Joaquim Welley Martins *
A problemática da reparação do chamado “dano mora” na faina diária dos tribunais brasileiros tem sido, notadamente nos últimos dez anos, uma realidade incontestável devido, principalmente, à enorme enxurrada de medidas judiciais reparatórias, algumas de cunho e valores milionários, que tem, dentre outros aspectos, servido para comprovar que mais essa faculdade jurídica está tendo sua validade e aplicabilidade totalmente deturpada no Brasil, gerando, dentre outros resultados, uma grande confusão jurídico-formal quanto à forma e aplicabilidade de elementos econômico-financeiras como sendo o fator de reparação.
No seu desenvolvimento histórico-jurídico, a problemática da reparabilidade do dano moral, por meio da atividade jurisdicional, especialmente na esfera civil, já passou por diversas fases, podendo se destacar as linhas teóricas de pensamento de Yhering, Giuseppe Tucci, Josef Esser e Vicenzo Carbone, entre os estrangeiros, bem como o nosso memorável Pontes de Miranda, Aguiar Dias e Wilson Melo da Silva, dentre os brasileiros, apenas para citar alguns dos doutrinadores que já se debruçaram arduamente sobre o tema.
A questão jurídico-formal que engloba o ilícito do dano moral e sua reparação, também dentro da esfera civil, para traçarmos claramente os limites desta abordagem, está, necessariamente, no aspecto de delimitar-se formal e concretamente – isso dentro dos ditames legais existentes – o que seja esse “dano moral”; em que o mesmo se constitui, qual são seus limites e como pode haver uma, senão precisa, mas confiável delimitação de que o mesmo, enquanto bem jurídico legalmente tutelado, foi efetivamente lesado, de forma a impor-se a atuação jurisdicional no sentido de algum tipo de reparação.
Em nosso ponto de vista, de uma forma equivocada – ainda que carregada de boa intencionalidade -, a prática atual e tendente de se dilatar o conceito da responsabilidade civil, de forma a se estabelecer o dolo ou a culpa do agente causador de um dano moral, está sendo um dos grandes motivos para que sejam instauradas relações processuais equivocadas onde, de um lado há um jurisdicionado que, ao contrário de estar se valendo da lei e da atividade jurisdicional para a defesa de um direito, ao contrário, na maioria das vezes, vale-se de ambos num evidente sentido de locupletamento ilícito. Do outro lado temos mais um jurisdicionado que, dentro dos ditames da lei e das práticas do processo busca impedir que aquele locupletamento se concretize, sendo que isso, por força de uma prática muitas vezes abusiva ou paternalista das instâncias “A Quo”, tem sido difícil na realidade contemporânea pátria. E, entre esses dois jurisdicionados, procurando “dizer o sentido da lei”, para que a mesma seja aplicada com eficácia, temos o Estado-Juiz, com um aparelhamento material e humano mastodôntico e que, por isso mesmo, tem-se mostrado lento e aquém das necessidades e expectativas daqueles que dele se socorrem.
Além daqueles três elementos citados, há um quarto ator nessa realidade jurídico-processual, indispensável para que a lei e a justiça se efetivem, conforme preconiza a Carta Política de 1988. Estamos falando do advogado que, em muitos casos, no exercício do seu mister e na luta pela sua sobrevivência, deixa de lado ditames éticos, propondo medidas judiciais esdrúxulas e descabidas, as quais somente servem para entupir ainda mais o Judiciário, mas nunca no sentido para o qual essa atividade profissional se dignifica.
Alguns elementos relevantes
Faz-se necessário trazer à lume alguns conceitos básicos, os quais, em permeando o tema central, são de tal forma vinculados ao mesmo que, se forem ignorados ou aplicados de forma equivocada, podem ser o ponto de partida para um injustiça. Nos referimos senão a outros conceitos do que seja: dano, moral, dano moral, indenização, lesão e reparação.
Segundo o invulgar Plácido e silva, in Vocabulário Jurídico – Volumes I, II, III e IV -, Ed. Forense, RJ, temos que:
“Dano – (…) Juridicamente, dano é, usualmente, tomado no sentido do efeito que produz: é o prejuízo causado, em virtude de ato de outrem, que vem causar diminuição patrimonial.
