Beatriz Lins dos Santos Lima
Acadêmica do 5º ano de Direito
da Universidade Estácio de Sá / RJ
Estagiária da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro,
atualmente lotada junto ao XIII Juizado Especial Cível
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
Processo n.º 2002.000.000000-0
JOÃO DA SILVA, já qualificado nos autos da AÇÃO DE RESSARCIMENTO que move em face de XYZ IMÓVEIS e JOSÉ DAS COUVES, vem, respeitosamente, por intermédio da Defensoria Pública, à vista do Recurso interposto as fls. 70-77, apresentar suas inclusas CONTRA-RAZÕES requerendo o processamento das mesmas, a fim de serem submetidas à apreciação da Colenda Turma Recursal.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 10 de junho de 2003.
BEATRIZ LINS DOS SANTOS LIMA
CONTRA-RAZÕES RECURSAIS
Recorrente: JOSÉ DAS COUVES
Recorrido: JOÃO DA SILVA
Egrégio Colégio Recursal
O Recurso interposto não merece acolhida, devendo ser mantida a r. Sentença recorrida, por seus próprios fundamentos, eis que lançada em conformidade com o ordenamento jurídico pátrio e de acordo com as provas dos autos.
I. Intróito
Trata-se de contrato de compra e venda de imóvel firmado entre Recorrido e Recorrente por intermédio da imobiliária XYZ IMÓVEIS, 1ª Ré.
A fim de garantir a compra do imóvel, pagou o Recorrido o valor de R$ 1000,00 como sinal a título de princípio de pagamento ao 1º Réu, valor este posteriormente repassado ao ora Recorrente.
Posteriormente, arrependeu-se o Recorrente tendo desistido da venda anteriormente pactuada.
Ao saber do arrependimento, o Recorrido envidou esforços junto ao Recorrente a fim de ser restituído do valor pago na qualidade de arras, entretanto, sem lograr êxito, se fazendo imperiosa a proposição da presente demanda.
O douto magistrado prolatou sentença em conformidade com as provas acostadas aos autos no sentido de que deveria o Recorrente pagar ao autor a quantia de R$ 1000,00 atualizada desde agosto de 2001 até a data do efetivo pagamento, acrescida de juros legais de 6% ao ano.
Sem razão, insurge-se o recorrente contra a decisão.
II. Da inexistência de nulidade na sentença
Alega o Recorrente, desesperadamente e sem fundamentos, que a sentença proferida é nula por haver decidido extra petita. Entretanto, razão não lhe assiste.
De fato, o pedido do autor foi pelo ressarcimento do valor das arras em dobro, no total de R$ 2.000,00, sem haver pedido alternativo ou pedido relacionado a juros moratórios.
Não obstante, o art. 456 do CPC dispõe que o juiz ao proferir a sentença deverá acolher ou rejeitar, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor.
Ora, é óbvio que o ressarcimento dos R$ 1.000,00 está incluso no pedido do autor, ora Recorrido, sendo o pedido deste ainda mais abrangente vez que pleiteava o ressarcimento em dobro.
Desta forma, não há que se falar em julgamento extra petita vez que não julgou o magistrado além do pedido do Autor-Recorrido, mas tão somente o considerou em parte procedente, em conformidade com o art. 456 do CPC, não havendo o que se falar em nulidade.
Com relação aos juros de mora, assim dispõe o art. 293 do CPC: ?Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais?.
Assim, nem mesmo os juros moratórios estipulados ensejariam a nulidade da sentença, vez que a lei expressamente dispõe que, mesmo na ausência de pedido neste sentido, os mesmos são plenamente cabíveis.
Ainda neste sentido, a súmula 254 do STF prevê que:
Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação?.
Em caso análogo assim decidiu o TJRJ:
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RECIBO DE SINAL DE REVENDA. NEGÓCIO DESFEITO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE ARREPENDIMENTO, NÃO OBSTANTES AS ARRAS DADAS. VALOR RESTITUIDO NO MONTANTE SIMPLES, EMBORA CORRIGIDO.
Se as partes não estipularem no recibo de sinal de reserva para a compra e venda de imóvel não consumada o direito de se arrepender, as arras dadas não são penitenciais, mas simplesmente confirmatórias, não obrigando, por via de consequência, aquele que as recebeu restituí-las em dobro, senão apenas no montante simples, embora com juros e correção monetária. Apelo provido parcialmente.
(APELACAO CIVEL; Processo: 1996.001.04745; Data de Registro : 23/11/1996; TERCEIRA CAMARA CIVEL; DES. GABRIEL CURCIO
Julgado em 15/10/1996)
(grifos nossos)
Portanto, demonstrado está pela letra da lei, pela jurisprudência e pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal que inexistiu no caso sub judice julgamento extra petita.
III. Da desistência da venda por parte do Recorrente após haver recebido as arras
Conforme já exposto, o Autor-Recorrido efetuou o pagamento das arras ao 1º Réu que repassou o dito valor ao Recorrente, tendo, ainda, acordado que o restante do preço ajustado de R$ 29000,00 seria pago por meio de financiamento da CEF.
