Veja no que deu a caixa-preta do Judiciário

por Maurício Corrêa

Ninguém deseja que o país se despenque desfiladeiro abaixo, nem tampouco que toda essa tempestade que desabou sobre o Palácio do Planalto e deixou perplexa a nação desemboque em instabilidade institucional. Muito menos que degenere num quadro mais azedo que possa conduzir ao impeachment do chefe da nação. O povo brasileiro não merece mais esse solavanco.

Fui, quem sabe, um dos primeiros a falar sobre a fragilidade do governo do PT e particularmente do presidente da República, quando, ainda como presidente do Supremo Tribunal Federal, concedi entrevista à revista Veja, em sua edição 1.818, de 3 de setembro de 2003, em que alertei sobre o despreparo e vulnerabilidade dos que haviam se instalado no comando maior do país. Recebi aplausos do Brasil inteiro, mas também críticas de vários setores, inclusive de pesados ataques de boa parte da mídia. Em seguida, os fatos provaram que eu estava certo.

Embora já conhecesse o presidente como colega na Constituinte de 88, sem, contudo, privar de uma relação mais próxima, foi durante o período em que exerci a presidência do STF que melhor pude avaliar algo de seu caráter e personalidade. Já na minha posse a que compareceu, o que de praxe sucede com freqüência em atos semelhantes naquela Corte, com a presença de presidentes da República, seus trejeitos, meneios e contrações faciais não negavam a discordância do discurso que então pronunciava. Sucessivos episódios que se seguiram puseram à mostra tudo o que pude intuir desses contornos que nele pressentia existir e que me levaram a supor não preencher as indispensáveis condições para o exercício da mais alta magistratura nacional.

O Brasil se regozijou, nas últimas eleições, com a vitória do líder sindicalista do ABC paulista que se elegeu presidente da República. Afinal, um operário chegar ao topo da hierarquia da vida política brasileira realmente é algo inusitado num país como o nosso, comandado tradicionalmente por conservadores e carente de lideranças superiores autenticamente populares. Apesar de haver demonstrado durante todo o período de atuação sindical, ao longo das campanhas eleitorais do passado e agora, já na Presidência da República, grande verve na comunicação com o povo, pouco a pouco foi exibindo seu lado negativo de manifesta ojeriza e preguiça no desempenho do dia-a-dia da atividade administrativa.

Além dessa carência, a cultura desenvolvida na pregação petista, que guarda no fundo indissociável disposição a posturas autoritárias e auto-suficientes, subsumiu no residente achar-se dono exclusivo do melhor para o Brasil. Nada mais errático. Ninguém é dono sozinho de obras que dependem de muitos. O equívoco inspirado na prepotência acabou por projetar o imaculado PT nos braços de alianças com partidos e pessoas de outras crenças ideológicas e comportamentais que outrora jamais admitiu pudesse agregar-se à pureza de seu sangue. Deu no que deu. Até o próprio tesoureiro do partido é hoje denunciado como agente encarregado da compra de votos na Câmara dos Deputados e outras coisas mais. Enfim, está provado que o santo também é pecador, como pecadores são todos, pelo menos, do pecado original.

Para tentar livrar-se dos efeitos da explosão da bomba no meio parlamentar e palaciano, põe-se o presidente em ação para expelir agentes da administração contra os quais pesam sérias suspeitas. Teria ele combustível para prosseguir? Afastar, por exemplo, seu ministro da Previdência e o presidente do Banco Central, que respondem a inquéritos em trâmites no Supremo Tribunal Federal? Pago para ver. É uma meia-sola o que se propõe fazer, com o que se busca ultrapassar os efeitos da tormenta.

Ótimo que tenhamos um torneiro-mecânico na Presidência da República. Seria ele, entretanto, capaz de conjurar a crise? Penso que não. As causas maiores de todo o episódio estão no próprio presidente da República. Falta-lhe, senão mais preparo escolar, pelo menos alguma experiência na arte de administrar a coisa pública. Nesse mister não provou até agora a menor eficiência.

Para exercer a Presidência da República exige-se, no mínimo, ser um estadista ou parecer ser um. Veja se alguém com tal envergadura provocaria um outro poder com a assacadilha de que seria preciso “abrir a caixa-preta” do Poder Judiciário. Para averiguar o quê? Morosidade no julgamento de processos? Preguiça de juiz? Perseguição? Assassinato? Roubo?

Se estivesse preparado para a missão de governar, hoje não estaria a engolir as próprias palavras, sujeito à indigestão com a roubalheira que se propaga ao seu redor, como está a ocorrer nos Correios, no IRB, no Ibama… Além da lamentável compra de votos de parlamentares pelo tesoureiro do PT. Seguramente isso não é a caixa-preta do Judiciário!

*Artigo publicado no jornal Correio Brasiliense

Revista Consultor Jurídico

Sobre o autor
Maurício Corrêa: é advogado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal

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