Ação de revisão de cláusulas de contrato de consórcio de automóvel

Márcio Roberto Portela
Advogado
OAB/PR 26649

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA CÍVEL DA COMARCA DE PONTA GROSSA – ESTADO DO PARANÁ.

C/ LIMINAR

XXXXXXXXXX, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob nº. __, com sede a Rua ___, Bairro ___, Ponta Grossa, PR, neste ato representada por sua sócia gerente XXXXXXXX, brasileira, casada, microempresária, portadora do RG/CI nº. XXXXXXXX, inscrita no CPF/MF sob nº. XXXXXXXXXX, residente e domiciliada a no mesmo endereço, por seu advogado abaixo assinado, com escritório profissional na Rua XXXXXXXXXX, ______, Ponta Grossa, PR, onde recebe intimações e notificações, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS PARA O EQUILÍBRIO CONTRATUAL COM CONSIGNAÇÃO INCIDENTE e PEDIDO LIMINAR

contra ________ ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS ______, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o n.º __________________, com sede na cidade de Curitiba, Estado do Paraná, sito à Rua ____________, _____, _____, pelo que a seguir expõe:

I – PRELIMINARMENTE

a) Inicialmente, cumpre registrar que tramita por este D. Juízo sob o nº. XXX/2005, ação de busca e apreensão remetida pela Comarca de Pinhais, após decisão transitada em julgado em processo de exceção de incompetência sob nº. XXX/2004, a qual declarou a incompetência absoluta da referida Comarca e declinou a competência para processamento da ação a este Juízo destinatário.

b) A referida ação foi fundamentada no mesmo Contrato de Participação em Grupo de Consórcio Destinado a Aquisição de Veículos Automotores e Demais Bens Móveis – firmado entre as partes – em que se firma a presente ação.

c) Sob esse contexto, encontrando-se em discussão o montante da quantia devida pela Autora, torna-se temerário afirmar que a mora está devidamente configurada, uma vez que, enquanto não decidida a presente ação revisional, não se poderá auferir o montante devido, e se realmente a Autora está incorrendo em mora.

d) Destarte, até que seja julgado definitivamente o pedido de revisão de cláusula contratual, não se pode reconhecer a incorrência da Autora em mora.

f) Assim, a mora do devedor somente poderá ser devidamente analisada após o julgamento do pedido revisional, devendo, pois, sobrestar a ação de busca e apreensão até que se verifique o trânsito em julgado da decisão final a ser proferida na ação revisional de cláusula contratual.

g) Sobre o tema insta transcrever o disposto pelo artigo 265, do Código de Processo Civil, in verbis:

“Art.265. Suspende-se o processo:
(omissis)
IV – quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa, ou de declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;
(omissis).”

h) Isto porque, na possibilidade de ser julgado procedente os pedidos da presente ação revisional, poderá descaracterizar a “suposta” mora da Autora, levando-se, por conseguinte, à extinção da ação de busca e apreensão, situação esta que enquadra-se perfeitamente ao dispositivo legal acima citado, devendo, pois, suspender-se o processo de busca e apreensão.

i) O posicionamento dos tribunais do país:

“AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – SUSPENSÃO – AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULA CONTRATUAL CUMULADA COM CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.
Existindo ação revisional de cláusula contratual c/c consignação em pagamento na qual se discute, justamente, o contrato motivador da ação de busca e apreensão, deve esta permanecer suspensa até final julgamento daquela, por força do artigo 265, inciso IV, letra ‘a’, do CPC. A decisão proferida enquanto pendente causa suspensiva da ação de busca e apreensão e que dependa da sentença a ser prolatada no procedimento revisional deve ser cassada, a fim de se evitar a ocorrência de decisões conflitantes. (TAMG – 4ª Ccível, Agravo de Instrumento nº 384.984-7, Rel. Juiz Paulo Cézar Dias, D.J. 18.02.2002). (destacamos)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SUSPENSÃO DO FEITO – É DEVIDA A SUSPENSÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO, COM BASE NO ART. 265, INC. IV, “A”, DO CPC, QUANDO EM TRAMITAÇÃO TAMBÉM AÇÃO REVISIONAL, SENDO QUE AMBAS TRATAM DO MESMO CONTRATO.” (TA RS – Ag.: 197083967 – 2ª Câmara Cível – Rel.: Juiz Carlos Alberto Bencke – Julg.: 07/08/1997). (destacamos)

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÕES DE BUSCA E APREENSÃO E REVISIONAL DO CONTRATO. É RAZOÁVEL PERMANEÇA O DEVEDOR NA POSSE DOS BENS ALIENADOS, DURANTE A TRAMITAÇÃO DA AÇÃO REVISIONAL POR ELE PROPOSTA, JÁ QUE INCERTA A OCORRÊNCIA DA MORA, ANTE A ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE E ABUSIVIDADE NOS ENCARGOS CONTRATUAIS. JUSTIFICÁVEL A SUSPENSÃO DA BUSCA E APREENSÃO, ATÉ FINAL DECISÃO DA CAUSA REVISIONAL CONEXA.” (TJ RS – Agi.: 598260008 – 13ª Câmara Cível – Rel.: Des. José Antônio Cidade Pitrez – Julg.: 29/10/1998) (destacamos e sublinhamos)

j) Dessa forma, visando à concentração das demandas, de modo a permitir que o maior número de questões conexas sejam apreciadas simultaneamente, por motivos de economia da máquina judiciária e celeridade na entrega da prestação jurisdicional, e verificada a existência da presente ação revisional, tendo por objeto o mesmo contrato que ensejou o pedido de busca e apreensão, REQUER-SE o apensamento dos presentes autos a ação de busca e apreensão em tramite por este D. Juízo sob nº 488/2005, visto que atendidos todos os pressupostos para a reunião dos processos, assim como a suspensão do procedimento de busca a apreensão até final julgamento do pedido revisional.

II – OS FATOS

1. A autora, microempresa cuja atividade é o “Transporte Coletivo Rodoviário Intermunicipal, Interestadual e Internacional de Passageiros” – sendo na sua especialidade transporte escolar -, firmou com a ré Contrato de Participação em Grupo de Consórcio Destinado a Aquisição de Veículos Automotores e Demais Bens Móveis, em 04 de novembro de 2002, sob o GRUPO xxxx e COTA XXX (documento anexo), no valor de xxxxxxxxxxxxx (xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx reais), com prazo de duração de 100 (cem) meses, cujo objeto seria o veiculo Caminhão marca VW modelo 40300.

2. É importante observar que após o pagamento da segunda parcela em 03/12/02 no valor de R$ 1.138,27 (mil cento e trinta e oito reais e vinte e sete centavos), a Autora foi contemplada com a carta de crédito no valor do contrato, ou seja, no valor de R$ 103.479,00 (cento e três mil quatrocentos e setenta e nove reais).

3. Neste mesmo período a Requerente optou por adquirir um bem de menor valor que seria um microônibus marca HYUNDAI, tipo H100 GLS 16 L, ano 2002, cor prata, no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), conforme nota fiscal inclusa.

4. Cumpre registrar que esta transação teve conhecimento da Ré, conforme ordem de faturamento datada de 05/12/02 denunciada no contrato de alienação fiduciária, fotocópia inclusa, porém a diferença da carta de crédito e o valor do bem adquirido não foi repassada em dinheiro para a Autora, ou seja, em 05/12/02, houve o abatimento da carta de crédito no valor da dívida, a saber, R$59.189,99 (cinquenta e nove mil cento e oitenta e nove reais e noventa e nove centavos), todavia a Ré continuou cobrando mensalmente uma prestação atrelada ao valor do consórcio original de R$103.479,00 (cento e três mil quatrocentos e setenta e nove reais) mais as correções ocorridas no período e não diminuiu o número de parcelas.