Tendo tido problemas na obtenção do referido financiamento, o Recorrido comunicou o fato à 1ª Ré, tendo se movimentado no sentido de resolver o percalço o mais brevemente possível.
Qual não foi a sua surpresa ao tomar ciência através da 1ª Ré que o Recorrente não mais pretendia vender o imóvel, ou seja, teria o Recorrente desistido da venda.
Face a notícia, mesmo a contra-gosto, vez que pretendia comprar o imóvel, viu-se o Recorrido obrigado a aceitar a decisão tomada pelo Recorrente.
Entretanto, como não dera causa a rescisão do contrato, mereceria ter o Autor-Recorrido o valor das arras restituído in totum, em conformidade com o art. 1096 do CC de 1916.
Sabendo-se culpado pelo inadimplemento do contrato, ab initio concordou o Recorrente na devolução das arras, no entanto, posteriormente, na certeza da impunidade, decidiu não mais devolver o valor.
Mister salientar que a alegação constante no item Segundo das Razões Recursais segundo a qual o Recorrido não mais tencionava o adimplemento do contrato por haver telefonado a este solicitando tão somente a devolução do sinal é por demais frágil, não merecendo prosperar.
Isto porque já estando o Recorrente decidido a não mais vender o imóvel, obrigatoriamente teria o Recorrido que se conformar com a situação, nada mais podendo exigir do que a devolução das arras. É questão de lógica.
Desta forma, sem ao menos saber das pendências do Recorrido junto a CEF, desistiu o Recorrente da alienação do imóvel, conforme explicitado na sentença guerreada que reflete a nítida verdade dos fatos:
?não houve comprovação junto ao 2º Réu (ora Recorrente) da impossibilidade do negócio pelo Autor.?
Assim, afastada esta a hipótese de aplicação do art. 1097 do CC de 1916, vez que não deu causa o recorrido à rescisão do contrato, tendo esta ocorrido por culpa e vontade exclusiva do recorrente.
Na pior das hipóteses, em caso de não possibilidade de efetiva aferição de culpa, por ser medida de justiça, da mesma forma deveria haver sentenciado o magistrado no sentido da devolução das arras in integrum ao Recorrido, conforme decisão do TJRJ:
CORRETAGEM. IMOVEIS. ARRAS DADA A CORRETOR QUE, A SEU TURNO, NAO A TRANSFERIU AO CLIENTE, VENDEDOR DO IMOVEL. RESPONSABILIDADE DO CORRETOR PELA SUA DEVOLUCAO.
1. Arra confirmatoria, em principio, torna obrigatorio o contrato (art. 1.046, Civil). Todavia, a doutrina tem entendido que se o negocio não se aperfeiçoa e se torna impossível averiguar quem deu causa ao desfazimento do negocio, as partes voltam ao statu quo ante obrigando-se aquele que recebeu o sinal a devolve-lo a quem o deu. 2. Posto ser a corretagem contrato de intermediação, contudo, se o corretor recebe o valor do sinal e não o transfere ao cliente, proprietário do imóvel proposto `a venda,obriga-se ele próprio, corretor, a devolve-lo, sob pena de se enriquecer sem causa. 3. Apelo provido neste sentido.
(APELACAO CIVEL; Processo: 1995.001.01649; Data de Registro: 06/10/1995; SEXTA CAMARA CIVEL; Votação: Unânime; DES. GUSTAVO KUHL LEITE; Julgado em 29/06/1995)
(grifos nossos)
IV. Da venda do imóvel a terceiro
Como restou sobejamente provado nos autos, não mais quis o Recorrente vender o imóvel ao Recorrido, tendo-lhe comunicado tal fato através da 1ª Ré e alienado o imóvel a terceiro, sem contudo haver devolvido as arras, em conformidade com o art. 1096 do CC de 1916.
V. Da relação de consumo
Mais uma vez demonstrando o caráter meramente procrastinador do presente recurso, vem o Recorrente alegar a inexistência de relação de consumo neste caso concreto.
Ora, isso sequer foi matéria da sentença, não tendo o douto magistrado fundamentado sua decisão em quaisquer dos dispositivos do Código do Consumidor, não havendo sido aplicada à lide a inversão do ônus probatório, tendo o juízo se manifestado de acordo com as provas acostadas aos autos e seu livre convencimento.
VI. Da incidência dos juros de mora desde agosto de 2001
Com muito acerto restou sentenciado que o valor das arras deveria ser restituído ao Recorrido com a incidência de juros de mora de 6% ao ano a contar desde agosto de 2001, vez que de outra forma ocorreria o enriquecimento ilícito do Recorrente que esta desde 19 de janeiro de 2001 com este valor, pertencente ao Recorrido, em seu poder.
Assim, nada mais justo e em conformidade com a equidade que deve sempre ser observada por nossos magistrados do que a fixação para início dos juros de mora em agosto de 2001, data esta em que já havia o imóvel sido alienado para terceiro.
Ante o exposto, fica evidente o direito do Recorrido, devendo a r. Sentença ser confirmada pelos seus próprios fundamentos como medida de direito e de justiça.
Rio de Janeiro, 10 de junho de 2003.
BEATRIZ LINS DOS SANTOS LIMA
Fonte: Escritório Online