Ação cautelar incidental movida por fiador de locação negativado indevidamente no SPC

Valdeli Silva de Paula
Advogado cível e trabalhista.
Endereço profissional: Rua 10, nº 93, Ed. Juris Center, Setor Oeste, Goiânia-GO

EXMO. SR. DR. JUIZ DA __ VARA CÍVEL DA COMARCA DE ……………..

Ação de Despejo n.º ………………..
Autor: ………………
Réu: ……………

…..(nome)……, divorciado, eletricista, portador da CI ………….., residente e domiciliado à Rua 1, Q. 1, Lt. 1, Vila Coimbra, nesta Capital, por intermédio de seu advogado que esta subscreve, com escritório profissional à Rua 1, n.º 1, Vila Froes, nesta Capital, onde receberá as comunicações de estilo, vem propor incidentalmente AÇÃO CAUTELAR INOMINADA em desfavor de ………….., divorciado, ………………., portador da CI ……………, residente e domiciliado nesta Capital, fulcrado nos artigos 796 e ss. do Código de Processo Civil, 1.483 e ss. do Código Civil, 29, 42 e ss. da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), em virtude dos fatos e fundamentos à frente expostos.

I – DOS FATOS:

O peticionante, em 08 de agosto do corrente ano, foi tolhido de surpresa quando em consulta junto ao comércio local verificara a existência de uma inscrição negativada em seu nome (doc.____), fato que lhe impediu de obter a concessão de crédito que pretendia. A mencionada inscrição originou-se de um hipotético débito, que remontaria de um contrato locatício pactuado de 16/11/85 a 15/11/86, do qual fora fiador (fl. Xxx dos autos principais). Ao procurar mais informações junto pessoa que promoveu a inscrição negativa, tamanha lhe foi a estupefação em saber que havia sido ajuizada ação de despejo na data de 12/12/93 em desfavor do locatário e fiadores constantes do contrato que imaginava extinto. A espécie causada ao autor se avolumou em virtude de não ter ele recebido, em momento algum, qualquer notificação de que se encontrava virtualmente em débito, e que tal “débito” poderia levar à informação restritiva de crédito em seu cadastro de consumidor. Não obstante as tentativas amigáveis para solvimento da questão, permanece o autor na mesma situação penosa, razão por que ingressa com a presente cautelar.

II – DA ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA:

É pacífica tanto na doutrina quanto na jurisprudência a possibilidade de cancelamento/impedimento de inscrições restritivas em órgãos de cadastro – como o Serviço de Proteção ao Crédito – através de medida cautelar inominada.

A propósito:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. EXCLUSÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO E FALTA DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. INOCORRÊNCIA. DÉBITO EM DISCUSSÃO EM PROCESSO DE COGNIÇÃO. AÇÕES DECLARATÓRIA COMPENSATÓRIA DE DÉBITO E CAUTELAR INOMINADA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE EM FAVOR DAS PESSOAS JURÍDICAS. DIREITO MATERIAL SUPERPOSTO. AGRAVO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O interesse de agir repousa na pretensão resistida, decorrente da lesão causada ao devedor com a inclusão de seu nome nos órgãos privados de proteção ao crédito, exigindo a invocação da tutela jurisdicional, sendo adequado o provimento via ação cautelar, concretamente solicitado. […] 3. Se a dívida encontra-se submetida à discussão em juízo, não se justifica a inscrição do nome do devedor nos órgãos controladores de crédito. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp 180665-PE (98/0048839-1), DJU de 03.11.98, p. 00172. 4. A inaplicabilidade do Código do Consumidor em benefício das pessoas jurídicas não elide o direito material da devedora quanto à exclusão do registro nos órgãos privados controladores do crédito. 5. Recurso conhecido e improvido.” (TJ/AC, AI n.º 98.000872-7, Relª. Desª. Eva Evangelista, j. em 07/12/1998 – Informa Jurídico 2000, Edição 20, Vol. I).

III – DOS FUNDAMENTOS E DIREITO:

1) DA AUSÊNCIA DE MORA OU INADIMPLEMENTO:

Consoante se observa da Ação de Despejo que serviu de pretexto para a inclusão do nome do autor no SPC, o requerente sequer fora citado/notificado para pagamento do suposto débito. Não se pode falar, portanto, em impontualidade ou em mora do autor que justificasse a inclusão do seu nome no SPC àquela época, uma vez que nem mesmo tinha ciência da dívida. Dívida que, frise-se, não chegou a seu conhecimento antes da ilícita inscrição e que se afigura de todo divorciada da sua pessoa, conforme restará cabalmente comprovado na ação principal, movida em seu desproveito.

2) DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO:

O ilícito ato do demandado encontra-se eivado de vícios, indo de confronto com a garantia constitucional de ampla defesa e contraditório (art. 5º, inc. LV). Ora, afigura-se matéria pacífica nos tribunais pátrios o permissivo de inserção do nome de suposto devedor em cadastros restritivos somente após devidamente discutida a dívida, o que não ocorreu no presente caso.

A propósito:

“PROCESSO CIVIL. DECISÃO LIMINAR. CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO NO SERASA. VALOR DA DÍVIDA EM LITÍGIO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. – Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível o deferimento de liminar para obstar a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, pendendo de decisão judicial a definição do valor da dívida.” (AGA 204150/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, publicado no DJ de , 08/03/2000) “MEDIDA CAUTELAR LIMINAR. EXCLUSÃO DO NOME DOS DEVEDORES NOS ORGANISMOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. Constitui constrangimento e ameaça vedados pela Lei 8.078/90 o registro do nome do consumidor em cadastro de proteção ao crédito, quando o montante da dívida é ainda objeto de discussão em juízo. Recurso especial não conhecido” (Resp nº 191.326, relator Ministro Barros Monteiro, DJU de 5/4/1999).