(….)
Moral – Derivado do latim moralis ( relativamente aos costumes), na forma substantiva designa a parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuoso, segundo ditames da consciência e os princípios da humanidade.
A moral, assim, tem âmbito mais amplo que o Direito, escapando à ação deste muitas de suas regras, impostas aos homens como deveres.
Na linguagem jurídica é tomada, por vezes, no sentido físico ou natural.
(….)
Dano Moral – Assim se diz da ofensa ou violação que não vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais os que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua pessoa ou à sua família.
(….)
Lesão – (…) Extensivamente, quer o vocábulo exprimir toda espécie de ofensa ou dano causado à coisa ou ao direito, de que possa resultar um prejuízo para seu proprietário ou titular.
(…)
Indenização – (…) em sentido genérico quer exprimir toda compensação ou retribuição monetária feita por uma pessoa a outrem, para a reembolsar das despesas feias ou para a ressarcir de perdas tidas. (…) E, portanto, em sentido amplo, toda reparação ou contribuição pecuniária, que se efetiva para satisfazer um pagamento, a que se está obrigado ou que se apresenta como um dever jurídico.
(…)
Reparação – (…) No sentido propriamente jurídico, exprime o ressarcimento, a indenização, ou a retribuição pecuniária devida pelo dano que se tenha causado a alguém.”
Valendo-nos da conceituação do doutrinado supracitado temos que o dano moral se constitui em :
“DANO MORAL – Assim se diz da ofensa ou violação que não vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua pessoa ou à sua família.”
Mas, para não ficarmos no conceito vinculado ao aspecto linguístico-formal, valemo-nos, também, de lapidar idéia desenvolvida por Paulo Guilherme de Mendonça Lopes, em seu artigo intitulado “Dano Moral” , veiculado na revista eletrônica Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), a qual é direta e muito bem adequada à realidade atual, pois o mesmo vaticina que:
“(…), são danos não patrimoniais (morais), todo sofrimento moral (por exemplo, ofensa a honra, a dignidade etc.), todo sofrimento físico, todo dano à integridade física, a diminuição do prestígio ou da reputação pública e etc.”
Esse mesmo autor, também no artigo supracitado, enfatiza que:
“Diz-se que dano, em sentido jurídico, seria a supressão ou diminuição de uma situação favorável que estava protegida pelo direito (Assim: Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º vol., págs. 283). Este conceito de dano permite que se abarque tanto a hipótese de dano patrimonial como de dano não patrimonial, posto que para a ocorrência de uma dano não se exige uma perda pecuniária (Cfr.: Mazeaud/Chabas, Derecho Civil –
Obligaciones, trad. esp., tomo I, pág. 527).”
O também doutrinador invulgar Antonio Jeová Santo, in Dano Moral Indenizável, 3ª ed., Ed. Método, é enfático ao asseverar que :
“Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. (…) O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como o diz Jorge Mosset Iturraspe (Responabilidad Civil, p.21)”.
O certo é que, no caso do dano moral faz-se condição “sine qua non” para que a atividade jurisdicional tutele algum tipo de pleito indenizatório, que se efetive algum tipo de lesão – naquele sentido já trazido à baila -, ou seja, há que ser constatada e provada a existência de uma supressão, diminuição, ofensa, ferimento ou prejuízo para aquele direito protegido, de forma a se aquilatar sua abrangência e delimitar-se a extensão da indenização.
Dessa forma fica claro e indiscutível que, mesmo em sendo tutelado o aspecto subjetivo do indivíduo, relativamente ao dano moral, não é qualquer tipo/forma de lesão a esse direito que fará surgir um dano que possa ser recuperado pela indenização, notadamente a indenização pecuniária.
