Voto em lista fechada é mecanismo em prol de caciques políticos

Autor: Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral (*)

 

A reforma política continua a ocupar considerável espaço na agenda nacional. Vivemos um momento de crise que depende de inúmeras reformas. Sob a perspectiva econômica, as reformas previdenciária, trabalhista e tributária têm inegável destaque. No que tange à representatividade política, com claro reflexo na medida da legitimidade dos eleitos, a reforma política é o principal fator.

Não são poucas as necessidades relativas a esta última. Temos inúmeros tópicos que devem estar presentes. Dentre eles, dois são determinantes: a criação de instrumentos efetivos para restringir o excessivo número de partidos políticos no Brasil e a discussão sobre sistemas eleitorais, especialmente quanto ao chamado voto em lista fechada, já que tem sido defendido por boa parcela dos políticos.

Tratar da reforma política não é tarefa simples. Países com altos índices de “cidadania ativa” — entendida como efetiva participação política — apresentam dificuldade no que tange à compreensão dos sistemas eleitorais. O Brasil, infelizmente, não conta com alto índice de “cidadania ativa”, nem mesmo de instrução básica.

Esse contexto torna bastante complexa a tarefa de ampliar o debate a ponto de o público em geral entender e participar dos destinos da política, sobretudo quanto a essas definições. Políticos tentam sensibilizar eleitores através de discursos que focam o populismo em detrimento da técnica. O debate acaba sendo uma guerra rasa de narrativas que pouco serve ao esclarecimento dos eleitores.

Um dos problemas atrelados à reflexão sobre o voto em lista fechada diz respeito ao fato de tal reflexão se dar sem o devido respeito àquilo que existe no Brasil. O voto em lista fechada para composição do Parlamento existe em diversos países pelo mundo. Países com alto grau de politização o adotam. Qual seria o problema de adotá-lo no Brasil?

A lista fechada entrega aos partidos políticos a definição daqueles que serão contemplados com mandatos eletivos. Cabe ao eleitor apenas escolher o partido no qual votará. Teoricamente, esse seria um “voto ideológico”, balizado pela plataforma partidária. Contudo, sabemos que não é essa a lógica predominante em nosso país. Infelizmente, partidos políticos no Brasil são pouco ou quase nada ideológicos. Na verdade, o recurso ao voto em lista fechada é mecanismo em prol dos caciques da política brasileira. Tal expediente implicará, entre outros fatores, maior dificuldade para renovação dos quadros políticos no Brasil.

Por que os caciques gostam da ideia do voto em lista fechada? Porque controlam seus partidos tal como feudos e têm absoluta convicção de que conseguirão, sem maiores dificuldades, manter seus apaniguados como os “cabeças” dentre aqueles que farão jus a cadeiras no Poder Legislativo. Além disso, afastando-se a escolha direta e pessoal de parlamentares pelos eleitores, aqueles que estão submergindo em escândalos prosseguiriam como prováveis mandatários.

Todo esse quadro desaconselha a adoção do voto em lista fechada, na medida em que não se verifica efetiva democracia interna nos partidos políticos brasileiros. A maior parte das siglas têm donos. Os “coronéis” seguem como uma realidade pátria, ainda que não se restrinjam a ambientes rurais. Enquanto isso não se alterar, conferir poderes para que os partidos nomeiem “os escolhidos” representará a perpetuação da esbórnia instalada no Parlamento. Alguém acredita mesmo que um político que não faça parte das “panelinhas” dos caciques partidários conseguirá figurar com alguma chance efetiva em lista fechada? É evidente que a democracia e o interesse público não estão no centro das preocupações daqueles que defendem esse sistema.

 

 

 

 

 

 

Autor: Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral  é advogado, professor da Faculdade de Direito do Instituto de Direito Público de São Paulo, da Fundação Armando Álvares Penteado e da Universidade Paulista.


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