5. Conforme o demonstrativo “POSIÇÃO DO CONSORCIADO” incluso, ao valor das prestações cobradas pela Ré, a mesma apropriava mais 10% de taxa administrativa, cobrando no período apresentado uma diferença de cobrança a maior em R$1.147,30 (um mil cento e quarenta e sete reais e trinta centavos)(laudo incluso).

6. Inobstante o bem adquirido pela Autora ser uma “Van” H100 para “transporte escolar”, a correção da dívida deu-se pelo valor do caminhão VW modelo 40300, ou seja, a Autora pagou diversas prestações conforme contrato de R$103.479,00, porém o valor do bem era de R$50.000,00.

7. Em melhores palavras, a Ré apenas precisou pagar o valor da “Van” H100 que foi de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e o restante permaneceu em seu caixa. Cumpre salientar que o contrato não prevê se a Autora seria reembolsada ao final pela diferença paga a maior em relação ao bem de uso.

8. Repita-se que a Requerente continuou a pagar uma prestação por um valor que não saiu do caixa da Ré, uma vez que o valor da parcela mensal de pagamento não foi alterada. Estes pagamentos estão registrados na cópia da POSIÇÃO DE CONSORCIADO emitida pela requerida, que vai anexa a presente.

9. A requerente pôde suportar regularmente o pagamento das primeiras 09 (nove) parcelas (que foram pagas a maior em R$5.478,07, diga-se de passagem). Tal valor foi apurado pela diferença entre a parcela cobrada pela quota de R$103.479,00 – do caminhão – e pela quota de R$50.000,00 que é o valor da “Van” H100.

10. Conforme planilha em anexo, compensando o referido valor pago a maior nas prestações que vão da 10ª a 19ª, restaria para pagamento o valor de R$21,93 (vinte e um reais e noventa e três centavos) na 19ª parcela.

11. Em que pese o valor do bem (tx. adm. inclusa) ser de R$ 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais), e a divisão por 100 (cem) parcelas após a compensação dos valores pagos a maior até a 19ª parcela, resultar em prestações de R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais)(calculo incluso), as prestações efetivamente exigidas pela Ré, eram sempre em valor superior a R$1.100,00 (mil e cem reais), ou seja, sempre 100% a mais.

12. Como qualquer microempresa brasileira, não teve a requerente condições de resistir ao desproporcional montante das prestações. Por ocasião da 10ª parcela não foi mais possível arcar com a carestia, situação que perdurou até o vencimento da 19ª parcela, em maio de 2004.

13. No dia 08 de outubro de 2003, inobstante a falta de procuração para tal ato, a Ré por seus procuradores jurídicos notificou extrajudicialmente a Autora. Pelo referido instrumento, foi comunicada que o não pagamento das parcelas atrasadas ensejaria o vencimento antecipado do contrato de alienação fiduciária pactuado.

14. Diante da incômoda situação de inadimplência, a requerente pleiteou junto à requerida uma adequação da dívida, entrando em contato com a Sra. xxxxx, que se identificava como advogada da Ré, sobre a possibilidade de usar os valores que pagou em outro consórcio – GRUPO XX /COTA XXX – (doc. incluso), num total de aproximadamente R$8.000,00 (oito mil reais), para quitar a três parcelas atrasadas e ainda mais algumas vincendas.

15. Contudo não obteve êxito, pois a conduta da requerida face ao sabido caráter imoral do contrato revelou-se claramente quando da solicitação de informações por escrito sobre a situação da renegociação. A requerida negou-se a prestar imediatamente informações documentadas, e limitou-se a dizer verbalmente através do seu procurador, o advogado xxxxxxxx, que “estava tudo certo” quanto à composição dos valores e que entrariam em contato com a Autora para definir a situação.

16. A valoração aqui apresentada fica, portanto prejudicada diante da sonegação de informações da ré, que passou a demonstrar uma nítida conduta de imoralidade para com a outra parte do contrato, que só veio a tomar ciência de alguma noticia de seu contrato bem mais tarde, mediante visita de um oficial de justiça em cumprimento a um mandado de busca e apreensão, expedido pelo hoje “INCOMPETENTE” Juízo da Comarca de Pinhais, Estado do Paraná, nos autos sob o nº. XXX, que após a devida remessa determinada em Exceção de Incompetência, assumiu o nº. XXX perante este D. Juízo.

III – O DIREITO

III.a – DA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO

17. Como já aventado em preliminar, quanto a INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, está cristalizada na doutrina e na jurisprudência que as ações fundadas em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis tem sua competência territorial determinada segundo a regra especial estatuída no artigo 94 e inciso IV, “letras” do artigo 100 do Código de Processo Civil, no domicílio do Réu, logo, no caso em tela, o foro competente para processar, julgar e antes disso, determinar a busca e apreensão sempre foi o de Ponta Grossa, onde reside a Autora.

19. E não foi outro o entendimento na decisão exarada nos autos nº. XXX/04 de Exceção de Incompetência do Juízo da Comarca de Pinhais, restando claro que a ação de busca e apreensão proposta pela Ré em Comarca que não a do domicílio da consorciada, ora Autora, não foi além de artifício sutil para obstaculizar e restringir a possibilidade de defesa da requerente. Tratou-se de estratégia, Meritíssimo, e das rasas. Coisa descabida entre probos.

20. O artifício usado pela Requerida propondo ação de busca e apreensão em Juízo que sabia incompetente no afã de audaciosamente pretender induzir o andamento da referida demanda no sentido de que teria a Requerida culposamente incidido em mora, foi tão somente a escolha do foro de Pinhais por ter credibilidade junto a aquele Cartório Cível, a cujos atos praticados no referido processo mostraram-se excessivamente “rápidos”, não condizentes com a morosidade remanescente junto aos outros processos naquela escrivania, bem assim, a dificuldade porquanto ao acesso a referida Comarca por parte da consorciada/autora.

21. Desta forma, uma vez que a busca e apreensão foi afetada por ato de autoridade judiciária incompetente, e sobrevindo o ajuizamento da presente revisional, que poderá afastar a mora, é possível a revogação do ato que concedeu em caráter liminar a busca e apreensão do bem. É que não sendo certa a mora, é cabível a manutenção do devedor na posse do bem objeto do contrato, durante o processo, sob compromisso como seu depositário, visto que não tendo a parte comprovado o fato constitutivo de seu direito, no momento em que o articulou, desatendido restou o preceito insculpido no artigo 333, inciso I, do Código de Ritos.

22. Pura e simplesmente determinar a manutenção do bem em mãos da Requerida em função de busca e apreensão determinada por Juízo incompetente, importaria em constranger a autoridade destinatária a dar continuidade à determinação emanada por juiz incompetente, aberração que salta à vista.

23. Ante o exposto, e a nulidade do ato que concedeu a liminar, diante da incompetência declarada do Juízo, impera a revogação do ato que concedeu em caráter liminar a busca e apreensão, determinando-se a devolução do bem a posse da Autora, durante a tramitação das ações, sob compromisso de depositária do bem, quer pela declaração de incompetência do Juízo que deferiu o pedido de busca e apreensão, quer pela proposição da presente revisional – visto que apontada cobrança de valores indevidos com possível reconhecimento de descaracterização da mora -, quer pela legalidade de decisão que permite que o bem permaneça na posse do devedor fiduciário, enquanto tramita a ação de busca e apreensão, um veículo “VAN” para transporte escolar, se a perspectiva imediata é de paralisação total da microempresa.

III.b – O ABUSO DO PODER ECONÔMICO

24. Pelo que se infere facilmente dos fatos narrados, a requerida usa e abusa de sua superioridade econômica para extrair da requerente mais até de que seu dinheiro. Extrai-lhe também a dignidade; a convicção na decência e na moralidade; extrai-lhe a confiança nas instituições e a esperança nos ideais de honestidade comercial. Não há mais dúvidas – e isto está abundantemente dito na doutrina e na jurisprudência – sobre a iminente abusividade de instituições financeiras que avançam sobre o patrimônio de pequenos comerciantes sob a capa da liberdade contratual e do pacta sunt servanda.