Além do acima articulado, cumpre ser provado, para que se caracterize a condição de ser indenizável o dano, nos termos em que se tem pautado a doutrina e a jurisprudência pátrias, que: O dano dever ser certo quanto à sua existência, ou seja, a lesão tem de ser real, pois meras conjecturas e ilações afastam esse tipo de certeza; Deve também o dano ser atual, no aspecto da sua temporalidade, ou seja, aquela lesão deve, efetivamente, existir ou já te tido existência concreta; Deve também o dano ser subsistente, ou seja, a ressarcibilidade somente se coaduna e justifica pela subsistência do efeito danoso, para que se imponha o dever de indenização.
Acompanhado aqueles elementos acima descritos, não há como se olvidar que, no direito pátrio, a tríade dano-culpa-nexo de causalidade se constitui em imperativo para que haja a responsabilidade de indenizar, de tal sorte que, em inexistindo ou sendo falha a presença de qualquer um daqueles três elementos o dano enquanto lesão se descaracteriza, tornando-se justificado e faz com que desapareça a obrigação indenizatória.
O dano moral e o processo judicial
O que tem se visto no Brasil, principalmente nesses últimos dez anos, relativamente aos processos judiciais por danos morais foi, primeiramente, um crescimento vertiginoso desse tipo de medida judicial, especialmente na esfera cível, sendo quase impossível se encontrar um julgador cível, de qualquer das instâncias judiciárias pátrias que não tenha, ao longo de toda a sua carreira, se defrontado com uma ação dessa natureza, sendo que os juízes mais novos é quem mais tem sido chamados a decidir processo desse tipo.
Em segundo lugar, sendo um aspecto preocupante, é que tem sido providas medidas judiciais de caráter indenizatório por dano moral, em valores astronômicos, especialmente quanto intentadas por atores/atrizes ou figuras que se tornaram públicas por algum motivo, numa avalanche de sentenças que tem imposto, ao caráter indenizatório do feito, somas na casa do milhão de reais. Isso tem gerado um efeito dominó, em outras medidas judiciais, essas intentadas por cidadãos “comuns” , mas que com o nítido desejo de locupletamento, ingressam em juízo pleiteando valores absurdos pelas mais absurdas situações, sob o pálio de um suposto dano moral de cunho subjetivo, mas que, em tendo sido aceitas pelo Judiciários, tem redundado em outras sentenças cujos valores não se coadunam nem com a realidade dos fatos, nem com o princípio da tutela jurisdicional encartada nas normas legais e nem com o princípio norteador que levou o legislador pátrio a estabelecer tais direitos.
Apenas para exemplificar, vejam-se alguns casos recentes e emblemáticos, a saber:
A Brahma de Cuiabá e seu advogado, Sérgio Bermudes, terão que pagar uma indenização de cerca de R$ 5,7 milhões por danos morais a um juiz. O valor estipulado pela justiça foi de 450 vezes o salário recebido pelo magistrado.
A Rede Record de Televisão foi condenada, em primeira instância, a pagar R$ 1 milhão ao ex-juiz da Vara da Infância e Juventude de Jundiaí, Luiz Beethoven Giffoni Ferreira. A decisão é do juiz Marco Antônio Fleury Alvarenga, da 23ª Vara Cível da Capital paulista.
A 3ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças (Mato Grosso) condenou a empresa paulista, Bunge Fertilizantes, a pagar indenização de R$ 18 milhões por danos morais. A ação foi impetrada por empresas que tiveram seus títulos protestados sem nunca ter feito nenhum tipo de negociação com a Bunge Fertilizantes.
O jornal “O debate” de Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, foi condenado a pagar indenização por danos morais, no valor de 1.000 salários mínimos (R$ 180 mil), ao juiz Antônio José Magdalena. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade. O valor pode chegar a R$ 400 mil com juros e atualizações.
A jornalista Cláudia Cordeiro Cruz, ex-repórter e ex-apresentadora da TV`Globo, deve ser indenizada em 870 salários mínimos (cerca de R$ 156 mil) por danos morais e perdas e danos. A decisão unânime é da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao manter a decisão de primeira instância. A Câmara seguiu o voto do relator, desembargador Paulo Sérgio Fabião.
A Folha de S.Paulo foi condenada a pagar indenização de R$ 270 mil (1.500 salários mínimos) para o juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Roberto Haddad. O pedido foi motivado pela publicação de uma série de reportagens exibindo o patrimônio do juiz. O jornal também foi condenado a pagar as despesas processuais corrigidas e 15% dos honorários advocatícios da parte vencedora.
