural limitado e dotado de valor econômico (art.1º, I e II). Dita, ainda, as regras de uma nova forma de gerenciamento descentralizado dos recursos hídricos criando comitês para cada bacia hidrográfica (art.33), bem como incorpora na política de desenvolvimento a gestão dos recursos hídricos com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades (art.1º, VI). Institui também a outorga de direitos de uso de recursos hídrico com o objetivo de assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água (art.11).
Outra inovação é a criação da cobrança pelo uso da água (art.19), elencando os seguintes objetivos: reconhecer a água como bem econômico, incentivar a racionalização do seu uso e obter recursos financeiros, os quais serão aplicação prioritária na bacia hidrográfica onde foram gerados (art.22), colaborando-se diretamente para a melhoria ambiental da região.
Esta lei cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos com os objetivos de coordenar a gestão integrada das águas, resolver os conflitos em relação aos recursos hídricos; implementar a Política Nacional Recursos Hídricos, planejar, regular e controlar o uso da água assim como promover a cobrança por seu uso (art.32). Também disciplina os Comitês de Bacia Hidrográficas (arts.37 e 38), assim como cria as Agências de Água que têm a função de secretárias executivas dos Comitês (art.41). Inclui as organizações não-governamentais( ONGs) com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade como organizações civis de recursos hídricos (ar.47). Portanto a Lei 9.433/97 traz muitas inovações modernas, destacando-se sem sombra de dúvidas a figura do usuário-pagador, a qual está sendo objeto de legislações para coloca-la em prática efetivamente.
A Lei 9.605/98 (Crimes Ambientais) que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente prevê sanções para aquele que poluir as águas (art.54).
3 – Princípio do usuário-pagador. Finalidades
O princípio usuário-pagador não é novidade em outras legislações, pois já existe na Alemanha desde o começo deste século, desde 1964 na França e é um dos requisitos de admissão no Mercado Comum Europeu, segundo Barth (1994). Mas, apesar da matéria ser nova para nós, podemos dizer em termos gerais, desde já, que a cobrança pela utilização da água tem as seguintes finalidades: conscientizar da sua importância e de que se trata de um produto renovável mas finito; diminuir o seu consumo; fornecer subsídios econômicos para o seu próprio gerenciamento; incentivar a utilização racional devido a diminuição de sua captação e possibilitar uma distribuição mais eqüitativa; contribuir no processo para se conseguir um desenvolvimento sustentável.
Porém, para que isso ocorra é necessário estudar e adotar um gerenciamento dos recursos hídricos com as seguintes providências: planejamento adequado com a observância das peculiaridades regionais e de ocupação do solo; manter o equipamento em bom estado para evitar desperdícios; aproveitar racionalmente os recursos hídricos; incentivar o reuso e o reciclo da água; fomentar intercâmbios internacionais em vista da existência de bacias hidrográficas que se estendem por outros países; celebrar parcerias entre Municípios e Estados no gerenciamento das águas; incentivar a participação da sociedade; distribuir a água levando-se em consideração as necessidades sociais e as possibilidades econômicas; fiscalizar energicamente em vista da possibilidade da existência de poluidores poderosos economica e politicamente; promover a educação ambiental com ênfase na poluição deste recurso; fornecer material didático sobre o tema acessível a todos os níveis escolares e estudar, rever e propor mudanças na legislação penal para efetivas sanções ao poluidor.
Aliás, temos visto grande preocupação de técnicos em recursos hídricos e mesmo de empresas com a utilização industrial da águas, bastando ver as matérias publicadas em revistas especializadas como a Revista Meio Ambiente Industrial (1998, 1999).
4 – Conclusão
Assim, a introdução efetiva em nosso direito da figura do usuário-pagador é medida importantíssima e moderna de preservação desse valioso bem, contribuindo para termos um ambiente ecologicamente equilibrado, como preceitua o art.225 da Constituição Federal, temática que as industrias devem ter total conhecimento, pois como propulsoras do desenvolvimento devem estar engajadas nas mais modernas medida protetivas do meio ambiente, principalmente em se tratando em proteger um recurso que além do valor econômico é biologicamente indispensável à sobrevivência de todos nós. As industrias como grandes consumidoras deste bem devem ser as primeiras a tomar as medidas corretas ambientais. Caso contrário não alcançaremos o tão almejado desenvolvimento sustentável (Santos,1994).
ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS
Juiz de direito em São Paulo/SP. Criador do Programa Ambiental: A Última Arca de Noé. (www.aultimaarcadenoe.com)
BIBLIOGRAFIA CITADA
– BARTH, FLÁVIO T.. 1994. A nova Política Estadual de Recursos Hídricos e o Princípio Usuário -Pagador. Instituto de Estudos Avançados. Coleção Documento, série Estudos Urbanos.
– MATTIO, JOSÉ ALFREDO. Reuso de água. Revista Meio Ambiente Industrial. Ed. Jul./ago de 1999.
– REBOUÇAS, ALDO DA CUNHA. Água: Bem Livre x Usuário Pagador. Revista Meio Ambiente Industrial. Ed.set./out de 1998.
– REVISTA MEIO AMBIENTE INDUSTRIAL. As vantagens do reuso e reciclo de águas. Sem autor. Ed.nov/dez de 1998.
– REVISTA MEIO AMBIENTE INDUSTRIAL. Águas industriais: a opção do reuso. Sem autor. Ed. Set./out. de 1998.
– SANTOS, ANTONIO SILVEIRA R.dos. 1994. A biodiversidade da terra e o desenvolvimento sustentável. Diadema Jornal,13.11.94, Revista dos Tribunais nº716,p.7, entre outros inclusive em italiano e japonês.
INFOJUS, 20.04.00
Autor: Antônio Silveira Ribeiro dos Santos Fonte: Infojus