25. Neste caso, nasce o abuso pelo DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULAS do contrato de adesão. Aí se contêm, verbi gracia, a antecipação de pagamento do saldo devedor e de prestação e a estipulação do crédito, sua utilização e aquisição do bem móvel:

“…
34-O CONSORCIADO CONTEMPLADO antecipará o pagamento do saldo devedor, na ordem inversa a contar da ultima prestação, no todo ou em parte:

II. com parte do crédito quando da compra de bem móvel de valor inferior ao indicado no contrato;

60-Caso o bem a ser adquirido seja de valor inferior ao crédito, o CONTEMPLADO, a seu critério, poderá destinar a respectiva diferença para pagar:
I. prestações vincendas, na forma estabelecida no item 34,II.
…” (grifamos)

26. Recomenda-se, meritíssimo, uma leitura minuciosa de todo o teor do contrato em questão: há de se verificar o quão exploradora pretende ser a Ré, desde a imputação de todas as possíveis e imagináveis responsabilidades à consorciada/autora até a exigência de submissão desta ao livre controle daquela em toda a sua vida mercantil, sem contar a isenção de garantias e responsabilidades da administradora e a imposição de todas as despesas, de qualquer natureza, às custas, claro, da autora. Muito distante da publicidade e dos sorrisos que seduzem o consumidor, a efetivação do negócio se transforma numa armadilha – escondida sob o contrato de adesão – que acaba por dilapidar o seu já escasso patrimônio. É assim que enriquece rapidamente a instituição. É assim que o seu poderio econômico invade nocivamente a economia popular.

27. E é justamente com base nesta conduta que a requerida-administradora provoca, desde o princípio, um escancarado desequilíbrio contratual. Como já ressalvado, o bem adquirido pela Autora foi um microônibus HYUNDAI H100 GLS para transporte escolar, e a correção da dívida deu-se pelo valor do caminhão VW modelo 40300, ou seja, a Autora pagou diversas prestações conforme contrato de R$103.479,00, porém o valor do bem era de R$50.000,00. Em melhores palavras, a Ré apenas precisou pagar o valor da “Van” H100 que foi de R$50.000,00 e o restante permaneceu em seu caixa, sem a mínima previsão contratual de que a Autora seria reembolsada ao final pela diferença paga a maior em relação ao bem de uso. Nítida a má-fé.

28. A situação “sub judice” é absurda. Ou seja, houve o abatimento da carta de crédito no valor da dívida, R$59.189,99, todavia a Ré continuou cobrando mensalmente uma prestação atrelada ao valor do consórcio original de R$103.479,00 mais as correções ocorridas no período, sendo pago pela Autora regularmente até a nona parcela, e ainda deve – segundo a administradora/requerida – 91 (noventa e uma) parcelas. Não é preciso ser exímio contador para verificar a extravagância.

29. Está-se, pois, diante de uma relação de abuso no contrato, em que figuram cumulativamente cobrança de taxa de administração acima do limite contratual, pagamento de uma prestação por um valor que não recebeu, a correção da dívida estava se dando sobre um veículo com valor bem maior que o contemplado, diferença paga a maior (nove parcelas pela Autora) devido ao novo consórcio do veículo adquirido (H100) e, por tudo, o desequilíbrio contratual.

III.c – A RECOMPOSIÇÃO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL

30. Está mais do que claro que o Contrato de Participação (Consórcio), contém em seu bojo cláusulas e condições extremamente leoninas, bem ainda a cobrança indevida de taxa administrativa em patamares superiores ao previsto contratualmente.

31. Desta situação, denota-se que o contrato ora reportado previu em seu contexto a cobrança de taxa de administração de 10 % (dez por cento) sobre o valor da prestação ao fundo comum e que a correção da dívida seria calculada sobre o preço atualizado do veículo, fato que, no transcorrer da vigência do aludido consórcio, impôs a Autora à vexatória posição de devedora, e diante de tais arbitrariedades, ao consultar especialistas acerca do tema, alarmou-se ao analisar as reais condições do respectivo contrato, defrontando-se com as situações retro expendidas (item 29).

32. Como já declinado, de posse de tais informações, a Autora procurou o representante da Requerida, objetivando compor a dívida apresentada, tentativa estas que restaram infrutíferas, obtendo apenas respostas dúbias e evasivas da parte adversa, que em nada surtiu efeito, acarretando a mesma, ante a demora de apresentação de solução, apenas e tão somente, uma verdadeira penalidade, visto que, em razão do atraso aos pagamentos das prestações ante o aguardado de resposta, veio a ser tido pela Requerida como inadimplente, e foi surpreendida pela referida ação de busca e apreensão.

33. Ademais, há que se destacar que o Superior Tribunal de Justiça, pela 4.ª Turma protegendo o consumidor em casos semelhantes ao ora discutido no presente feito, no Acórdão proferido no Resp. n.º 150.099/MG, já decidiu pela inexistência de mora do devedor quando há por parte do credor a exigência de quantias abusivas, razão porque ilustramos a presente peça, com trechos dos textos declinados pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o qual para chegar a essas conclusões juntamente com os Ministros que integrantes daquela 4.ª Turma do STJ, dentre tantos conceitos, destacaram a situação de que ´´… mora somente existe quando o atraso resultar de fato imputável ao devedor (art. 963 do Código Civil). Se a exigência do credor é abusiva, e portanto ilegítima, o devedor que não paga o que lhe está sendo indevidamente cobrado não incide em mora, pois pode reter o pagamento enquanto não lhe for dada quitação regular.´´ …

34. Convém destacar que a decisão ora reportada fora proferida em procedimento de reintegração de posse, cujo teor, entretanto, também fora seguido em julgados de Busca e Apreensão, a exemplo do REsp. 185812/MG, restando de importante em relação ao respectivo tema apenas demonstrar a Vossa Excelência que, o STJ, com o advento do Código de Defesa do Consumidor passou a traçar uma profunda modificação no ordenamento jurídico pátrio.

35. As normas contidas no Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas em perfeita consonância com as leis processuais vigentes no país. Assim, se o Código de Defesa do Consumidor possibilita ao devedor à discussão e anulação de toda e qualquer cláusula contratual abusiva, deve o juiz conhecer dessas alegações e possibilitar a discussão das cláusulas conforme determina o CDC, invertendo o ônus da prova quando cabível e dilatando a produção das provas requeridas no curso do processo. Agir diferente é massacrar o consumidor, parte hipossuficiente na relação de consumo.

36. Ora, se o credor pode dispor da busca e apreensão para reaver o bem objeto alienação fiduciária no menor espaço de tempo, o devedor poderá, havendo indícios de abusividade contratual, requerer a restituição do bem e ser mantido nela, até julgamento final da ação.

37. Cabe ao juiz manter o equilíbrio da relação processual, e esse equilíbrio só poderá ser mantido se o julgador estiver aberto a interpretações progressistas, que viabilizem a aplicação do sentido espiritual da norma para que seja concedida a Justiça.

38. A Justiça não é a lei. A Justiça é o direito provado, devidamente conjugado com fatos, até mesmo por que, como se poderia analisar a questão da posse sem antes analisar as cláusulas e condições contratuais que permitiram ao consumidor o direito de possuir?

39. Assevere-se, que a relação contratual retratada nos autos, submete-se à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, conforme remansoso entendimento de todos os Tribunais de Justiça do país e, inclusive, do Superior Tribunal de Justiça.

