Carla Pires de Castro
Advogada em Campinas – SP
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA N. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE ….
X, vêm, respeitosamente, à presença de V.Exa., por intermédio de sua advogada in fine assinada, para propor, com fulcro no artigo 3º da Lei 6.194/74 e demais disposições aplicáveis à matéria a presente
AÇÃO DE CONDENAÇÃO EM DINHEIRO
em face de SEGUROS S/A, pessoa jurídica de direito privado, com endereço para notificações em São Paulo, SP., pelas razões de fato e de Direito a seguir articuladas:
I. DOS FATOS
São os requerentes meeira e herdeiros de Y, conforme comprovam os documentos inclusos.
É certo que Y faleceu em decorrência de acidente automobilístico ocorrido em 00/00/00, tendo os requerentes recebido da requerida a indenização de convênio do seguro obrigatório ? DPVAT – como faz prova o incluso documento.
Entretanto, e como apontado na inclusa Tabela de Discriminação de Cálculos, receberam os autores à época 10,53 (dez vírgula cinquenta e três) salários mínimos e, portanto, inferior ao valor fixado pela Lei 6.194/74, razão pela qual é proposta a presente para pleitear a diferença existente entre o valor recebido e o devido. Vejamos.
II. DA NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO
Ab initio, consignam os requerentes que não operou-se o prazo prescricional, indicando ? desde já ? que haverá de ser aplicado no caso presente o Código Civil Brasileiro de 1916, porquanto o evento que ensejou a diferença da indenização ora pleiteada ocorreu em 13 de outubro de 1.989, quando da vigência da legislação acima indicada.
Nesse sentido, o artigo 177 do Código Civil então vigente estabelecia que as ações pessoais prescrevem ordinariamente em 20 (vinte) anos, sendo esta a natureza da pretensão trazida a este N. Juizado Especial. Não é outra, inclusive, a posição jurisprudencial majoritária a qual nos reportamos:
?PRESCRICAO – SEGURO OBRIGATORIO – RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRANSITO – COBRANCA PELA BENEFICIARIA CONTRA A SEGURADORA – INOCORRENCIA DA PRESCRICAO ANUAL – APLICABILIDADE DO ART. 177 DO CC – CARENCIA AFASTADA – RECURSO PROVIDO.? (Rec Extraordinário-Rec Especia Processo: 38630 – 9 Relator : Roberto Rubens Órgão Julg.: 1ª Câmara Especial Votação)
No mesmo sentido:AC 399.812-9 – Rel. Bruno Netto – MF 458/81 (scf/lml);AC 407.303-2 – Rel. Barbosa Pereira – MF 446/100 (trm/trm);AC 419.338-6 – Rel. Araujo Cintra – MF 488/27(scf).
No caso presente, a indenização insuficiente foi quitada em 06 de fevereiro de 1990, conforme documento anexo, pelo que a presente ação é proposta tempestivamente, pelo que se requer o seu acolhimento.
III. DA COMPETÊNCIA DESTE N. JUIZADO ESPECIAL
Suscitam os requerentes sobre a competência territorial e material deste N. Juizado para conhecer a presente ação. Comprove-se.