O Grupo Jornalístico Globo foi condenado a pagar R$ 2 milhões para atriz Malu Mader por danos morais e materiais. O motivo foi uma notícia publicada no jornal Extra. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. (Informações obtidas na revista eletrônica www.conjur.com.br)
Como bem pode ser verificado pelos exemplos colacionados, alguns envolvendo figuras públicas e outros não, constata-se, assombrosamente, que o Judiciários brasileiro, a contrário sensu de seus similares de outros países democráticos, tem sido extremamente benevolente e generoso quanto à questão da indenização pecuniária por dano moral. E, o que é mais preocupante, se tais sentenças milionárias tem sua origem na instância “A Quo”, constata-se que somente em casos muito raros a instância “Ad Quem”, em exercendo o seu munus, modifica aquelas decisões, ou seja, pelo que se vê há uma unidade de entendimento entre os juízes singulares e as cortes de julgamento quanto a valoração pecuniária do dano moral, ainda que, em nosso ponto de vista, isto esteja se procedendo de uma forma equivocada e surreal. Senão, vejamos alguns casos:
I) Uma ação de indenização, por danos morais, de R$ 2 milhões contra a revista IstoÉ e os jornalistas Mino Pedrosa e Sônia Filgueiras foi julgada improcedente. O processo movido pelo juiz da Vara de Falências e Concordatas da Comarca de Goiânia, Avenir Passo de Oliveria, também abrangeu os advogados Sérgio Melo e Paulo Vianna. Em entrevista à revista, os advogados afirmaram que o juiz recebeu US$ 1 milhão para conceder o pedido de concordata, e não de falência, à Encol em 1999.
O ex-ministro da Defesa, Élcio Álvares, perdeu ação de indenização de danos morais contra o Grupo de Comunicação Três, responsável pela edição da revista IstoÉ. A ação foi movida devido a uma série de reportagens publicadas sobre as investigações da CPI do Narcotráfico, no Estado do Espírito Santo. O conjunto de reportagens ganhou o prêmio “Esso de Jornalismo”, no ano passado. (Informações obtidas na revista eletrônica www.conjur.com.br)
Um aspecto que tem de ser muito bem considerado quanto às medidas judiciais de cunho indenizatório por dano moral, no Brasil, centra-se na problemática da prova do dano moral, tendo em vista que, tanto nossa doutrina, como nossa jurisprudência tem se guiado pelo princípio de que qualquer tipo de prova pode, nos termos que a lei atual regulamenta, sustentar um dano moral- equivocadamente em nosso ponto de vista -,
O que dever ser muito bem considerado, no tocante ao direito de indenização por danos moral, no caso do Brasil, é a autêntica banalização desse relevante instituto jurídico, devido a, em primeiro lugar, o seu uso de forma desequilibrada e desqualificada pelos próprios jurisdicionados – com uma parcela nítida de culpa a ser creditada aos advogado, os quais, apenas por interesse dos possíveis honorários de sucumbência, muitas vezes promove esse tipo de medida judicial, mesmo tendo plena consciência de ser incabível tal acionamento da atividade jurisdicional, o que carateriza, segundo o código de ética da categoria a chamada “lide temerária”-.
Em segundo lugar -isso de forma generalizada-, pela atuação incoerente – tendendo para o pleno equívoco – do Estado-Juiz em nível “A Quo”, onde os julgadores primários muitas vezes, em deixando de lados princípios comezinhos de direito civil e processual civil, após uma tramitação processual marcada por irregularidades gritantes, sentenciam de uma forma inconsistente, na maioria das vezes fixando indenização milionárias – principalmente se a parte autora do processo for famosa ou pública, ou mesmo tiver algum tipo de relevância social -, ou, mais absurdo ainda, deferindo integralmente os valores indenizatórios pleiteados na inicial, o que, na maioria das vezes, isso por ato da própria parte e do seu patrono, se constituem em valores astronômicos, na casa do milhão de reais, sem se atentar que o locupletamento ilícito é totalmente rechaçado pela lei, doutrina e jurisprudência pátrias.
Essa triste as concreta constatação, conforme já se exemplificou acima, se dá, dentre outros fatores, pela problemática de, no caso brasileiro, a explícita dificuldade em se correlacionar o elemento MORAL – comumente aceito e aplicado como o proceder segundo a justiça, honestidade e bons costumes, tudo isso vinculado à ética, sintetizando-se -, com a aplicabilidade dessa idéia quanto à lesão extrapatrimonial. Dessa dificuldade, das mais evidentes, parece-nos, é que nascem algumas dessa posturas e práticas irregulares que, por conta da sua quantidade e de onde isso está ocorrendo – na atividade jurisdicional – é que se torna mais preocupante.
Os problemas do dano moral e o processo judicial relativamente à Constituição Federal de 1988
Um aspecto a ser levantado, por conta das suas repercussões práticas e processuais é o de que, com a Carta Política de 1988, especificamente pelo que conta do inciso X do artigo 5º ( Art. 5º (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;) o direito à reparação do dano moral foi elevado à categoria de direito protegido constitucionalmente.
Ora, a norma constitucional, que é parâmetro e referência “in concreto” para todos os demais direitos garantidos pelos demais diplomas legais pátrios é, no caso brasileiro, por demais genérica, sendo que, quanto ao dano moral, isso se reveste de outras implicações, sendo comum entre os doutrinadores esse ponto de vista, pois como leciona Antonio Jeová Santos, na obra já citada: “Ocorre que, em virtude da regra ampla do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, no que toca aos danos extrapatrimoniais, qualquer tipo de lesão que daí advenha, pode ser objeto de indenização”.
Cremos que o legislador constitucional quis, quando da elaboração dessa norma, resgatar vários aspectos de direito que haviam sido clara e explicitamente suprimidos e ignorados no período ditatorial pátrio, de forma a que fosse garantida a indenização pela violação de qualquer daqueles aspectos do direito individual do cidadão, especialmente pelo Estado, já que isso ocorreu de forma desmedida nos chamados “anos de chumbo”.
Contudo, pelos termos explicitados na Constituição Federal, temos um modesto entendimento de que aquele direito garantido é, na verdade, uma faculdade encartada na carta política pátria, em que pese sua taxatividade e, por isso, não teria aplicação imediata, cabendo ser regulamentada por norma legal infraconstitucional ou, no mínimo, submeter-se a preceitos insculpidos na legislação civil e processual existentes.
Manifestamos esse ponto de vista a partir da realidade de que grande parte do texto constitucional de 1988, por opção do próprio legislador constituinte – ainda que isso às vezes não seja explícito -, dirigiu-se para a regulamentação infraconstitucional, de forma a ser detalhada faculdade e/ou o direito garantido, e a forma como o mesmo é tutelado concretamente quando da operacionalização do direito pelo processo.
Além disso, em nosso ponto de vista, ainda que o texto do inciso X, do artigo 5º, seja amplo, nos parece que o mesmo aponta mais para as questões de lesão material, moral ou de imagem nos casos das atividades de imprensa em geral – notadamente a escrita e televisiva -, pois foram destas atividades, na história pátria, que mais surgiram processos relacionados ao dano moral, por meio do qual firmou-se a doutrina e a jurisprudência pátrias.
Como bem se verifica, vários são os aspectos legais e processuais aos quais deve ser lançada luz, no tocante ao direito de indenização pelo dano material, sendo que muito já está sendo feito pelos tribunais – apesar dos aspectos contraditórios alinhados acima -, isso mais por conta da morosidade do Legislativo. Mesmo assim, somos de posicionamento de que o Estado-Juiz, especialmente os julgadores primários devem ter muito cuidado e alto poder de discernimento, quando do sentenciamento de ações indenizatórias por danos morais, de forma a que esse direito não seja utilizado de forma oportunística, tornando-se outra fonte de locupletamento ilícito por pessoas que não se apercebem do prejuízo, social e coletivo, que o desprestígio de um direito como esse pode gerar, num futuro próximo.