Parecer – ISS sobre hospedagem de sócios de clube

PARECER

O CLUBE…. nos dá a honra de consultar quanto à legalidade ou não do procedimento da Prefeitura Municipal da Estância Balneária de Ilhabela, que expediu as notificações de lançamentos de ISS e multas em razão da atividade da consulente, consistente na hospedagem de seus sócios-proprietários e guarda de suas embarcações.

Esclarece a consulente que dispões de alojamentos, restaurante e garagem para guarda de barcos, mas de uso exclusivo de seus 157 sócios e dependentes, mediante o rateio de despesas mensais pagas pelos sócios. Não presta serviços de quaisquer espécie a terceiros.

Para perfeito esclarecimento da matéria consultada formula as seguintes questões:

1 ? O Clube está ou não isento ou imune do pagamento do ISS por guarda de embarcações e hospedagem? E sobre o restaurante? Por quais fundamentos legais?

2 ? Deve ou não o Clube pagar as dívidas mencionadas nas notificações da Prefeituras sobre o “faturamento”, como consta da notificação?

3 ? Deve o Clube aguardar a cobrança executiva para embargar, ou propor antecipadamente ação anulatória dos débitos fiscais ou declaratória de inexistência de débito fiscal?

4 ? Qual o prazo para a propositura e qual o dia inicial do curso do prazo?

PARECER

O ISS, implantado com fundamento no art. 15 da EC nº 18/65, tem natureza nitidamente mercantil, pois incide sobre a circulação de bens imateriais, ou seja, incide sobre venda de serviços.

Por isso, absolutamente equivocado o posicionamento daqueles que entendem que o referido imposto grava o serviço especificado na lista anexa ao DL nº 406/68, alterada pelo DE nº 834/69, hoje, substituída pela lesta referida na LC nº 56/87. Na realidade, o ISS grava a venda desses serviços. O imposto incide sobre a prestação onerosa desses serviços.

Efetivamente, prescreve o art. 8º do DL 406/68 :

O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa.

Logo, o sujeito passivo do imposto só pode ser a empresa ou profissional autônomo.

Empresa outra coisa não é senão uma unidade econômica organizada, mediante utilização de recursos pessoal (pessoas) e material (capital), com um ou mais estabelecimentos vinculados entre si, com o objetivo de desenvolver alguma atividade lucrativa. E essa atividade há de ser contínua e ininterrupta, pois ninguém funda uma empresa para prática de atos isolados de prestação de serviços. Da mesma forma, profissional autônomo tem na sua profissão, implicitamente, a habitualidade. Não pode existir, por exemplo, a figura do advogado ou do médico eventual prestando serviços profissionais sem o caráter de continuidade. Daí porque a habitualidade é elemento essencial no exame deste imposto.

Por isso, para a incidência do ISS pressupõe a instauração de uma relação jurídica, de natureza onerosa, entre duas pessoas: o prestador do serviço e o tomador desse serviço. Não existe a figura de prestação de serviço a si próprio. E também, irrelevante do ponto de vista tributário a prestação de qualquer serviço especificado na lista, sem o caráter mercantil.

Assim, não há que se falar em incidência de ISS pelo serviço de datilografia executado pelo filho, a favor do pai, advogado, a título de colaboração.

No caso, a consulente é uma associação civil, sem finalidade lucrativa, visando recreação, alojamento dos sócios, prática e incentivos de esportes náuticos, conforme o art. 1º e seus Estatutos Sociais.

Para a consecução dessa finalidade estatutária a consulente mantém em sua sede alojamentos, restaurante e garagens para guarda de embarcações de seus sócios-proprietários, limitados ao máximo de 157 pessoas físicas, conforme art. 3º de seus estatutos.

Nos termos do art. 10 dos estatutos são direitos dos sócios dentre outros: utilizar os alojamentos, gratuitamente, durante as temporadas de férias, utilizar os serviços de náutica e obter vaga para estacionamento de embarcação, desde que haja espaço disponível, observadas as condições estatutárias e regulamentares.

Nos termos do art. 20 dos estatutos cada sócio-proprietário deverá pagar uma contribuição social mensal para despesas de manutenção do clube, previamente orçadas e aprovadas em Assembléia Geral. E, ainda, dispõe ainda, o art. 21 de seus estatutos, em atendimento ao elementar princípio da isonomia, que os sócios com direito a utilização de espaço para guarda de sua embarcação pagarão, além da contribuição social antes referida, a contribuição náutica que corresponde ao rateio do orçamento de despesas a esse título, por m2 do espaço ocupado pela embarcação, orçamento esse aprovado por Assembléia Geral.

Como se vê, a consulente não presta serviços a terceiros, nem mesmo de forma esporádica. Limita-se a propiciar condições e comodidades exclusivamente a seus membros e familiares para a consecução do objetivo estatutário. Essa associação civil, destinada ao desenvolvimento da prática de esportes náuticos, não teria razão de existir, se seus membros tivessem que se hospedar em hotéis das proximidades e alugar uma garagem para guarda de suas embarcações nas cercanias da entidade consulente, acaso existente.