Quanto a competência territorial a presente ação é proposta no foro do domicílio dos autores, porquanto a relação havida entre as partes é de consumo, sendo pois ineficáz a cláusula estipuladora do foro de eleição em contrato de adesão a benefício da seguradora. Nesse sentido, transcrevemos as seguintes decisões proferidas pelo E. 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo:
?COMPETÊNCIA – Foro – Seguro obrigatório – Responsabilidade civil – reparação de dano decorrente de acidente de trânsito – Prevalência do foro do domicílio do autor ou do local do fato – Art. 100, V, § único, do Código de Processo Civil – Admissibilidade – ausência de fundamento para se deslocar a competência até mesmo em face da natureza social do seguro DPVAT e a existência de relação de consumo – Recurso improvido – Exceção de incompetência rejeitada. ? Recurso : Processo : 985429 – 7 Relator : Paulo Roberto de Santana Órgão Julg.: 4ª Câmara
COMPETÊNCIA – Foro de eleição – Cobrança de seguro obrigatório – Prevalecimento do foro do domicílio do beneficiário do seguro sobre o do local onde está sediada a seguradora – Admissibilidade – Aplicação das leis de proteção à economia popular e ao hipossuficiente – Prosseguimento no local em que foi ajuizada determinado – Exceção de incompetência rejeitada – Recurso desprovido.? Recurso : Processo : 1077506 – 7 Relator: Álvaro Torres Júnior Órgão Julg.: 5ª Câmara
Quanto a competência material deste N. Juizado Especial manifestam os requerentes sua opção pelo procedimento previsto na Lei 9.099/99, destacando desde já que, conforme LEF 34, § 1º, o valor da causa para efeito do disposto no artigo 3º da referida lei, é a soma do principal, atualizado até a data da propositura da ação, mais juros de mora sobre este total. Não se computando para tal efeito honorários do advogado, por serem indevidos em primeiro grau de jurisdição in Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, Theotonio Negrão, Ed. Saraiva, 2002, nota 4 do art. 3º da Lei 9.099/95.
IV. DO DIREITO
Como suscitado anteriormente a questio debeatur pode ser sintetizada na discussão sobre a possibilidade da fixação do valor de indenização do seguro obrigatório resultar de vontade das partes, em desacordo com o estabelecido legalmente.
Para tanto, mister analisar a natureza do seguro obrigatório. De fato e como ensina Elcir Castello Branco o seguro obrigatório é uma garantia de que o Governo exige para proteger as vítimas, em razão do número crescente de eventos danosos, cf. ?Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil?, LEUD., 1976, p. 4.
Assim, os veículos no momento do licenciamento anual, ficam obrigados a recolher o valor do seguro obrigatório de responsabilidade civil. É, aliás, condição para que os veículos possam trafegar, como aponta Rui Stocco in Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, RT., p. 205.
E continua o ilustre doutrinador sobre o tema: ?É caracterizado como uma interferência do Poder Público na liberdade das pessoas, com o objetivo de proteger as vítimas de acidente, nas atividades que considerou de extremo perigo como ad exemplum , a condução de veículos automotores?.
E, por esta razão de ordem pública, que a Lei 6.194/74 regulamentou, inclusive, o valor da indenização no caso de morte, estabelecendo em seu artigo 3o, alínea ?a?:
?Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no artigo 2º (seguro obrigatório) compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementar, nos valor que se seguem, por pessoa vitimada: a) 40 (quarenta) vezes o valor do salário mínimo vigente no país ? no caso de morte? ? grifo e destaque nosso.
Com efeito, o seguro obrigatório ? ao contrário dos demais contratos desta natureza ? é regulamentado por legislação específica, sendo a indenização tarifada e insuscetível de transação. Correto, então, afirmar que as partes não podem deliberar sobre os valores especificados em lei. A rigidez da norma legal, pela especificidade do seguro em análise, tem por objetivo a proteção da parte mais fraca da relação contratual, no caso o segurado.
É de se destacar, por imperioso, que o recibo de quitação outorgado pela 1ª requerente em face da requerida foi lavrado em termos genéricos, não podendo liberar o devedor, notadamente em razão do valor indenizatório estar estabelecido por lei, como é o caso presente, como já decidiu inclusive a N. 10ª Câmara do E. 1º TACSP, nos autos da Apelação 719.238-7, cuja ementa a seguir transcrevemos:
?SEGURO OBRIGATÓRIO ? RESPONSABILIDADE CIVIL ? ACIDENTE DE TRÂNSITO ? FIXAÇÃO DO VALOR IMPOSTO POR LEI NÃO PODENDO SER OBJETO DE TRANSAÇÃO ENTRE AS PARTES ? PROTEÇÃO DO SEGURADO QUE É A PARTE MAIS FRACA NO CONTRATO ? INVALIDADE DA QUITAÇÃO POR VALOR MENOR QUE O DA INDENIZAÇÃO POR FORÇA DE TAL PRINCÍPIO ? DETERMINAÇÃO DA SENTENÇA PARA QUE A SEGURADORA PAGUE O RESTANTE DA INDENIZAÇÃO A DESPEITO DE TER OBTIDO A QUITAÇÃO ? COBRANÇA PROCEDENTE ? RECURSO IMPROVIDO.
ACÓRDÃO
SEGURO OBRIGATÓRIO POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO ? Valor fixado é imposto por lei e não pode ser objeto de transação entre as partes. Norma visa proteger o segurado que é a parte mais fraca do contrato. Quitação dada por valor menor que o da indenização não tem validade por força de tal princípio ? Correta a determinação contida na sentença que a seguradora pague o restante da indenização a despeito de ter obtido a quitação. Apelação desprovida?
E ainda:
?SEGURO OBRIGATORIO – INDENIZACAO FIXADA EM 40 SALARIOS MINIMOS, HOJE PISO NACIONAL DE SALARIOS, SEGUNDO FORMA DE CALCULO ESTABELECIDA PELA LEI 6194/74 E ART. 2o. DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL – SUPERVENIENCIA DA LEI6205/75 QUE NAO DERROGA A ANTERIOR MAS APENAS VEDA A UTILIZACAO DO SALARIO MINIMO COMO COEFICIENTE DE ATUALIZACAO MONETARIA – EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS PARA ESSE FIM.MF 446/183 SCF/SBS.? (Recurso : Processo : 39768 – 4 Relator : Augusto Marin Órgão Julg.: 6ª Câmara, 1º TACSP)
?SEGURO OBRIGATORIO – INDENIZACAO -CALCULO -FIXACAO EM 40 VEZES O MAIOR SALARIO MINIMO (PISO NACIONAL DE SALARIOS) VIGENTE A EPOCA DA LIQUIDACAO – RECURSO PROVIDO PARA ESSE FIM?( Rec Extraordinário-Rec Especial Processo : 40184 – 5 Relator : Pinheiro Franco Órgão Julg.: 6ª Câmara Votação, 1º TACSP)
E a jurisprudência no sentido ora pleiteado está inclusive Sumulada pelo E. 1º Tribunal de Alçada Civil que editou o Enunciado de n.º 37, in verbis:
SÚMULA Nº 37 – SEGURO OBRIGATÓRIO ? INDENIZAÇÃO
“Na indenização decorrente de seguro obrigatório, o artigo 3º da Lei 6.194/74 não foi revogado pelas Leis 6.205/75 e 6.423/77”. (Revogada a Súmula nº15).
(Uniformização de Jurisprudência nº 483.244-6/02 – São Paulo – Pleno – j. em 18.03.93 – Rel. Juiz Elliot Akel – votação unânime). (JTA-LEX 141/186) DJE N° 71:31, de 19.04.93
Resta claro que fazem jus os requerentes a diferença existente entre o valor recebido (10,53 salários mínimos) e o valor devido (40 salários mínimos), devidamente atualizada até o efetivo pagamento e acrescidos de juros moratórios.
V. DO REQUERIMENTO
ANTE AO EXPOSTO, é a presente para requerer a citação, via postal, da requerida para, querendo, compareça a audiência a ser designada por V.Exa. e querendo, apresente defesa, sob pena de revelia e confissão, acompanhando o feito em todos seus ulteriores atos até final decisão que haverá por declarar a procedência da ação, condenando a requerida no quanto segue:
a) pagamento da diferença existente entre o valor quitado pela ré e o determinado pela Lei n.º 6.194/74, assim considerado 29,47 (vinte e nove vírgula quarenta e sete) salários mínimos vigentes à época, devidamente corrigidos e com a incidência de juros moratórios e observada a opção dos autores quanto ao ajuizamento da presente ação;
b) custas e despesas processuais se houverem;
c) honorários de advogados fixados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação em caso da requerida recorrer da decisão de 1º Grau.
Atribuindo a causa o valor de R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais), correspondente ao valor de 40 (quarenta) salários mínimos, para efeitos fiscais e de alçada.
Termos em que,
P. Deferimento.
pp.
Carla Pires de Castro
OAB/SP 127.252
Fonte: Escritório Online