40. In specie, uma perfunctória análise do pacto celebrado entre as partes revela a existência de cláusulas contratuais abusivas que, repercutindo na modificação do quantum debeatur, conduzem à iliquidez dos valores tidos como inadimplidos, descaracterizando, assim, a mora do devedor fiduciante, ora Autora.

41. Nesse quadro, excluída a cobrança de taxa de administração acima do limite contratual, adequando-se o contrato ao novo consórcio, corrigindo a divida sobre o valor do veículo adquirido pela Autora e compensando-se os valores que a mesma pagou a maior, o seu débito sofrerá uma sensível redução, quiçá propiciando o seu pagamento, com a purgação da mora.

42. A realidade assim exposta prejudica consequentemente, a caracterização da mora atribuída a Autora, arrostando à extinção da ação de busca e apreensão que tramita perante este D. Juízo sob nº. xxxxxx/2005 que tem exatamente na perfeita delineação da mora, o seu substrato jurídico indispensável.

43. Como deixou salientado o Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

“Mora somente existe quando o atraso resultar de fato imputável ao devedor (art. 963 do Código Civil). Se a exigência do credor é abusiva, e portanto ilegítima, o devedor que não paga o que lhe está sendo indevidamente cobrado não incide em mora, pois pode reter o pagamento enquanto não lhe for dada quitação regular. O melhor comportamento do devedor é, em tal caso, promover a ação cabível para definir o valor exato do débito. (…).” (REsp n. 150.099 – MG, DJ de 08.06.98).

44. É também o entendimento perfilhado pelo STJ e demais tribunais, como exemplificam os acórdãos seguintes:

116205994 – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – Mora não reconhecida pelo Tribunal a quo, porquanto exigidos do devedor juros abusivos. Carência de ação. Extinção do feito, sem julgamento do mérito. Recurso Especial que não enfrenta tal fundamento do acórdão. Agravo regimental desprovido. (STJ – AGRESP 200401118710 – (681134 RS) – 3ª T. – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – DJU 02.05.2005 – p. 00350) grifamos

“MORA. Culpa do devedor.
Não há mora do devedor quando inexistente culpa sua, elemento exigido pelo artigo 963 do CC para a sua caracterização. Inexistindo mora, descabe condenar em juros moratórios e em multa. Recurso não conhecido” (STJ, 4ª T., REsp. 82.560-SP, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, j. 11.03.1996);

“Agravo regimental. Recurso especial. (…). Mora do devedor. Descaracterização. Cobrança de encargos ilegais. Multa e juros moratórios indevidos.
1. Segundo orientação adotada pela 2ª Seção, no julgamento do EREsp. Nº 163.884/RS, em 23/05/01, a cobrança de encargos ilegais pelo credor descaracteriza a mora do devedor. O ato do credor causa a sua inadimplência.
2. Agravo regimental desprovido” (STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp. nº 257.836-RS, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU de 24.09.2001).

2037875 – AGRAVO REGIMENTAL – APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO DE FINANCIAMENTO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – AÇÃO CONSIGNATÓRIA CONEXA COM BUSCA E APREENSÃO – JULGAMENTO SIMULTÂNEO – DEPÓSITOS SUFICIÊNCIA – AUSÊNCIA DE MORA – PERDA DE OBJETO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – RECURSO IMPROVIDO – Descaracterizada a mora do devedor pela procedência da ação consignatória, impõe-se a extinção da ação de busca e apreensão. (TJMS – AgRg-AC-Lei Especial 2005.001673-0/0001-00 – Campo Grande – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Paulo Alfeu Puccinelli – J. 14.03.2005)

1700308931 – APELAÇÃO CÍVEL – CONSÓRCIO – AÇÃO REVISIONAL – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA – PRELIMINAR DE DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA – Embora postule, preliminarmente, a desconstituição da sentença para deferimento da liminar de busca e apreensão e prosseguimento regular do aludido feito, a apelante não aponta concretamente os motivos que justificariam a cassação do ato judicial recorrido. De mais a mais, a sentença não se revestiu de qualquer nulidade, razão pela qual vai rejeitada a preliminar. Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade. A atividade consorcial está sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor, conforme art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90. Nulidade de cláusulas abusivas. Possibilidade de conhecimento de ofício. Por serem de ordem pública e interesse social as normas de proteção e defesa do consumidor, possível a declaração da nulidade das cláusulas eivadas de abusividade, inclusive de ofício. Extensão da revisão. Disposição de ofício. Viável a revisão da relação consorcial havida entre as partes, desde o seu início, porquanto possível a revisão de contratos extintos, seja por pagamento ou por novação. A justificativa para tal entendimento repousa no fato de que, tratando-se de nulidade absoluta, é possível a revisão judicial para o expurgo das cláusulas abusivas, mesmo em se tratando de contratos quitados, quando sujeita a relação jurídica aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Disposição de ofício. Taxa de administração. Limitação a 10%. Conforme precedentes desta Câmara, não se tratando de sociedades mercantis – que organizam consórcio para aquisição de bens de seu comércio ou fabrico -, a taxa de administração não pode exceder o percentual de 10%, nos termos do caput do art. 42 do Decreto nº 70.951/72, que regulamentou a Lei nº 5.768/71, sendo nula de pleno direito a sua pactuação em percentual superior. Aplicação, ainda, do artigo 51, IV, do Código do Consumidor. Sentença mantida. Apelo desprovido. Mora descaracterizada. Improcedência da ação de busca e apreensão. Retificação ex officio do dispositivo sentencial. Declaração ex officio de inexigibilidade dos encargos moratórios. Sendo expurgados encargos indevidos da dívida, a apelante não estava em mora e os encargos moratórios, por isso, não são devidos, o que se declara de ofício. Pelas mesmas razões, a ação de busca e apreensão vai julgada improcedente desde logo, retificando-se ex officio o dispositivo sentencial, pois firmava a extinção da aludida demanda. Juros moratórios. Disposição de ofício. Os juros moratórios devem respeitar o percentual máximo de 1% ao ano. Provimento de ofício. Compensação/repetição de indébito. Disposição de ofício. Diante das ilegalidades na estipulação dos encargos contratuais, não há falar em voluntariedade no pagamento, nem exigir a prova do erro para a repetição do indébito, que se dará mediante prévia compensação. Disposição de ofício, para evitar o enriquecimento indevido. Preliminar rejeitada. Apelação desprovida, com disposições de ofício. (TJRS – APC 70010543783 – 14ª C.Cív. – Relª Desª Isabel de Borba Lucas – J. 10.03.2005) JCDC.3 JCDC.3.2

45. E, nos termos da Súmula 72 do Superior Tribunal Justiça:

“A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.”

46. Decorrentemente, aplicados na formação do saldo devedor encargos abusivos e ilegais, nasceu para o devedor, na forma prevista pelo art. 963 do “anterior” Código Civil, o direito de reter os respectivos pagamentos, sem que esse não pagamento o conduza à incidência em mora, porquanto ausente culpa sua para o descumprimento da obrigação.

47. Expôs, a propósito, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

“Sabe-se que a mora, no nosso sistema exige o elemento subjetivo, pois só existe mora culposa (art. 963 do CC). Já ensinava Orosimbo Nonato, na sua linguagem enxuta: “como quer que seja em nosso Direito, e em face dos textos legais citados, o tema não comporta dúvidas ou entredúvidas. Exato desconter o art. 955 do Código Civil alusão à culpa: considera-se em mora o devedor que não paga ou o credor que não recebe, no tempo, lugar e forma convencionados. Mas o art. 963, complementar do art. 955, dispõe às expressas: Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”. … Ampla e constante, iterada e reiterada tem sido a jurisprudência dos tribunais a aplicação do art. 963 suso transcrito (Curso de Obrigações, 2ª parte, v. I/300: no mesmo sentido. Oswaldo Optiz. Mora no negócio jurídico, p. 12, e Washington de Barros Monteiro. Dir. Obrigações. 1ª parte, p. 261). Por isso, afastada a culpa imputável ao devedor na demora do pagamento, fato inapreciável nesta instância, estou em não conhecer do recurso, pois tanto os juros como a multa seriam consequência da mora.” (REsp n. 82560-SP). grifamos

48. De modo idêntico, registramos em precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

186007869 – BUSCA E APREENSÃO – Alienação fiduciária em garantia. Existência de encargos abusivos. Mora não caracterizada a contento. Inicial indeferida. Solução adequada. No ordenamento jurídico pátrio a mora não se integra pela simples inadimplência contratual, exigindo a Lei, acima de tudo, que reste caracterizada a inexecução culposa da obrigação. E essa culpa vê-se afastada, quando o credor está a embutir na composição do débito encargos ilegais ou taxados abusivamente, acarretando, em decorrência, a descaracterização da mora e arrostando à extinção as ações que, a exemplo das de busca e apreensão, têm nessa mora o seu elemento vital. (TJSC – AC 2002.017218-4 – Tubarão – Rel. Des. Trindade dos Santos – J. 12.02.2004)

“No direito pátrio, como resulta do art. 963 do Código Civil, a mora do devedor somente se integra quando o atraso no cumprimento da obrigação vincula-se a fato a ele atribuível. Integrado o saldo devedor tido como de sua responsabilidade de acessórios abusivos ou impostos com exacerbamento dos limites legalmente admissíveis, descaracterizada estará a mora do devedor que não paga o que lhe está sendo indevidamente exigido. E descaracterizada, ou insegura a configuração da mora, pela exigência de encargos abusivos ou ilegais, há a carência da ação de busca e apreensão nessa mora respaldada.” (Ap. Cív. 2002.013244-1, de Sombrio). grifamos

49. Reitere-se, que o novo Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, não alterou em nada a questão da mora, prevendo expressamente que, “não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora” (art. 396). A inexecução culposa da obrigação pelo devedor continua, portanto, sendo requisito indispensável da mora solvendi.

50. Portanto, não caracterizada a mora, diante das abusividades ocorrida no caso em tela, torna-se a Ré administradora carecedora da ação, de busca e apreensão deflagrada, o que autoriza Vossa Excelência a indeferir a inicial, julgando-a extinta, de plano, vez que a consumidora ora Autora, prevendo questões que implicariam na prejudicialidade da continuidade do pagamento das prestação assumidas, requereu a adequação da cobrança de tais valores, o que no entanto, sequer foi objeto de resposta e atenção por parte da Requerida, que maliciosamente intentou a ação de busca e apreensão.

51. Cumpre repisar que o valor do contrato firmado (doc. incluso) era de R$103.479,00 (cento e três mil quatrocentos e setenta e nove reais), porém a Autora adquiriu um bem no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e que o mesmo contrato não prevê se a mesma seria reembolsada pela diferença paga a maior em relação ao bem de uso.

52. Oportuno, igualmente, indicar ao caso em tela, que a Lei n° 1.521/51, que trata ´´dos crimes contra a economia popular, a ordem econômica e as relações de consumo´´, traz em seu artigo 4º, a seguinte disposição:

´´ Usura pecuniária ou real:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei;
b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida ´´. grifamos

53. A Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986, em seu artigo 8º, estabelece que constitui crime contra o Sistema Financeiro Nacional, in verbis:

´´Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação, juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários´´. (destacamos)

54. É farta e bastante clara a legislação vigente, coibindo a prática mercantil que resulte em lucro fácil, extorsivo, como no caso em tela, em que o lucro da financeira não pode exceder a um quinto do valor financiado, ou seja, 20% (vinte por cento) do valor do financiamento e não mais que isso.

55. Que com a estabilização monetária a partir de 1º de julho de 1994, a ocorrência de lucros aviltantes causa indignação diante dos esforços de fortalecimento da moeda e deve ser prontamente inibida pelo órgão jurisdicional, sendo enfatizado pelo entendimento da Jurisprudência que vem se firmando no sentido de coibir tais abusos e restabelecer a equidade econômico-financeira nas avenças levadas à consideração das Altas Cortes.

56. Por amor ao princípio da eventualidade, a título de argumentação, de qualquer modo, o valor da prestação mensal deverá ser estabelecida em R$550,00 (quinhentos e cinquenta reais), conforme uso da carta de crédito de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).

57. Igualmente, caberá a Vossa Excelência porquanto da instrução do presente procedimento, deferir a realização de prova pericial no caso em tela, afim de que a Autora possa demonstrar a Vossa Excelência à ocorrência de abusividade e poder sobre a operação de consórcio realizada, cuja prática é repudiada pela Jurisprudência desde há muito tempo.

58. Porém, acostumada a impor vontades e agir com supremacia nos períodos mais terríveis da famigerada espiral inflacionária, nos moldes a que tem se espelhado a Requerida, em seus cálculos, fez incidir cobrança a maior em taxa administrativa e reteu parcela da carta de crédito contemplada, o que implica em ilícito contratual.

59. MM. Juiz, os fatos apontados na ordem acima, demonstram ´´per si´´ que não houve por parte da Requerida a conduta esperada pelo Ordenamento Jurídico Positivo quando da realização do contrato, emanado de vontade bilateral das partes.

60. Por analogia, visto que consórcio e financiamento se configuram de forma extreme de dúvidas em relação de consumo, e como tal encontra-se sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor, doutrinariamente, o contrato de financiamento assim como o consórcio são considerados de ´´adesão´´, vez que trazem cláusulas estanques e uniformizadas, previamente formuladas pela arrendante ou administradora e impostas unilateralmente, segundo comenta Arnaldo Rizzardo, ob. cit., pág. 66 que diz que:

´´Diante da prepotência de um dos contratantes, algumas regras de interpretação devem ser obedecidas, embora inexistam, no Direito brasileiro, disposições legais especificamente ordenadas à disciplina dos vínculos jurídicos oriundos da adesão a imposições preestabelecidas por uma das partes. O Código Civil nada previu sobre a matéria. Apenas o Código de Defesa do Consumidor trouxe alguma disciplina, em campo restrito. Mas temos normas sobre o contrato em geral´´.

61. Pela importância dos esclarecimentos trazidos pelo Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Professor da Escola Superior da Magistratura, autor de várias obras e que ousou esmiuçar a complexa espécie do arrendamento mercantil, permitimo-nos transcrever os ensinamentos constantes da obra citada, pág. 67 e seguintes:

´´Reza o art. 85 do CC: ´´Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem´´.
´´Na exposição de Othon Sidou, encontramos a seguinte lição: ´´No conjunto de normas, convém concluir que o sentido literal das palavras contratuais pode: ser contrário à vontade real; trair a lealdade e confiança de um ou de ambos os contratantes, tendo em conta representar o contrato, subjetivamente, uma luta de vontades; enganar a boa-fé, consoante o que, embora seja defeso ao juiz revisionar a convenção das partes, é-lhe facultado, em contraposição, o poder de interpretar a vontade dos contratantes, segundo preleciona Martinho Garcez…´´ (A vontade real nos contratos de adesão, apud Revista Jurídica 49/12).
´´Na interpretação, tem-se em mente sempre a intenção de ambas as partes, mas sem abandonar a inspiração na equidade e na utilidade social, de modo a não se tolerarem os excessos contratuais´´.
´´Tem-se em alta consideração a interpretação contra o estipulante e em favor do aderente, norma vigente em várias legislações. Máxime no caso de cláusula obscura e ambígua.”

62. É justo, portanto, que o elaborador do instrumento ou título sofra as consequências das próprias ambiguidades e imprecisões da linguagem, talvez propositadas, que levaram o outro a aceitar o pacto por tê-lo entendido em sentido inverso do que convinha ao coobrigado.

63. Casos frequentes desta espécie de litígio verificam-se a propósito de apólices de seguros e notas promissórias. Palavras de uma proposta interpretam-se contra o proponente; de uma aceitação, contra o aceitante.

64. Assim, pois, as dúvidas resultantes da obscuridade e imprecisões em apólices de seguros interpretam-se contra o segurador. Presume-se que ele conheça melhor o assunto e haja tido inúmeras oportunidades práticas de verificar o mal resultante de uma redação, talvez propositadamente feita em termos equívocos, a fim de atrair a clientela, a princípio, e diminuir, depois, as responsabilidades da empresa na ocasião de pagar o sinistro.

65. Bem assim ocorreu quanto às cláusulas padronizadas. A equidade financeira dos contratos se faz necessária e urgente, até porque a Autora precisa prosseguir dando continuidade às suas atividades comerciais, livre desse incômodo, que está a acarretar prejuízo incalculável à sua saúde financeira.

66. Em todos os sistemas jurídicos o pressuposto fundamental é o principio de ser nulo o contrato quando um dos contratantes, ´´abusando das condições gerais dos negócios´´, agindo contra a boa-fé e a moral, vem a prejudicar, excessivamente, o outro.

67. A teoria moderna do direito traz uma nova visão do contrato e das suas consequências na utilidade social, pois embora permaneça o princípio da liberdade contratual, um dos princípios fundamentais do direito civil, nas sociedades com economias não dirigidas e orientadas para uma economia de mercado, afirma-se cada vez mais a convicção de que a ordem jurídica precisa definir as premissas desta liberdade, fixar os parâmetros de seus limites e delinear seus resultados.

68. Por tratar-se de contrato de adesão, o que é fartamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência pátrias, é inadmissível que prevaleçam os objetivos violadores dos princípios que norteiam o ordenamento jurídico, como a equidade, a comutatividade, o justo e a boa fé, impondo-se a interpretação contra a estipulante e em favor do aderente, no caso, a Autora.

69. Atualmente tem-se como fato público e notório que ´´…as empresas que contratam com os bancos não o fazem numa situação de igualdade, mas em verdadeiros contratos de adesão, em nítida inferioridade. É preciso recompor o equilíbrio´´ (RT 639/253) No mesmo sentido: (RJTJRGS 138/134).

III.d – DA DEFESA DO CONSUMIDOR

70. Na condição de destinatário final do consórcio, pois evidente que os recursos financeiros foram destinados à aquisição de bens, a Autora, encontra na Lei n.º 8.078/90 que dá a proteção do direito que busca, pois sendo um Contrato de Participação em Grupo de Consorcio destinado à Aquisição de Veículos Automotores e Demais Bens Móveis – direto ao Consumidor -, sujeita-se ao CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, diante dos termos do artigo 3, § 2º, da Lei que o instituiu.

71. Nelson Nery Junior, em sua obra ´´Código de Processo Civil´´, Ed. RT, 1997, pág. 1374, comentando o artigo 46 do CDC, ensina que:

´´Todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime jurídico do CDC. Não só os serviços bancários, expressamente previstos no § 2º do artigo 3º do CDC, mas qualquer outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida a sua atividade como de comércio, por expressa determinação do Código Comercial, artigo 119. Assim, as atividades bancárias são de comércio. Por ser comerciante, o Banco é sempre fornecedor de produtos e serviços.´´

72. O Código de Defesa do Consumidor busca disciplinar situações como estas, tendo acolhido os princípios doutrinários antes referidos, não deixa dúvidas quanto à possibilidade da revisão dos contratos e o restabelecimento do equilíbrio entre as partes.

73. Destaca-se do referido texto legal:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:…
V- A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que os tornem excessivamente onerosos.

Art. 47 – As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

74. O art. 51 do CDC é imperativo à questão:

´´Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – Ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – Restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III – Se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, interesses das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
§ 4º É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. ´´

75. De igual forma dispõe o artigo 52:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

II – montante de juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

76. Na lição de RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, em artigo publicado na Revista AJURIS, Nº. 52, pág. 181, sob o título ´´Aspectos do Código de Defesa do Consumidor´´, encontramos o seguinte ensinamento:

´´Para a fase da execução do contrato, está prevista a importantíssima regra sobre a possibilidade de modificação de cláusula, sempre que fato superveniente tornar a avença excessivamente onerosa, estabelecendo o desequilíbrio entre as partes e a quebra da equivalência entre prestação e contraprestação (art. 6°, inc. V).
Não está aí incluído o requisito da imprevisão, como insistentemente se tem exigido até hoje no Brasil, nem que o prejuízo atinja a ambas as partes, como consta no projeto do CC. Consagrou-se, isto sim, a teoria da base do negócio, que autoriza a notificação, uma vez alteradas às condições objetivamente postas ao tempo da celebração. Como a regra da equivalência é uma norma de sobredireito, ela se aplica para ambos os lados e funciona a favor de qualquer das partes´´.

77. Exaustivamente demonstra-se que, no caso em exame, o procedimento desigual e arbitrário da Requerida, com o fim de cobrar encargos extorsivos, fraudar a lei, promover a insolvência, etc., é totalmente contrário aos princípios edificadores dos bons costumes, da norma jurídica e aos relevantes interesses sociais.

78. Além da doutrina e da jurisprudência, invoca-se a lei para dizer que os instrumentos sub judice devem ser tipificados como contratos de adesão (art. 54, Lei n° 8.078/90), reclamando interpretação de maneira mais favorável a Requerente, (art. 47 da lei citada) como legítimo consumidor de serviços de natureza bancária, financeira e de crédito (artigos 3°, § 2° e 29 da citada lei).

79. Inobstante as irregularidades formais e materiais, a jurisprudência cuida também do caráter subjetivo do contrato, e por ser de adesão sofre severas reprimendas quando tende a fugir à lei:

“… as empresas que contratam com os bancos não o fazem numa situação de igualdade, mas em verdadeiros contratos de adesão, em nítida inferioridade. É preciso recompor o equilíbrio.” RT – 629/253 No mesmo sentido: RJTJRGS 138/134. (grifo nosso)

80. Carlos Maximiliano delineia as diretrizes de interpretação do contrato de adesão: a) contra aquele em benefício do qual foi feita a estipulação; b) a favor de quem a mesma obriga e, portanto, em prol de devedor e do promitente; c) contra o que redigiu o ato ou cláusula, ou melhor, contra o causador da obscuridade ou omissão.

81. É oportuna a lembrança da seguinte passagem de Carlos Maximiliano: “Todas as presunções militam a favor do que recebeu, para assinar, um documento já feito. Às vezes, pouco entende do assunto e comumente age com a máxima boa-fé: lê às pressas, desatento, confiante”.

82. E a doutrina, trilhando esse princípio, admoesta: “Essa submissão de uma parte a outra numa cláusula de contrato de adesão, e que, antes de constituir ato de autonomia de vontade, é, pelo contrário, negação desta, esbarra na tendência humanitária do Direito moderno, orientado no sentido de evitar abusos do poder econômico pelo economicamente mais forte.” Orlando Gomes, Transformações Gerais do Direito das Obrigações, São Paulo Ed. RT, 1967, cap. I, § 1º e seguintes.

83. O próprio Código Civil tem seu texto lá a nos alertar:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

III.e – SOBRE A RELAÇÃO DE CONSUMO

84. Ante a possibilidade – sempre presente – de que a requerida venha a alegar que não é ela uma fornecedora, que a requerente não é uma consumidora, e que o contrato em litígio não se regula pelas regras do Código de Defesa do Consumidor, vale registrar o que diz a lei – simplesmente a lei – pura e suficientemente clara:

LEI 8.078/90 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

“Art.2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

“Art.3º Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.

§ 1º – Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.”

§ 2º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (grifo nosso).

85. Está mais do que nítida, portanto, a relação de consumo e aplicabilidade plena do Código de Defesa do Consumidor.

III.f – A COBRANÇA INDEVIDA

86. Tendo recebido e postulado contínua cobrança sobre valores em verdade indevidos, a requerida infringiu mais uma vez disposição do Código de Defesa do Consumidor; agora, no parágrafo único do artigo 42.

87. Diz o tal parágrafo:

“O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.” Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990; artigo 42, parágrafo único.

88. A própria Lei da Usura, Decreto 22.626/33, aliás, em seu artigo 11, prescreve a repetição do indébito:

“O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor à repetição do que houver pago a mais.”

89. Deu-se a cobrança em excesso, neste caso, além de todos os ângulos retro expendidos, nas prestações mensais praticadas pela Requerida e na cobrança de taxa de administração acima do limite contratual, visto que aumenta toda vez que o valor do bem é corrigido, onerando o valor da prestação uma vez que incide diretamente sobre o valor da prestação.

90. Apenas para exemplificar, na POSIÇÃO DO CONSORCIADO (doc. incluso) apresentada pela Ré, o valor da taxa administrativa no dia 04/11/02 era de R$10.479,00 (dez mil quatrocentos e setenta e nove reais) enquanto que no dia 03/05/04 o valor apresentado é de R$13.570,81 (treze mil quinhentos e setenta reais e oitenta e um centavos). Neste período a taxa administrativa aumentou 29,50% (vinte e nove vírgula cinquenta por cento) ou R$3.091,81 (três mil noventa e um reais e oitenta e um centavos).

91. De todo modo, a situação do contrato, quando propôs a ação de busca e apreensão, segundo a requerida, é a de que a Autora estaria em mora, contudo recalculando o valor do Consórcio com base no valor da “Van” H100 adquirida por R$50.000,00 (cinquenta mil reais), verifica-se que foram pagos a maior nas 09 (nove) parcelas pagas pela Requerente R$5.478,07 (cinco mil quatrocentos e setenta e oito reais e sete centavos), resultado da diferença da parcela cobrada pela quota do caminhão VW de R$103.479,00 (cento e três mil quatrocentos e setenta e nove reais).

92. E compensando-se o valor da diferença paga a maior nas prestações que vão da 10ª a 19ª, restaria para pagamento o valor de R$21,93 na 19ª parcela, e o valor da prestação mensal seria de R$550,00 (quinhentos e cinquenta reais), conforme uso da carta de crédito de R$50.000,00 na aquisição da H100.

93. Este valor, obviamente, prescinde de uma apuração pericial, já que não são possíveis os cálculos exatos sem as devidas informações que a requerida sonegou. Mas o é aproximadamente.

III.g – DA RESTITUIÇÃO DO BEM APREENDIDO

94. Uma vez ajuizada a presente ação, que tem por objeto a revisão de cláusulas contratuais bem como a consignação incidente dos valores devidos, justifica-se juridicamente a revogação da liminar concedida na ação de busca e apreensão contra a ora Autora, senão vejamos:

“É que, estando sendo questionado em juízo o valor do real débito de responsabilidade da agravada/alienante fiduciária, débito esse relacionado com as causas do inadimplemento denunciado, a constituição a mora resulta prejudicada, ex vi do que dispõe o artigo 960 do Código Civil, impondo-se a suspensão das restrições legais impostas em razão dessa mesma mora” (Ag n. 2000.022264-0, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Trindade dos Santos, desta Corte). Sublinhamos.

95. No mesmo sentido:

186008278 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – DECRETO Nº 911/69 – LIMINAR CONCEDIDA E APÓS REVOGADA – MORA CARACTERIZADA – INADMISSIBILIDADE – SUSPENSÃO DOS EFEITOS COM A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO DE CONHECIMENTO QUE REVISA O CONTRATO – IRRESIGNAÇÃO QUANTO A PERMANÊNCIA DO BEM COM A PARTE CONTRÁRIA – CONSIGNAÇÃO DOS VALORES DAS PRESTAÇÕES DEVIDAS NÃO EFETUADA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 333, INCISO I, DO CÓDEX INSTRUMENTAL – SUBSTITUIÇÃO DO DEPOSITÁRIO JUDICIAL DO BEM – INSUBSISTÊNCIA – PERMANÊNCIA EM MÃOS DA DEVEDORA – INEXISTÊNCIA DE MORA PELA DISCUSSÃO DO QUANTUM DEVIDO – PACTA SUNT SERVANDA E INEXISTÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE ENTRE A DEMANDA REVISIONAL E A AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ALEGAÇÕES NÃO VENTILADAS EM PRIMEIRO GRAU – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO – RECURSO DESPROVIDO” – O ingresso de ação revisional de cláusulas contratuais, com o desiderato de rever o devedor cláusulas e acessórios tidos como abusivos, quer na sua imposição, quer na sua quantificação, acarreta a suspensão dos efeitos da mora. Essa suspensão, por sua vez, autoriza a revogação da liminar deferida em precedente ação de busca e apreensão promovida pelo credor, bem como impede a inscrição do nome do mutuário em órgãos de restrição creditícia ” (TJSC, AG nº 2002.008266-5, de Lages, Rel. Des. Trindade dos Santos). Não tendo a parte comprovado o fato constitutivo de seu direito, no momento em que o articulou, desatendido restou o preceito insculpido no artigo 333, inciso I, do Código de Ritos. Não há falar em substituição da devedora fiduciante como depositária do bem alienado quando restou afastada a mora pela discussão judicial do quantum devido e pela consignação dos valores das parcelas devidas em ação de conhecimento. A apreciação das alegações não aventadas em primeiro grau de jurisdição está obstada neste Tribunal, dentro da esfera de seu conhecimento recursal, por importar em supressão de instância. (TJSC – AI 2003.024547-2 – Curitibanos – Rel. Des. Fernando Carioni – J. 19.02.2004) JCPC.333 JCPC.333.I Sublinhamos e destacamos.

[…] O ingresso de ação revisional de cláusulas contratuais, com o desiderato de rever o devedor cláusulas e acessórios tidos como abusivos, quer na sua imposição, quer na sua quantificação, acarreta a suspensão dos efeitos da mora. Essa suspensão, por sua vez, autoriza a revogação da liminar deferida em precedente ação de busca e apreensão promovida pelo credor, bem como impede a inscrição do nome do mutuário em órgãos de restrição creditícia (TJSC, Ag n. 2002.008266-5, de Lages, rel. Des. Trindade dos Santos) Sublinhamos.

96. Outrossim, o bem objeto do contrato em tela constitui-se utilitário fundamental para o exercício das atividades da requerente. Não é difícil compreender que um veículo “VAN” H100 tenha papel crucial para uma empresa cuja atividade implique, necessariamente, o transporte escolar.

95. É público e notório o tratamento geralmente dispensado aos veículos de terceiros que ficam à disposição das instituições bancárias quando depositárias destes. Se não há dano direto, também não há o devido zelo, mesmo porque usualmente os bancos não dispõem de área de segurança específica para a guarda de bens assim, e também porque não lançariam mão de funcionários para a exclusiva tarefa de guardar e manter veículos depositados.

96. Em razão da necessidade que uma parte tem da coisa, e da presumida impossibilidade de manutenção da outra, há que se concluir pela preservação do patrimônio da requerente – que é consumidor e naturalmente pólo mais fraco, pela preservação das atividades econômicas da requerente, que dependem fundamentalmente do bem, e pela proteção do próprio – cuja manutenção e real preservação requer cuidados que só a requerente tem condições e habilidade para provê-los.

97. Vislumbra-se que é incomensurável o prejuízo que a Autora está sofrendo, ante a retirada da posse de seu bem, já que paralisou, ao menos em parte, suas atividades, piorando seu alegado estado de dificuldade financeira, frustrando ainda mais a expectativa da requerida em reaver o crédito de que se julga titular.

