Varas especializadas garantem melhor aplicação do Direito e celeridade

Autora: Isis Magri Teixeira (*)

 

O ano de 2015 foi severo com os brasileiros. Os meses arrastaram-se, pesados, difíceis de terminar. Um dos efeitos do caos político e econômico, estes sim prolongados no tempo, pode ser atestado pelos dados divulgados pela Serasa Experian.

Foram anunciadas diversas vezes no ano passado as quebras do recorde do número de requerimentos de recuperações judicias no país. No total de todos os meses de 2015 este número foi 55,4% superior ao registrado em 2014, liderando o acumulado do ano desde 2006, quando entrou em vigor a nova Lei de Falências (Lei 11.101/2005).

Ainda segundo a Serasa, os requerimentos foram feitos principalmente por micro e pequenas empresas, com 688 pedidos, seguidas pelas médias (354) e pelas grandes empresas (245), evidenciando o aprofundamento da recessão, a elevação dos custos para a contratação de crédito e as consequências da disparada do dólar, o que gerou o aumento dos custos financeiros e operacionais das empresas brasileiras.

Diante destes números, inevitável a ponderação sobre os reflexos da recuperação judicial na economia, especialmente no cenário da crise política e financeira que experimentamos atualmente.

A recuperação judicial é um processo do qual o Estado participa e exerce influência direta, juntamente aos players particulares: empresário, administrador judicial e Comitê de Credores. A opção do legislador foi exatamente esta: a intervenção nas relações jurídicas privadas, com a finalidade de permitir ao órgão público o acompanhamento do processo de recuperação judicial do empresário. Esta forma interventiva de atuação do Estado deixa claro o caráter transcendente da atividade empresarial, sempre relacionada com o interesse público, uma vez que as empresas são as responsáveis pela oferta de grande parte dos postos de trabalho, fonte de arrecadação tributária e de serviços e bens necessários à sociedade.

Tendo como princípios a preservação e a função social da empresa, a proteção dos trabalhadores, e o interesse dos credores, o processo de recuperação judicial objetiva, à exaustão, a regeneração da empresa em crise, deixando em segundo plano o aspecto da insolvência, de natureza falimentar.

O próprio artigo 47 da LRE assegura como objetivos da recuperação judicial “a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Neste contexto, nota-se a importância da especialização das câmaras e varas na Justiça Estadual. Isso porque a Lei de Recuperação de Empresas possui caráter notadamente social, exigindo também uma nova mentalidade de juízes, advogados e operadores do direito em geral, além de credores e devedores.

No Brasil, ao longo de seu desenvolvimento, não se cuidou de criar órgãos especializados do Judiciário. O juiz era competente para todas as questões, como acontece ainda hoje nas Comarcas de população reduzida: existe um juiz único para uma ou mais de uma cidade ou Comarca, competente para toda a matéria, inclusive a trabalhista.

Sobre falência e recuperação de empresas, o Judiciário, a princípio, organizou-se mais efetivamente nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e, especialmente, no estado de São Paulo. Neste, a criação da câmara e varas especializadas no assunto aconteceu em 2005, por meio da Resolução do TJ-SP 200, o que resultou em duas varas e uma única Câmara Especial no Tribunal de Justiça para todo o estado, que passaram a receber processos que antes eram distribuídos entre aproximadamente 40 varas cíveis. A experiência, que seguiu a tendência mundial, foi considerada pioneira por criar um microssistema atento ao grande número de feitos, à forma processual específica, à padronização das decisões repetitivas, além da interdisciplinaridade das matérias.

A especialização temática tem como intuito evitar a dispersão jurisprudencial. Note-se que a jurisprudência, interpretação consistente e uniforme da lei pelos tribunais, é formada com base em precedentes, casos individuais que interagem com outros julgados idênticos ou análogos.

Além disso, a especialização de varas e câmaras também é vantajosa no processamento das demandas, já que os serventuários se familiarizam com a rotina dos atos judicias, obtendo maior rendimento, o que também confere celeridade ao acesso dos julgados às instâncias superiores.

Ademais, a criação de varas especializadas traz uma justiça melhor e mais rápida para os envolvidos no cenário da empresa em crise: não se prestam à cobrança de créditos ou procrastinação de débitos, mas compõem, de fato, uma solução participativa da crise de empresários e sociedades empresárias em dificuldades, empregados e terceiros, segundo o direito e a justiça. A colaboração destas unidades judiciárias vem de juízes e profissionais com equidistância entre os interesses e o litígio. Também é fundamental que os juízes e promotores alocados nestas varas estejam preparados para uma função tão importante para a economia do país.

Como uma célula social influente sobre a cadeia produtiva nacional, é inaceitável que em uma situação de crise, a burocracia determine morte da empresa. É o que se vê nos processos de recuperação judicial em que o juízo universal é corriqueiramente menosprezado pelas justiças do trabalho e/ou tributária.

No entanto, ainda há muito a ser feito. É pertinente destacar que as varas especializadas da cidade de São Paulo, únicas do estado, não contam com o suporte técnico de contadores oficiais, profissionais que deveriam auxiliar o juiz por estarem aptos a verificar a viabilidade da recuperação do devedor, deixando clara a situação patrimonial aos credores, além de conferir maior credibilidade ao plano de recuperação.

Isso porque a lei prevê uma atuação decisiva do magistrado e, para isso, ele deve estar bem assessorado. Verificar a viabilidade da empresa e garantir o interesse coletivo é uma tarefa multidisciplinar. O conhecimento das mais diversas áreas deve, ainda, estar aliado à celeridade e à efetividade, o que apenas se consegue com menos formalismo na superação dos impasses que certamente surgirão durante o procedimento.

Para finalizar, um adendo: pela Resolução do TJ-SP 709/2015, as 1ª e 2ª varas especializadas em falência e recuperação de empresas de São Paulo (teoricamente são três varas, mas apenas duas estão instaladas efetivamente) ainda ganharam uma nova competência: a atuação em conflitos decorrentes da Lei de Arbitragem, e passam agora a ser chamadas de Varas de Falências, Recuperações Judicias da Comarca de São Paulo e Conflitos relacionados à Arbitragem. A proposta compunha a Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça para 2015, alcançada em 26 estados brasileiros.

O crescimento da demanda, portanto, evidenciado tanto pelo número de pedidos de recuperação, como também pelo acréscimo de uma nova especialidade à sua competência, nos remete a outra reflexão, que terá seus contornos mais bem definidos somente a partir deste ano que se inicia: a necessidade, e não apenas a importância, de criação de mais varas especializadas no assunto, a fim de garantir a melhor aplicação do direito e maior celeridade nos processos enfrentados por sociedades em crise. E não apenas na capital, mas também nas Comarcas do interior, especialmente no estado de São Paulo.

 

 

Autora: Isis Magri Teixeira é advogada do Dosso Advogados.


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