Daí porque, essas atividades de prestação de serviços exclusivamente a seus sócios (alojamento, fornecimento de refeições, guarda de embarcações), mediante rateio proporcional das despesas fixadas em Assembléia Geral, não podem ser consideradas como serviços prestados a terceiros e, muito menos, de natureza mercantil.

A relação jurídica que se instaura entre a associação e seus sócios não tem natureza mercantil, pois do contrário não haveria razão para a reunião de pessoas vocacionadas para o esporte náutico, em torno de uma entidade civil.

Já tem decidido, reiteradamente, o STF que os serviços prestados por associações civis a seus sócios ou empregados não implica incidência do ISS. Somente quando presta serviços, habitualmente, a terceiros é que essas entidades se sujeitariam ao imposto. Senão vejamos:

“EMENTA ? ISS. Serviços prestados por Associações Civis recreativas a seus sócios ou a seus próprios empregados: estacionamento e fisioterapia.

Correção monetária: Repetição de indébito.

A jurisprudência do STF, quanto a serviços prestados por Associações Civis Recreativas, tem-se orientado no sentido de que se tais empresas prestam serviços a terceiros, obtendo lucro, no que diz respeito a tais serviços incide o ISS, pois, sob esse aspecto se equipara a empresas. Sendo, porém, os serviços destinados a atender seus próprios sócios, e mesmo a empregados da entidade, mas com vistas a própria realização de suas finalidades, sem objetivo de lucro, não há incidência daquele tributo.

Assim, o serviço de estacionamento do Jockey Club de São Paulo, destinado aos próprios sócios e os de fisioterapia também a estes destinados e utilizados por empregados da Associação, com vistas a própria finalidade desta, sem objetivo de lucro, não estão sujeitos ao ISS.

Precedentes.” (RE nº 107009, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 12-02-88, p. 1990 ? v.doc. 1)

“EMENTA ? TRIBUTÁRIO. Imposto sobre Serviços. Estacionamento pago de veículos, mantido por sociedade civil para uso de associados, na própria sede

social e em local próximo. Inexistência do intuito econômico, implícito na cláusula “por empresa ou profissional autônomo”, lida tanto no art. 71 do Código Tributário Nacional quanto no art. 8º do Decreto-lei nº 406, de 31.12.68, normas gerais de direito financeiro sobre a matéria. Tributo indevido”.(RE nº 87.890-4, ementário nº 1144-2 ? v. doc. 2)

“EMENTA ? Imposto sobre serviços. Fato gerador. Clube recreativo. Baile com venda de ingressos ? Não constitui fato gerador do tributo a realização de bailes, como diversão pública, e mesmo com o pagamento de ingressos, por clube associativo, desde que o seja em caráter esporádico, pois a atividade imponível deve revestir caráter de habitualidade ? Recurso extraordinário não conhecido. (RE nº 99.682-6, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 14-10-83, ementário nº 1312-3 ? v.doc. 3).

Exatamente, em função da natureza não mercantil dos serviços prestados, pela consulente a seus associados, a Prefeitura Municipal da Estância Balneária de Illhabela havia aprovado o correto entendimento de que ela estava isenta do ISS, em relação a hospedagens, conforme correspondência datada de 20-07-90. Esse entendimento escorreito harmonizava-se com a sua legislação interna, com a doutrina e com o jurisprudência de nossos tribunais.

Agora, não se sabe porquê razão, essa mesma Prefeitura enviou notificações à consulente, cobrando o ISS dos exercícios de 1996 a 1999, a título de hospedagens e guarda de bens, com base em valores arbitrados segundo sua legislação interna e com acréscimo de “multa por sonegação”.

EXAME DAS NOTIFICAÇÕES DE LANÇAMENTO

Da nulidade formal

Simples exame ocular está a demonstrar absoluta nulidade formal das notificações de lançamento, que limita-se a esclarecer que as atividades de hospedagem e guarda de bens têm previsão de incidência do ISS no CTN e na Lei Municipal nº 757/98, sem apontar o dispositivo legal específico a fim de possibilitar o pleno exercício do princípio do contraditório e da ampla defesa de que cuida o art. 5º LV:

“Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ora, se a legislação municipal de Ilhabela adotou a tese da taxatividade da lista de serviços para definição do fato gerador do ISS, conforme se depreende do art. 44, da Lei nº 757/98, impunha-se a expressa indicação do item de serviço tributado, levado em conta nos lançamentos, sem o que, impossível a ampla defesa.

Verifica-se através dos exames exaustivos dos 98 itens catalogados no art. 44 que não existe o serviço de guarda de embarcações. O que existe é o serviço de guarda de animais (item 9) e o serviço de guarda e estacionamento de veículos automotores terrestres (item 56).

A própria lei municipal deixou à margem do campo de incidência do ISS o serviço de guarda de embarcações, pelo que não poderia tributar, nem mesmo em relação a empresas que explorassem tais serviços em seu território.