98. Tal entendimento não significa, registre-se, qualquer afronta ao negócio celebrado entre as partes. Inclusive, a garantia maior da requerida, que é o veículo, não deixará de existir. Apenas estará em poder da Autora, que inclusive será a depositária judicial, possibilitando que leve adiante sua pequena empresa, até que a lide seja resolvida.

99. Assim que é que se tem decidido nos Tribunais, e inclusive em nosso Estado do Paraná, aliás, até em casos de ações de busca e apreensão fiduciária (onde, para alguns, a apreensão do bem e entrega ao credor é imperativa) tem-se admitido que o devedor fique na posse do bem. E tal entendimento pacífico está consubstanciado no Enunciado nº 20, do CEDEPE, in verbis:

“Nas ações de busca e apreensão calcadas em contrato de alienação fiduciária (DL 911/69), admite-se, em casos excepcionais devidamente justificados, a permanência dos bens alienados em mãos do devedor fiduciário, como depositário judicial, até o desfecho da ação, a fim de evitar o perecimento de atividade laborativa de subsistência ou de interesse social”

100. Para minorar casos semelhantes, tanto a doutrina como os pretórios vêm entendendo que não é “ilegal” a decisão judicial que outorga a “posse precária” ao alienante fiduciário, desde que a apreensão nas mãos do credor venha trazer funestas consequências, com a total paralisação da empresa industrial e o iminente prejuízo.

101. O insígne Vilson Rodrigues Alves – in Alienação Fiduciária em Garantia – ed. Millennium – 1998 – págs. 151 em diante, se posiciona:

Devedor Fiduciante Depositário
Excepcionalmente, pode dar-se de o depósito ser efetivado em mãos do próprio devedor fiduciante. A nível fático, a situação não se altera no que respeita ao poder de exercício físico sobre o bem móvel, mas juridicamente a situação passa a ser outra. Com efeito, em vez de exercer esse poder de fato na condição de possuidor imediato impróprio, ele o faz na qualidade de depositário, inclusive com a responsabilidade a que se reporta o art. 150 do Código de Processo Civil. O que pode justificar essa excepcionalidade é o dado fático-jurídico de, com a apreensão sem depósito em favor do demandado, causar-lhe maior défice jurídico-econômico do que, com ele, se causaria ao demandante. O maior interesse aí, excepciona a regra, como também se passa muita vez no plano restrito do direito material. destacamos

102. Por isso, já se decidiu em douto procedente da Colenda Quarta Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“não é ilegal a decisão judicial que permite permaneçam no trabalho da lavoura, enquanto tramita a ação de busca e apreensão, as máquinas alienadas fiduciariamente, se a perspectiva imediata é de perda total da lavoura.”

103. No mesmo sentido, por idênticas considerações, decidiu-se no Colendo Superior Tribunal de Justiça que:
“as máquinas dadas em alienação fiduciária, indispensáveis ao desempenho das atividades da empresa, podem ficar, agora sob constrição judicial, em depósito com a vendedora.”

104. Além dos precedentes STJ – REsp nº89.588-RS, 4ª T, rel. Min. Ruy Rosado; REsp nº128.048-RS, nº166.363-SP e nº 250.190-SP, 4ªT. rel. Min. Aldir Passarinho Junior; REsp nº130.985-PE, 3ª T, rel. Min. Waldemar Zveiter; REsp nº193.098-RS, 3ª T. rel. Min.Costa Leite. TAPR – Ac.15.017, 4ª Câm., rel. Juiz Sérgio Rodrigues; Ac. nº14.988 e nº15.741, 4ª Câm. rel. Juiz Ruy Cunha Sobrinho; Ac.nº16.833, 4ª Câm., rel. Juiz Costa Barros.), o entendimento do nosso Egrégio Tribunal de Alçada do Estado do Paraná possui entendimento favorável ao ora postulado, conforme se infere dos julgados abaixo colacionados:

Origem do Acórdão: Tribunal de Alçada do Estado do Paraná
Tipo do Processo: Agravo de Instrumento
Número do Processo: 158427000
Comarca de Origem: Terra Roxa
Órgão Julgador: Oitava Câmara Cível
Ramo do Direito: Cível
Data do julgamento: 19-06-2000
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – ARRANCADEIRA DE BATATAS E TRATOR INDISPENSÁVEIS PARA A ATIVIDADE AGRÍCOLA DO REQUERIDO – DEPÓSITO EM MÃOS DO DEVEDOR ATÉ FINAL JULGAMENTO DA AÇÃO – EXCEPCIONALIDADE ADMISSÍVEL POR ESSA MANEIRA, DE MODO CLARO, MERECE PROVIMENTO O RECURSO PARA O FIM DE MANTER O BEM NAS MÃOS DO DEVEDOR, UMA VEZ QUE A R. DECISÃO QUE DETERMINOU A REMOÇÃO DO TRATOR PARA O DEPOSITÁRIO PÚBLICO, ESTA EM MANIFESTO CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTE TRIBUNAL. BEM POR ISSO, PELO DISPOSTO NA LEI E NA JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO PARANÁ, NOS TERMOS DO ART. 557, 1, DO VIGENTE DIPLOMA ADJETIVO CIVIL, DOU PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, INTERPOSTO POR SABINO SCHENATO.
PUBLIQUE-SE E INTIMEM-SE (grifo nosso).
Curitiba, 19 de junho de 2000.
MANASSÉS DE ALBUQUERQUE – Relator

1. Como colhido em inúmeros precedentes da Corte, deferida a liminar, as máquinas apreendidas em ação de busca podem permanecer na posse de arrendatária “enquanto tramita o processo, até o momento da alienação definitiva”.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(RESP nº 228.202-PARANÁ (1999-77092-7 – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – SRT 06/11/2000, julgado em 15/09/2000).

105. Preleciona o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar (RT 717/270):

“Também não há possibilidade de dano irreparável, uma vez que nos autos não foram aventadas as hipóteses de destruição dos bens ou sua transferência para local desconhecido. Retirado o maquinário da posse da empresa, única que dele pode dispor com utilidade e proveito, haveria dado imediato ao normal desenvolvimento da sua atividade criadora de riquezas, sem que disso resultasse benefício ao autor da ação: ao contrário, mais provável é que o desuso determinasse a sua natural deterioração.”

106. O não menos preclaro Ministro Eduardo Ribeiro, em situação assemelhada, já teve oportunidade de asseverar: “No caso ainda concorre circunstância. É que se trata de máquina de que muito dificilmente poderia a devedora dispor, não parecendo, em princípio, haja risco de dano de difícil reparação para o credor. Certo que a lei prevê a busca e apreensão. Entretanto, o caráter drástico da medida pode ser temperado, em certas circunstâncias, para não inviabilizar o direito do devedor de defender. (MC 103-7-PR – 3ª T.).” grifamos

107. Argumente-se, que a autora é uma empresa atuante no município de Ponta Grossa há vários anos, nada tendo que a desabone, o que demonstra total idoneidade financeira, como ficou dito “alhures”.

108. Sob outro enfoque, não se vislumbra no presente pedido (da restituição do veículo – na pessoa da Autora) qualquer prejuízo a administradora, ora Ré, pelo contrário, ficando a Autora na “posse, mesmo precária, a título de fiel depositária” da “VAN” ESCOLAR, inúmeros benefícios irá trazer a Requerida, já que se dará continuidade nos trabalhos, com o transporte de escolares e turismo, capitalizando-se para fazer frente a eventual débito para com a administradora.

109. No RMS nº 5.038-Paraná (RSTJ 79/221) – Quarta Turma – o Ministro Ruy Rosado de Aguiar assim ementou o acórdão: “As máquin

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