Autor: Ricson Moreira Coelho da Silva (*)
Há dois problemas que precisamos sublinhar sobre a relação fisco contribuinte, que tem interferido, diuturnamente, no dia a dia daqueles que lidam com a seara tributária.
O primeiro e maior deles diz respeito à impossibilidade, haja vista o contido no artigo 170-A do Código Tributário Nacional e o previsto no artigo 74 da Lei 9.430/96, de se compensar crédito reconhecido judicialmente, porém não transitado em julgado.
É que, embora em algumas dessas oportunidades, o tema já tenha sido objeto de recurso repetitivo, fixando tese a favor do contribuinte e não guarde repercussão geral ou ofensa direta à Constituição Federal, como no caso da discussão pertinente ao aviso prévio indenizado, haja vista o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, traduzido na nota de dispensa de recurso 485/2016, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ainda assim, acaso não haja trânsito em julgado, o contribuinte detentor de uma medida liminar está proibido de compensar tal montante.
Nesse sentido, observa-se no que se refere aos processos em andamento, o destaque para a questão pertinente “a volta dos que nunca foram”. Com efeito, afinal, se como dito acima, não se pode compensar um crédito liminar reconhecido por decisão judicial antes do trânsito em julgado, uma liminar cassada durante o transcorrer do processo, efeito nulo teria, pois, a princípio não cabe modulação de efeitos de decisão endoprocessual.
Contudo, já assistimos a tal espécie (modulação) em recente julgamento do Ministro Napoleão Maia do Superior Tribunal de Justiça, o qual, em questão versando sobre abono de permanência, modulou a decisão final de processo judicial, concedendo ultratividade processual à decisão liminar que reconhecia a inexigibilidade da cobrança em destaque [1].
O segundo deles diz respeito à constante insegurança jurídica decorrente da mudança jurisprudencial de entendimentos sobre questão de incidência e não incidência e sua influência sobre processos já julgados ou em julgamento. É que apesar de difícil controle e às vezes até bem-quista por alguns setores, a constante vacilação da jurisprudência sobre questões de incidência e não incidência tributária causa prejuízo enorme na relação que se propõe discutir, notadamente quando se pensa sobre o ponto de vista da segurança jurídica.
Ora, nesse contexto, como agir?
Se a empresa nada faz, ela pode aguardar que uma decisão judicial tomada em sede de repetitivo ou de repercussão geral reconheça a ilegalidade ou inconstitucionalidade de uma exação tributária e a partir daí, ao vincular a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ela não tenha mais contra si auto de infração e/ou execução fiscal ajuizada contra si.
Contudo, questiona-se, por quanto tempo haverá de esperar?
Daí que a medida mais racional é ajuizar ações que demonstrem a ilegalidade e inconstitucionalidade de certas cobranças, afinal os efeitos prospectivos não lhe satisfazem por inteiro.
Nesse ínterim há de correr o risco, veja-se, que se afirma “o risco” de uma decisão liminar initio litis que lhe garanta o direito de se furtar à cobrança. Mas que cobrança? Apenas a derivada de auto de infração? Ou as execuções fiscais ajuizadas em razão de dita exação?
No que concerne aos autos de infração será razoável que o auditor lance o tributo, porém que em seguida o declare suspenso, já no diz respeito à execução, se valerá a Procuradoria de menção à jurisprudência que impede a discussão de formação do título em razão de causa que é posterior à inscrição.
Contudo, voltemos à situação na qual o contribuinte alcança provimento provisório e suspende a exigibilidade do tributo. Nesse caso, o crédito não é extinto enquanto não houver o trânsito em julgado, o que o impede de compensar tais valores. De outro lado, a jurisprudência pode mudar e a decisão pode ser cassada, nesse caso, pululam questionamentos sobre a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão, tal qual acima destacado.
Assim, se a modulação vale para decisões passadas em julgado, por que não igualmente valeria para decisões provisórias com ar de definitiva, que se alongam anos a fio no tempo? Apenas por não haver transitado em julgado? Por não ter ato declaratório de dispensa a respeito? Por que o judiciário pode vacilar sua jurisprudência em detrimento da segurança jurídica e cujo risco deve ser assumido inteiramente pelo contribuinte?
É que, o contribuinte nesse contexto de litigância de massa, normalmente cede ao modismo e embarga na justa expectativa de conseguir provimento que o livre do pagamento de dita exação. E não sem razão, pois muitas das vezes o faz amparado por decisões do próprio Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Todavia, em seguida, por circunstâncias próprias do sistema judicial, a decisão é reformada. Isso sem falar na hipótese na qual essa reforma decorre de alteração judicial a incidir sobre decisão judicial passada em julgado, o que acaba por ensejar ação rescisória nos termos do artigo 492, ou em última instância a própria não homologação de pedido de compensação que já pendia de análise há alguns anos, embasada em decisão transitada em julgado, cujo entendimento foi alterado alguns anos depois em período anterior aos cinco anos previstos para homologação por parte da fazenda.
Pois bem, será que essa discussão de fato se eternizará nos tribunais? Precisamos de uma mudança legislativa para encarar esses problemas? Eis as cenas dos próximos capítulos jurisdicionais. Capítulos estes, que a se pensar em uma relação mais equilibrada, terão que enfrentar a questão sobressalente à presente discussão, a saber, até que ponto uma decisão judicial poderá, ainda que não definitiva, influenciar pedidos de compensação e execuções fiscais em trâmite?
Autor: Ricson Moreira Coelho da Silva é mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP, especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP e em Administração Pública pela FGV. Graduado em Direito pela UFPE, professor da Unieuro-DF e da ESAF e procurador da Fazenda Nacional, com atuação nos tribunais superiores em Brasília.