No que tange a hospedagem nas dependências do consulente, também não tem enquadramento em quaisquer dos itens de serviços especificados no referido art. 44.

O item 97 da lista, não invocado na notificação de lançamento faz referência a “hospedagens em hotéis, motéis, pensões e congêneres”. Ora, a consulente não se caracteriza como hotel, motel ou pensão, e nem se assemelha a atividade desempenhada pelos citados estabelecimentos em caráter comercial.

Outrossim, se a lei municipal entendeu de elencar os serviços tributáveis, na linha da taxatividade da lista anexa a LC nº 56/87, teria que nominar quais são os serviços congêneres referidos naquela lei complementar, que é lei sobre leis de tributação.

Melhor esclarecendo, a lei complementar que não cria o tributo, mas define o fato gerador permitindo, no caso, a inclusão de serviços “congêneres” em determinados itens especificados, está a facultar a introdução pela lei de tributação (lei municipal) de serviços devam considerar-se abrangidos naquela expressão “congêneres”. Por isso, dissemos em nossa obra:

“Uma coisa é a analogia estabelecida na lei sobre leis de tributação e outra coisa bem diversa é o fato de a analogia estar contida na lei tributária. Cabe a lei municipal instituir o ISS, descrevendo seu fato gerador inspirando-se ou não na lista da lei complementar. Caso entenda o legislador de estatuir o critério de nominação de todos os serviços tributários devem ser especificados quais os serviços “congêneres”, naqueles itens em que a lei complementar outorgou tal faculdade” (Direito Financeiro e Tributário; Atlas, 7ª ed, 2001, p. 338).

Outrossim, conforme prescrito no art. 108, I do CTN a analogia não poderá ter aplicação no campo do direito material, por força do princípio da reserva legal e da tipicidade fechada (art. 150, I da CF e art. 97 do CTN).

Por isso mesmo, como assinalamos na nossa obra, o próprio § 1º do citado art. 108 do CTN dispõe que “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei” ob. cit. p. 348.

Por conseguinte, nulo é o lançamento por não contar a expressa indicação dos dispositivos legais que ensejaram a tributação pelo ISS, que não se confunde com os dispositivos legais pertinentes ao arbitramento da base de cálculo do imposto constante da notificação do lançamento.

Da nulidade material

Todo lançamento tributário há de fundar-se na legislação tributária aplicável da entidade tributante.

A lei do Município de Ilhabela, Lei nº 757/98, não contempla tributação pelo ISS de serviços prestados por Associação Civil a seus associados. Tributa apenas as empresas prestadoras de serviços ou as elas equiparadas pela habitualidade na prestação de serviços onerosos, isto é, com propósito lucrativo.

A relação jurídica que se instaura entre a associação consulente e seus sócios proprietários não é uma relação de natureza mercantil a importar incidência do ISS, mas mera relação de direito civil.

Os sócios não pagam preços de serviços à sua própria entidade, mas rateiam as despesas orçadas e aprovadas por assembléia geral, na proporção da utilização de suas dependências (hospedagem e guarda de embarcações). Do contrário não haveria razão para se associar-se.

Hospedagem dos sócios proprietários nas dependências da Associação Civil não é atividade tipificada na lei municipal e muito menos a guarda de embarcações.

Na ausência de norma específica lançamentos foram efetuados com base nos itens de serviços pertinentes a hotéis, motéis e pensões.

Com relação a guarda de embarcações foi invocado o serviço consistente na guarda de bens que sequer consta da legislação municipal e nem poderia constar dada a amplitude conceitual que abrange a guarda de jóias, de papéis, de títulos, dinheiro, de móveis e utensílios, de peixes, semoventes.

A esse título a própria lei, como dito anteriormente, restringiu à guarda de animais e de veículos automotores terrestres, o que coloca fora do campo da incidência a guarda de embarcações.

REPOSTAS ÀS QUESTÕES

1 ? A consulente em face da Constituição Federal, Código Tributário Nacional, Lei nº 757/98 do Município da Estância Balnearia de Ilhabela não é contribuinte do ISS. Não há prestação de serviço a título oneroso a terceiros, mas apenas a seus sócios proprietários mediante rateio de despesas orçadas e aprovadas pela Assembléia Geral. E mais, serviços de guarda de embarcações e hospedagens em clubes da espécie sequer constam da lista de serviços do art. 44 da Lei nº 757/98.

O mesmo acontece em relação ao fornecimento de refeições aos sócios da consulente.

2 ? A consulente não deve pagar o imposto e a multa constantes das notificações de lançamentos pelas razões acima.

3 ? Medida mais adequada é a propositura imediata de ação ordinária de anulação de lançamento, independentemente de depósito referido no art. 38 da Lei nº 6.830/80, por não se tratar de discussão de dívida ativa. Nada impede que se aguarde a execução fiscal para opor exceção de pré-executividade ou embargos à execução.

4 ? A ação acima preconizada pode ser proposta imediatamente, antes da inscrição na dívida ativa, a fim de evitar o depósito do montante cobrado.

Fonte: Escritório Online

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