Nota-se, assim, o total descumprimento da garantia de ampla defesa e contraditório no que concerne à inscrição realizada pelo réu, mesmo porque sequer fora o autor notificado/avisado de que seu nome iria figurar no SPC se não pagasse o suposto e desconhecido débito.

3) DA INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE ACERCA DA SUPOSTA DÍVIDA LOCATÍCIA:

A responsabilidade pela suposta dívida que ensejou a reprovável inscrição, segundo entendimento do autor da Ação de Despejo, envolveria o peticionante em virtude de contrato acessório de fiança. Entretanto, o contrato de locação correspondente vigeu de 16/11/85 a 15/11/86, de igual sorte seu acessório, qual seja, a fiança. De fato. A cláusula n.º XXXXX é clara no sentido de que o pacto se extinguiria no término do respectivo prazo, independentemente de notificação. Nem se diga que a cláusula que estipula a responsabilidade do fiador até a entrega efetiva das chaves permite a cobrança de eventuais créditos posteriores ao prazo acordado. É pródiga a jurisprudência, principalmente da Colenda Corte Superior, acerca da impossibilidade de “eternização” da fiança prestada quando inexistente a anuência expressa do garante. Aliás, encontra-se, mesmo, sumulado tal entendimento (Súmula n.º 214 do Col. STJ).

Por oportuno, confira-se recente aresto, julgado em 21/03/2.000 (publicado no DJU de 10/04/2.000, p. 121), da lavra do Ex.mo. Min. Gilson Dipp (STJ, 5ª T., AGA 239207/SP):

“PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. CLÁUSULA QUE OBRIGUE O FIADOR ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. IRRELEVÂNCIA. RESPONSABILIDADE. RESTRIÇÃO AO PERÍODO ORIGINALMENTE CONTRATADO. PRORROGAÇÃO DA LOCAÇÃO SEM ANUÊNCIA DA FIADORA. EXTINÇÃO DA GARANTIA. ARTIGOS 1.003 E 1.006 DO CÓDIGO CIVIL. OFENSA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 214 DA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1 – A obrigação decorrente da fiança locatícia deve se restringir ao prazo originalmente contratado, descabendo se exigir do garantidor o adimplemento de débitos que pertinem ao período de prorrogação da locação, à qual não anuiu. Na hipótese, reputou-se extinta a fiança, por clara ofensa aos arts. 1.003 e 1.006 do Código Civil, uma vez que o contrato original teve seu termo final em 1984, e os valores exigidos datam de 1994. Esta a exegese inscrita na Súmula 214/STJ. 2 – A impossibilidade de conferir interpretação extensiva à fiança locativa, consoante pacífico entendimento desta Eg. Corte, torna irrelevante, para o efeito de se aferir o lapso temporal da obrigação afiançada, claúsula contratual que preveja a obrigação do fiador até a entrega das chaves. 3 – Agravo regimental desprovido.”

Por ser copiosa a jurisprudência quanto a este tema, o autor pede vênia para mencionar unicamente o número de outros recursos em que se decidiu no mesmo sentido: REsp 195884/ES, REsp 181212/SP, REsp 64019/SP, REsp 94053/RS, REsp75316/MG, REsp 109061/DF, REsp 108661/SP, REsp 45214/SP, REsp 1765/SP, REsp 221151/SP, REsp 204328/MG, EREsp 67601/SP, AI 281376/CE e AI 239207, entre outros. Importante destacar que a suposta dívida – que ora serve de pretexto para o cadastramento negativo – seria referente ao lapso de março a agosto/89, ou seja, mais de três anos após o encerramento da fiança prestada pelo autor.

4) DA PROTEÇÃO LEGAL:

Embora não estejamos diante de relação de consumo, aplicáveis, entretanto, alguns dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, por força de seu artigo 29, verbis: “Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.” (Destacamos). Daí não se poder permitir qualquer tipo de constrangimento ou de ameaça (artigo 42) na cobrança de supostos débitos, sendo obrigatória a comunicação por escrito ao devedor da abertura de cadastro restritivo em seu nome (artigo 43, § 2º), fatos esses que o requerido simplesmente ignorou. O constrangimento ilegal operado não padece de maiores dúvidas, vez que a inscrição do nome do autor no SPC teve única e exclusivamente a função de coagir o mesmo ao pagamento do suposto débito, que sequer fora discutido ou mesmo oportunizada sua ciência ao autor da presente medida incidental.

IV -DOS PEDIDOS:

Ex positis, com base nos documentos acostados, bem como nos constantes dos autos principais, requer:

* Recebimento e autuação desta em apenso aos autos da Ação de Despejo n.º ………….;

* Deferimento de medida liminar sem a oitiva do requerido, expedindo-se ofício à CDL para que exclua o cadastro restritivo efetivado em nome do autor;

* Citação do réu para responder aos termos desta, determinando-se, ao final, que o requerido se se abstenha de proceder a qualquer cadastro restritivo em nome do autor, referente à hipotética dívida oriunda do contrato locatício em discussão, até que sejam devidamente apuradas judicialmente a existência, responsabilidade e exigibilidade do suposto débito quanto ao autor;

* Cominação ao réu de multa pro rata die no montante de 20% (vinte por cento) sobre o valor de R$ ………… em caso de descumprimento da obrigação de não fazer requerida no tópico anterior.

Dá-se à presente o valor de R$ …………. unicamente para efeitos de alçada.

NTPD.

Local….., ….. de …… de 1998.

Fonte: Escritório Online

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