Pedido de autorização judicial para interrupção de gravidez por feto anencéfalo – Revisado em 18/11/2019

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(a) de Direito da __ Vara Privativa do Júri da Comarca de Salvador – Bahia.

_________., brasileira, solteira, maior, professora, portadora do R.G nº xxxxxxxxxxxxxxx, CPF xxxxxxxxxxxxxx residente e domiciliada na Rua xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, no bairro do xxxxxxxxx, nesta Capital, por conduto do Defensor Público que esta subscreve, constituído na forma do instrumento de mandato inserto (doc. 01), podendo ser intimado para a prática dos atos processuais no endereço constante em rodapé, vem ante V.Exa. requerer

AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ POR FETO ANENCÉFALO

pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:

DE PLANO,

requer a V.Exa. que seja concedida tramitação prioritária e em caráter de urgência urgentíssima, em face da gravidade da situação, a por em risco, inclusive a saúde e integridade física da demandante, como atestam os relatórios firmados por esculápios acostados;

DOS FATOS

A peticionária vive maritalmente há mais de 02 (dois) anos em sociedade conjugal, coabitando e no propósito de constituírem família, com o Sr. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, ex vi documento próprio em anexo;

Em assim sendo, face à veemência e identidade do escopo, a notícia da gestação da requerente chegou envolta de efusivos votos de felicidades e contentamento, aliados aos planos costumeiros, mas não por isto desimportante, decorrentes quanto ao sexo e nome daquele que se constituiria o primeiro descendente dos vindicantes;

Instada a fazer o primeiro exame ecográfico, no mês de xxxx próximo passado, iniciaram os momentos plúmbeos da peticionária, posto que ali já apontava resultado aziago, quando informa:

“Diâmetro bi-parietal: não visualização da calota craniana no presente estudo.”
“Gestação de aproximadamente 12 semanas ao ultra-som. Sugere-se controle ecográfico para melhor avaliação dos achados acima (comumente associados a triploidia).”
(Gizamos)

Atendendo a aconselhamento da médica que firma o primeiro exame de ultra-som, voltou a especialista nesta data, agora na Clínica de Imagem Especializada do Dr. __________, que diz:

“Observamos saco gestacional único, de implantação fundica, contendo em seu interior feto vivo e ativo, medindo 88.0mm de diâmetro correspondente a 15.0 semanas.
Ausência total de calota craniana, as estruturas encefálicas e mesencefálicas apresentam-se destruídas.”
(Grifamos)

Para concluir:

“1. gravidez tópica de 15 semanas. 2. Anomalia do tubo neural (anencefália)” Nossos grifos

Na busca de maiores informações sobre a novidade que a situação se constitui para os peticionários, foram cientificados, pelos médicos que os atenderam da impossibilidade de sobrevida do feto, caso não morra ainda no saco uterino, após a segunda hora do nascimento;

Relatados lhes foram também, que não raro, gravidez de tal porte gera acentuado risco à vida da gestante. Perigo ao qual não pretendem incorrer, em face de que tal óbice não será freio para tentarem mais uma vez a busca de prole, como selo dos nobres sentimentos que nutrem entre si os requerentes;

DO DIREITO

Entre os princípios constitucionias que o Direito Penal Pátrio respeita, abraça e pugna pela observância é o da Dignidade da Pessoa Humana, que “por ser um valor supremo obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invoca-la para construir a teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana.”, como nos asseveram Gomes Canotilho e Vital Moréia, in Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 1099. In: O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pág. 39.

No caso vertente, olvidar a respeitabilidade de tal princípio seria impingir aos autores o constrangimento, a dor, vivenciarem a expectativa vã do aguardo de uma gestação que não traz fruto para conhecer a vida, uma vez que em nascendo não chegará a ultrapassar a segunda hora de existência, por impossibilidades orgânicas de não deter cérebro;

Ademais, quando analisada a situação na visão única da peticionária – porque será ela quem mais irá enfrentar a dor – não se perfaz de justo, muito menos Digno, obrigá-la a manter uma gravidez, de risco considerável à sua saúde, sabendo-se de antemão o destino do concebido, nestas circunstâncias, aliando o quanto seus sonhos, sentimentos maternais estarão expostos à laceração com a gestação que culminará no seu recesso ao lar, tendo aos braços nada mais que o vazio;

