Nos termos do art. 17 da Lei das Contravenções Penais, a ação penal, pela prática das infrações que define, é pública incondicionada. De modo que, aplicando-se essa regra, é incondicionada a ação penal por contravenção de vias de fato. Ocorre, contudo, que o crime de lesão corporal leve dolosa, em razão do art. 88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95), passou a ser de ação penal pública condicionada à representação. Diante disso, formaram-se duas correntes:
1.ª) a ação penal por contravenção de vias de fato é condicionada à representação, como se dá com a lesão corporal leve dolosa. Nesse sentido: Ronaldo Batista Pinto, “A Lei n. 9.099/95 e a contravenção de vias de fato”, Boletim do IBCCrim, São Paulo, ago.1996, 44/3; Ronaldo Frigini, “Vias de fato e representação”, RT, 745/450; TACrimSP, RECrim n. 1.149.707, 4.ª Câm., Rel. Juiz Devienne Ferraz, Revista de Julgados do TACrimSP, São Paulo, Fiuza Editores, out./dez.1999, 44/411; TACrimSP, Acrim n. 1.052.645, 5.ª Câm., Rel. Juiz Feiez Gattaz, j. 28.7.1997, RT, 746/617; TACrimSP, RECrim n. 1.137.067, 6.ª Câm., Rel. Juiz Almeida Braga, RT, 767/607; TACrimSP, RECrim n. 1.149.705, 3.ª Câm., Rel. Juiz Poças Leitão, RT, 772/602 e Revista de Julgados do TACrimSP, São Paulo, Fiuza Editores, out./dez.1999, 44/393;
2.ª) a ação penal por contravenção de vias de fato continua pública incondicionada. Nesse sentido: Ada Pellegrini Grinover et al., Juizados Especiais Criminais – Comentários à Lei 9.099, de 26.09.95, São Paulo, RT, 1996, p. 180; TACrimSP, ACrim n. 1.074.733, RT, 749/694; TACrimSP, RECrim n. 1.116.133, 2.ª Câm., Rel. Juiz Érix Ferreira, RT, 761/634.
A 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC n. 80.616, Rel. o Ministro Sepúlveda Pertence, j. 20.3.2001, por v. u., decidiu que a ação penal por vias de fato continua sendo de natureza pública incondicionada, permanecendo eficaz o art. 17 da LCP e inaplicável o art. 88 da Lei n. 9.099/95 (Informativo STF, 19-23.3.2001, n. 221, p. 2).
Para nós, se a infração mais grave (lesão corporal leve dolosa) é de ação penal pública condicionada, não se compreende como possa a contravenção de vias de fato, menos grave, prosseguir sendo de ação penal pública incondicionada, atentando ambas contra o mesmo bem jurídico. Por isso, entendemos que o procedimento criminal por vias de fato, aplicando-se a analogia in bonam partem, depende de representação da vítima.
A distinção entre lesão corporal e vias de fato, sob o aspecto objetivo, faz-se pela presença ou não da efetiva lesão jurídica ao bem protegido (incolumidade física individual). Existindo dano à integridade corporal ou à saúde da vítima há lesão corporal (CP, art. 129), desde que o sujeito tenha agido com animus laedendi. Se realiza a conduta com dolo de dano, pratica lesão corporal tentada ou consumada. Se, contudo, emprega empurrões, socos etc., sem a ferir e sem dolo de dano, há vias de fato. Nesse sentido: RT, 664/316 e 317.
Suponha-se que o sujeito agrida a vítima mediante socos (RT, 664/316) ou pontapés (RT, 451/4660). Para ele, adotada a segunda corrente, é preferível: 1.º) que tenha causado ferimentos; 2.º) que venha a confessar ter desejado causar lesão corporal. Se houve lesões e agiu com dolo de dano, trata-se de crime de ação penal pública condicionada à representação da vítima. Se o agredido não sofreu ferimentos e o autor não realizou o ataque físico com dolo de dano, cuida-se de contravenção de vias de fato, de ação penal pública incondicionada. Na primeira hipótese, pende em favor do agressor a possibilidade de o ofendido não exercer o direito de representação; na segunda, a autoridade da persecução penal deve agir de ofício. É um convite ao adágio: “bata, mas deixe marca”.
* Damásio E. de Jesus
Presidente e Professor do COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS