Sergio Abinagem Serrano
PROMOTOR DE JUSTIÇA EM GOIÁS;
ESPECIALISTA EM DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL E CRIMINOLOGIA; MEMBRO DA BANCA EXAMINADORA DE CONCURSO PARA INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
I – A 2ª GUERRA MUNDIAL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PARA A VITIMOLOGIA
O HORROR NAZISTA E A VITIMOLOGIA
” ‘Nenhum povo sobre a Terra possui um só palmo do seu território por graça de uma vontade divina ou de um direito divino. As fronteiras dos Estados são criadas pelos homens e eles próprios as modificam…Do mesmo modo que os nossos antepassados não receberam como uma dádiva do céu o solo sobre o qual vivemos, tendo-o conquistado com o risco das suas vidas, também não será por graciosa dádiva que o nosso povo obterá no futuro o solo – e com ele a segurança da subsistência -, mas sim unicamente por obra de uma espada vitoriosa.’ A citação corresponde ao Mein Kampf.
Já em 1924 Hitler proclamava o direito da Alemanha à conquista e anexação de territórios alheios. Esperava encarnar aquela espada vitoriosa que consolidaria no mundo a quimérica supremacia da raça ariana, à qual prometida mil anos de paz.
Em estritas razões de consangüinidade se inspiraram as primeiras ações da expansão hitleriana. Estava escrito no Mein Kampf que a Áustria passaria a pertencer ao Reich: ‘a Áustria germânica deve voltar ao acervo comum da pátria alemã’. A anexação produziu-se em 13 de março de 1938, horas depois de o exército alemão, sem encontrar resistência, ter invadido o país. Em setembro de 1938, por razões de consangüinidade irredenta, a Europa julgava encontrar-se à beira da guerra. Hitler reclamava à Tcheco-Eslováquia o território dos Sudetos. E ninguém na Europa queria morrer pela integridade do território atribuído ao Governo theco-eslovaco. A França e a Grã-Bretanha, suas aliadas, haviam pressionado o primeiro-ministro Benes para que aceitasse a entrega do território e, à revelia dos thecos, Daladier e Chamberlain negociaram com Hitler em Munique, nos dias 29 e 30 de setembro, com Mussolini como testemunha e como mediador, a transferência para a Alemanha da terra sudeta. Sem disparar um tiro, Hitler anexara um território de 41.000 km2. Daladier e Chamberlain estavam convencidos de haver salvo a paz…”
Todos sabemos que não salvaram a paz. Ao contrário, uma desastrosa demonstração de medo e incapacidade de enfrentamento, encorajando o maior ditador do século XX, a colocar em prática suas idéias expansionistas, com brutal ódio racial que acompanhava suas forças, onde a impiedade era considerada honrosa.
O resultado de 55 milhões de mortos, 35 milhões de feridos e 3 milhões de desaparecidos, chocou o mundo e destruiu uma cultura de nacionalismo extremado, o expansionismo do capitalismo pela força dos mercados nacionais e isto influenciou o Direito Penal na Europa.
A QUEDA DO DIREITO PENAL CLÁSSICO NA EUROPA.
O Direito Penal ainda clássico em diversos países, não suportaria nas nações que viram-se destruídas pela Guerra, sua continuidade.
Um Direito Penal mais dinâmico, que protegesse as vítimas e as estudassem, que não fosse apenas um defensor da norma jurídica, mas de bens jurídicos de fato relevantes, vibraria nas fibras dos juristas e operadores do Direito.
Afinal, os crimes agora eram praticados em massa, crimes mesmo contra a humanidade, como o genocídio dos judeus, dos ciganos, etc.
Governos que não fossem eleitos democraticamente, não teriam legitimidade para impor o futuro de seus povos oprimidos.
Os crimes da era Stalinista igualmente foram denunciados anos mais tarde, após o final da 2ª Guerra Mundial e da morte do ditador. Stálin foi denunciado por seus camaradas, como se fosse o único culpado, eximindo-se seus colaboradores de qualquer culpa, como se não soubessem, não tivessem colaborado e incentivado tais práticas e sobretudo silenciado a respeito por vários anos.
Desta forma, as democracias ocidentais da Europa, buscam garantir a liberdade individual do cidadão, o respeito à dignidade da pessoa humana, concedendo amparo social, com a diminuição da jornada de trabalho. Tais conquistas advieram não através da formal-democracia, mas da democracia-real, de um verdadeiro pacto entre as classes dominantes e os proletários que já recebem as notícias, via rádio, dos massacres ocorridos no Camboja e igualmente da reabilitação de milhares de pessoas presas e mortas na URSS(cujo país realiza reforma em seu Código Penal, amenizando o rigor das leis criminais) e no leste europeu. Cidadãos que foram heróis durante a revolução bolchevique e na Guerra Civil que eclodiu posteriormente, pessoas que lutaram na resistência contra os nazistas na Europa Oriental ocupada, haviam sido mortas, deportadas, exiladas e internadas em hospitais psiquiátricos como “inimigos do povo”.
O trabalhador europeu ocidental confia nas empresas nacionais que buscam garantir o seu bem-estar social e começa a ascensão social, com capacidade de consumo e acesso à educação e saúde pública gratuita e de boa qualidade, contrapondo as conquistas sociais dos operários do leste europeu.
O Direito Penal Mínimo inicia a fase de não intervir na vida do cidadão, a não ser que seja socialmente relevante fazê-lo, com a conseqüência de que as condutas a serem criminalizadas, devem ser aquelas que mais causem danos sociais.
É o reflexo do horror nazista que veio nortear a nova consciência garantista, cujos ventos chegaram ao Brasil, mas já quando este mergulha na globalização, o que é natural, pois em nosso território, as dores da Guerra não foram sentidas.
Um dos reflexos positivos do final da 2ª Guerra Mundial foi a volta da importância da vítima, do estudo de seu comportamento e classificação.
Vítima que estava esquecida desde os tempos da vingança privada, onde ela era o centro das atenções, com direito de realizar justiça com as próprias mãos e ir além, vingar-se, mesmo que por causas que são hoje consideradas insignificantes.
A vítima na antigüidade possuía o Direito de “Auto Tutela” que é a vingança privada.
Contudo, após a revolução francesa, a vítima é esquecida.
Com a evolução social e notoriamente com os massacres perpetuados na 2ª Guerra Mundial e especialmente o holocausto judeu, voltou-se à preocupar-se com a vitimologia.
Antes, Carrara já afirmara que o Direito Penal era o Direito dos Criminosos, pois a vítima estava relegada ao segundo plano.
Procura-se então aplicar-se a multa reparatória, ou seja, o autor paga a multa não ao Estado(fundo penitenciário), mas sim à vítima.
CONTRIBUIÇÃO À VITIMOLOGIA NO BRASIL.
A grande contribuição vitimológica foi a criação da “Delegacia da Mulher”, que foi uma criação brasileira que entusiasmou os holandeses.
Nas grandes cidades – metrópoles – estão sendo estudadas as criações de CIC(“Centro Integração de Cidadania”), diante das grandes distâncias entre bairros pobres e periféricos dos fóruns.
O CIC de São Paulo possui: Promotor de Justiça, Poder Judiciário, Procuradoria de Assistência Judiciária, Posto Médico(médico, assistente social, psicólogo) e polícia(civil e militar).
II – CLASSIFICAÇÃO DAS VÍTIMAS.
Podemos classificar as vítimas em:
– Primária(ou inocente), que subdivide-se em:
a) fungível – vítima que não desempenha qualquer papel para que o crime ocorra;
b) acidental – vítimas que estão em local de crime. Ex: cliente de banco que ali se encontra na hora do assalto; o motorista do chefe de Poder que sofre o atentado.
– Participante ou infungível(quase-inocente): é a vítima que facilita a ocorrência do delito ou a provoca; são vítimas descuidadas(que deixam o carro aberto ou esquecem de guardá-lo na garagem, etc.). São subdivididas em:
a) voluntárias – são aquelas que têm um papel participativo e que aquiesce ao delito(eutanásia, suicida);
b) alternativa – é aquela que deliberadamente se coloca em posição de vítimas – no passado o duelo; hoje as brigas de gangues;
c) familiar – mulheres e crianças que sofrem violência, via de regra, por homens, sendo a maior cifra negra da criminalidade. Estes delitos, ao contrário do que as pessoas pensam são cometidos em sua maioria pela classe média e alta;
d) vítimas vulneráveis: mulheres, homossexuais, crianças, velhos, minorias(prostitutas), profissões(caixas de banco, motoristas de táxi, policiais, bombeiros, etc.), turistas estrangeiros;
e) vitimização simbólica: política e religiosa;
f) falsas vítimas: motivos econômicos, psicológicos. Aquela que se crê vítima, ou inventa o delito praticado;
– Vítima terciária: o delinqüente ou possível autor de um fato, submetido a tortura policial(Ex: o caso do bar “Bodega” em São Paulo);
– Vítimas testemunhais: testemunhas que sofrem ameaças e sevícias(até mesmo por policiais – Exemplo: bar “Bodega” – São Paulo, capital);
– Vitimização pós penitenciária: é a exclusão social dos egressos do sistema penitenciário.
III – A 2ª GUERRA MUNDIAL E O GARANTISMO
Jean Lacouture(09-06-21), licenciado em Letras e em Direito e diplomado pela Ecole Libre des Sciences Politiques. Estes estudos proporcionaram-lhe uma excelente preparação para uma carreira inteiramente consagrada ao jornalismo político.
Após ter trabalhado como adido de imprensa no Estado-Maior do general Leclerc na Indochina(1945) e na sede do protetorado da França em Marrocos(1947-49), é redator de temas diplomáticos em Combat(1950-51) e posteriormente em Le Monde(1951-53). De 1954 a 1956 é correspondente do France-Soir no Egito, antes de ascender ao lugar de chefe do serviço do ultramar e de passar a primeiro correspondente do Le Monde em 1957.
Este cientista político ao conceder entrevista a Pierre Kister, foi questionado dentre várias perguntas a que agora destacamos:
“Parece-lhe ter sido justificado o lançamento da bomba atômica para acabar com a Segunda Guerra Mundial?”
“Sou dos que levantam muitas perguntas sobre o recurso às bombas atômicas e creio que, seja de que ângulo for, o lançamento da segunda bomba atômica sobre o Japão constituiu um autêntico escândalo. Se a primeira, dado o seu efeito aterrorizante, podia ter como objetivo desalentar os japoneses e evitar aos Estados Unidos uma lenta reconquista e o meio milhão de homens que esta porventura lhes viesse a custar, a segunda teve um caráter de experiência científica à custa de cem mil vidas. Não acredito que a bomba atômica se justifique. Em Hiroxima começou para a história da humanidade uma era que não é, positivamente, das mais felizes. Além disso, embora os dirigentes japoneses tenham sido quase tão culpados como Hitler, a escolha do Japão para o lançamento da bomba atômica afigura-se-me como uma ação de caráter racista; creio que, inclusivamente, em circunstâncias similares às que se verificaram no Japão, os norte-americanos não se teriam atrevido a lançá-la sobre uma cidade alemã. Na minha opinião a bomba lançada sobre Hiroxima constitui talvez o fator mais importante do fim da guerra, caso deixemos de lado a revolução chinesa. A bomba atômica abriu caminho a uma era nuclear da qual ainda não conhecemos senão os seus aspectos militares e negativos, mas que possivelmente virá a ser no século XXI um instrumento ao serviço de uma civilização mais avançada.”
CONCLUSÃO
Em que pese os vencedores não serem julgados, os tribunais de Nuremberg e o de Tóquio, serviram para dar importância não somente à vitimologia, como serviu para modificar os pensamentos dos juristas, rumo ao Direito Penal Garantista, das condutas socialmente relevantes, com a mínima intervenção do Estado na vida do cidadão, o respeito às garantias individuais, à vida, liberdade e igualdade perante a lei, a presunção de inocência, a ampla defesa e o contraditório.