Autor:Manuel Alceu Affonso Ferreira (*)
Conforme ponderei em recente entrevista ao Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), não me considero credenciado a ditar lições profissionais aos colegas mais jovens. O que no máximo consigo, e mesmo assim timidamente, é tentar repassar-lhes o legado da experiência do mais de meio século — para ser exato, 53 anos — consumido em patrocínios diversos.
Dessa vivência extraio os valores que reputo úteis a qualquer representação judicial. Formam eles um sexteto que, à míngua de melhor nome, chamei de “os seis Cs”, submetendo-os, aqui e agora, à douta crítica dos noviços, que a essas sugestões emprestarão a importância que entenderem. Sublinho: são referências abstratas e genéricas, várias delas amparadas no nosso estatuto ético, mas adaptáveis, sem prejuízo da imanente essência, às características pessoais de cada qual e às particularidades da liça enfrentada.
São eles:
1º C — Cordialidade, significando o respeito, a atenção e a polidez devidos a todo e qualquer companheiro de atividade, independentemente de sua idade, do seu prestígio e da eventual fama. Atitude essa por igual implementada relativamente aos demais atores da cena forense, magistrados das instâncias judicantes, representantes do Ministério Público, servidores do Judiciário e órgãos colaboradores. A nenhum deles, mesmo se reptado ou provocado, o advogado recusará tratamento sereno e urbano, o que jamais se confundirá, à luz do caso concreto, com adulação, subserviência ou poltronice de nenhum tipo.
2º C — Combatividade, traduzindo a insistência, nos limites da lei, quanto ao procuratório dos litígios de cuja razoabilidade jurídica haja consciente e firme convencimento. Os tropeços e malogros encontrados nas vias de impetração jurisdicional não devem resultar em desânimo ou abatimento, tampouco na sensação de que tudo está perdido e, por isso, a causa patrocinada mereça ser lançada às urtigas. O advogado deve lealdade a quem o constituiu — o seu cliente —, razão pela qual não lhe é permitido impressionar-se pelo poderio do adversário, ou pela antipatia ou impopularidade da lide apadrinhada. Doutro lado, o bom combate do advogado não envolve a interposição de um recurso pelo só e simples fato da existência de prazo para tanto aberto. Mais é necessário, principalmente a honesta crença do patrono-recorrente na consistência do direito pleiteado. Em suma, a sadia combatividade não há de trasmudar em instrumento de uma repulsiva chicanice, ou de uma não menos condenável forma de protelação executiva.
3º C — Curiosidade intelectual, no sentido de manter-se o advogado sintonizado com a evolução do Direito advinda das novas leis, das inovações doutrinárias e das (não raras) alterações nos humores e convicções dos pretórios. É dizer, o advogado não pode se contentar com as ensinanças recolhidas nos cursos de formação, por mais sólidas, respeitáveis e imutáveis que pareçam. Os ensinamentos acadêmicos não exaurem o conhecimento técnico ou humanístico contemporâneos. A frequente visita aos sites jurídicos, a apuração da jurisprudência atualizada, a leitura das obras jurídicas, das biografias dos juristas de escol, das criações literárias, inclusive dos romances e outras obras de ficção que ajudem a captar o sentimento coletivo e as mudanças nos padrões sociais, tudo isso é indispensável para o causídico que pretenda ser alguém do seu tempo, jamais um dinossauro fossilizado, um paleolítico experto, quiçá um ex-erudito…
4º C — Compostura. Advogado não é artista de novela, modelo de moda ou cirurgião plástico de celebridades. Muito menos cerveja, ou sabonete. A dignidade da advocacia dispensa que o militante da profissão seja publicamente reconhecido com vivas e olás, ou instado a distribuir autógrafos. Bem ao contrário, o advogado deve reverência à sobriedade que, tradicional e felizmente, envolve as suas nobilíssimas tarefas. Noutras palavras, não pode se render à sedutora “síndrome dos holofotes”. Ou, para lograr a comemoração festiva dos seus feitos forenses, estabelecer abusivas intimidades com a mídia, sugerindo, a troco de inconfidências eticamente vedadas, a divulgação da sua sorridente fotografia, ou de notas simpáticas nas colunas jornalísticas mundanas. Comportamento desse jaez projeta-se, ex longo e negativamente, no conceito popular sobre toda a classe, como se todos os advogados fossem exibicionistas e jactanciosos, ferrenhos admiradores de si mesmos que diuturnamente indagam aos escudetes: “Espelho meu, existirá algum advogado melhor do que eu?”.
5º C — Clareza expositiva, de que a concisão é requisito subjacente. A técnica do “corta e cola” vem transformando as petições em amazônicos arrazoados que, além de provocarem cansaço e sonolência, são contraproducentes aos fins por eles em tese visados. Porque maçantes, enjoativas e monocórdicas, as intermináveis laudas causam justa irritação àqueles que deveriam digeri-las. Parafraseando Nelson Rodrigues, neste meio século de tribuna convenci-me de que, acima de tudo, a prolixidade é visceralmente burra, asnática e idiota. O mesmo vale para as defesas orais, que não se destinam ao prazer da verborragia e ao deleite de ouvir-se a própria voz e, mercê disso, enfadar aos já irritados ouvintes. Nas peças advocatícias, escritas ou verbais, será indispensável resumir ao essencial a fundamentação do pedido e a pretensão deduzida, a tudo tornando claro e objetivo, em consequência omitindo saudações carregadas de servil capachice, as dissertações quilométricas, os arroubos oratórios, a grandiloquência ridícula, a pompa grotesca e os gestos peculiares aos tenores de óperas bufas.
6º C — Cooperação com as entidades de classe, oficiais e privadas, visto que unicamente a elas está reservada a representação da nossa categoria e, portanto, a sua defesa e a veiculação do ideário da advocacia, bem como daquilo que expressa as perenes prerrogativas inerentes à liberdade e à autonomia profissionais.
Perfilhar esses “seis Cs” não garantirá, a ninguém, vitórias processuais. Nem sequer alguma gratidão dos constituintes vitoriosos. Também não, e em nenhuma hipótese, honorários mais polpudos… Contudo, certamente servirá a que o advogado calouro, assim honrando e valorizando a profissão que resolveu exercer, se sinta orgulhoso e em paz consigo mesmo.
Autor:Manuel Alceu Affonso Ferreira é advogado, juiz aposentado do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, ex-conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil e da seccional paulista da OAB e ex-secretário de Justiça do estado de São Paulo.