Relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) mostraram, no último domingo, numa reportagem histórica do jornal O Estado de São Paulo (e reproduzida parcialmente pelo Correio do Estado), que 77% dos municípios brasileiros apresentam graves irregularidades na prestação de suas respectivas contas.
O material jornalístico é assustador e provoca uma intensa desesperança. O Brasil não tem solução. Há Estados em que 100% dos municípios apresentam problemas como fraudes, corrupção, empreguismo, tráfico de influência, enfim, tudo aquilo que direta e indiretamente causa e estimula os elevados índices de miséria, desajustes sociais e violência desmedida.
Há cidades que recebem royalties e incrementos substanciais de ICMS em função da exploração de gás e petróleo, algumas inclusive com excelente base industrial, o que gera receitas consideráveis, só que tudo é literalmente expropriado pelos dirigentes numa fabulosa confusão entre o público e o privado.
Comparando os recursos volumosos que entram nos cofres públicos com os índices sociais subdesenvolvidos o descalabro causa revolta. Mais de 30% dos munícipes não são atendidos por saneamento básico, as condições das moradias são extremamente precárias, os padrões de atendimento à saúde e educação são deprimentes.
O foco dos problemas está localizado na maioria dos Estados do norte e nordeste. Famílias assumem o poder local e transformam as respectivas prefeituras em negócios particulares, passando de geração em geração, como se ainda vivesse o período das capitanias hereditárias.
Num trecho da reportagem deparamos com a seguinte informação: “em pelo menos quatro municípios na Bahia (Porto Seguro, Taperoá, Cansanção e Mucuri), a CGU teve de recorrer à Polícia Federal (PF) para ter acesso aos documentos das prefeituras e garantir a segurança de seus servidores. O Estado é apontado como um dos principais focos de corrupção, mas com seus 95% de irregularidade não é o pior na estatística”.
Diante deste quadro – há coisas muito mais graves e prosaicas, como, por exemplo, o prefeito que gastou mais de R$ 300 mil com a compra de elástico para prender dinheiro e pincéis atômicos – não há como manter acesa uma tênue centelha de esperança de que um dia a classe política tomará a famosa vergonha na cara e ajudará a mudar o rumo das coisas.
A mentalidade predatória assumiu o comando da história e das instituições, não dando margem para que um mínimo de decência respire.
O Brasil parece cada vez mais um corpo moribundo sendo sugado por milhares de vampirinhos do Oiapoque ao Chuí, com alguns poucos abnegados tentando manter a sobrevida do doente.
São bilhões de reais arrecadados que vão direto para os cofres pessoais de prefeitos, vereadores e familiares que orbitam esquemas terceirizados do poder local.
É provável que se houvesse um pacto nacional para que esse pessoal fizesse jejum de apenas um dia nos seus apetites pantagruélicos, o Brasil daria um salto espantoso no seu processo de crescimento. Mas quem segura a ganância, a total indiferença pelos outros e a falta de compromisso com valores éticos ?
O cenário brasileiro não oferece alternativa que não seja os portões de embarque dos aeroportos. O Estado concentra poder demais para que se possa, mesmo no longo prazo, imaginar a possibilidade de refluxo nos mecanismos de promiscuidade.
Diante disso, o mais grave é que esse processo transformou-se num fenômeno totalizante. É angustiante ver as novas gerações mergulhando de cabeça no vale-tudo e, nós, da famosa turma formada pelo tacame do AI-5, que brigamos contra a ditadura para mudar a cara do País, estamos nos sentindo cada vez mais impotentes e horrorizados com a caricatura bizarra que ajudamos a construir.
Dante Filho, jornalista