Cumpre relacionar que a gravidez, especialmente a primeira, toca a todos os envolvidos – pais, parentes e amigos do circulo social – na ânsia volitiva de congratular com o neonato e seus genitores nos desejos mais saudáveis e alvissareiros, a envolver todo tipo de sentimentos, a se resumirem no que denominamos de felicidade;

O Dr. Edílson Mougenot Bonfim, in “Direito Penal – Parte Geral”, Edt. Saraiva, pág. 116 usque 117, quando trata do relevo dos Princípios Constitucionais, no caso do da Dignidade Humana, muito mais que à obediência a um comando de lei, reporta a lição de Ceso Antônio Bandeira de Mello que dita:

“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”

E conclui:

“…quando o tipo penal ou sua aplicação, cumprindo a função de controle social, desvincular-se totalmente da realidade, sem dar importância para a existência de algum dano efetivo ou lesão social, padecerá irremediavelmente do vício de incompatibilidade vertical com o princípio constitucional da dignidade humana.”

O Diploma Penal Substantivo Brasileiro, ainda infestado com as mazelas do preconceito, da moral religiosa, esta calcada em pilares arenosos, não permite o conforto aos requerentes de solucionarem a questão, tomando por espeque seus desejos e a audição do especialista, impondo o pronunciamento do Poder Judiciário, além de exigir das partes fragilizadas com o drama orgânico, agora penarem com a burocracia das unidades cartorárias, derivada do nosso processo penal;

No campo das discussões jurídicas, o tema é palpitante, haja vista como pondera, com clareza alabastrina o Dr. Lélio Calhau, in artigo publicado na website www.direitopenal.com, sob o título “Anencefalia e aborto: uma conexão necessária”, quando registra:

“Na referida ação, a CNTS pede que seja dada interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal Brasileiro. Estes artigos penais tratam do crime de aborto, e a ação visa permitir a interrupção de gravidez de filhos anencéfalos. O pedido é feito com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, bem como o direito à saúde. Ou seja: o Poder Judiciário não está sendo chamado para criar nenhuma regra jurídica, mas, em verdade, estabelecer um critério de interpretação para as normas penais que tratam do crime de aborto.”

Para concluir:

“Li ontem um texto onde se critica a posição da Igreja Católica no caso. Ora, a Igreja Católica, bem como todas outras entidades religiosas ou não têm o direito de se manifestar. O que não pode ocorrer é se confundir na questão o direito com religião. Não está em jogo se o caso é pecado ou não. Talvez essa confusão (que tem ocorrido com frequência na política) seja responsável por muitos erros que ainda vamos ter que assistir.”

Para respaldar o quanto aqui articulado trazemos à colação cópia da decisão do Exmo. Sr. Dr. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Min. Marco Aurélio, na Medida Cautelar de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, julgada em 01 de julho de 2004;

São palavras do Sr. Ministro, em peroração antecedente ao seu voto luminar quando esclarece:

“Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina.”
(Grifos nossos)

DO PEDIDO

Pelo exposto, com supedâneo no art. 5º, da Constituição Federal e no art. 128 do Codex Penal Substantivo, requerem a V.Exa., após oitiva do Insigne Representante do Ministério Público que se digne de julgar pela

P R O C E D Ê N C I A

do pedido, determinando a expedição do ALVARÁ AUTORIZATÓRIO, a fim de que a primeira demandante, Sra. _______, já devidamente individuada, possa se submeter ao ato cirúrgico apontado, no HOSPITAL XXXXXXXXXXXXX, com o profissional médico especializado que lhe acompanha, restabelecendo assim, com altivez e sensibilidade os direitos dos peticionários, além de proteger a integridade moral e psicológica da peticionária e das famílias envolvidas, impedindo que conheçam riscos físicos, no âmbito da medicina como bem colocado pelo Excelso Ministro da Suprema Corte Nacional, em culto ao princípio constitucional da dignidade humana.

Nesses Termos.

Pede e Espera Deferimento.

(Local, data e ano).

(Nome e assinatura do advogado).

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