Sentença de prisão civil contra depositário infiel de veículo

Murilo Amado Cardoso Maciel
Juiz de Direito em Goiânia

CONCLUSÃO

Conclusos ao MM.Juiz de Direito da Primeira Vara Cível,
Dr.Murilo Amado Cardoso Maciel, em …. de ……… de …….

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Escrivão

Autos nº ……..

Protocolo nº………………..

DESPACHO:

EMPRESA ….. LTDA., pela petição de fls. 204/205, postula neste Juiz a revogação definitiva da prisão de seu Representante legal, em face da decisão do STJ. Juntou cópia do Acórdão.

Por primeiro, teço algumas considerações a respeito da prisão civil, em lições colhidas de PAULO MIGUEL DE CAMPOS PETRONI, juiz do 21º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo (via Internet):

“No campo criminal há a reclusão e a detenção, sendo bem mais grave a primeira. Só os juízes criminais podem decretar prisão preventivamente, requerida por promotores ou delegados. Já a prisão em flagrante pode ser feita por qualquer pessoa, que conduzirá o preso imediatamente para a autoridade policial mais próxima, acompanhada de testemunha.

Não temos mais em nosso Direito a prisão administrativa, que podia ser determinada por autoridades administrativas, como por exemplo o Ministro da Fazenda.

No Direito Civil também há prisão, como no art. 41 do Decreto-lei 911/69, sobre alienação fiduciária, e no art.904 do Código de Processo Civil, por até um ano, para depositário infiel. No caso de não pagamento de pensão alimentícia, a prisão consta do art. 733 do mesmo código, sendo o limite máximo de três meses. O velho Código Comercial igualmente menciona a prisão, em mais de um dispositivo.

Outra hipótese de prisão fora do Direito Penal pode ocorrer quando alguém resiste à ordem de penhora de bens, art. 662 processual. Há também prisão nos arts.885 e 886 do referido código, em processo de apreensão de títulos.

Como se vê, temos várias possibilidades de prisão por motivos civis. Acima disso, a Constituição Federal, no art. 51 inc. LXVII estabelece que não haverá prisão civil por dívida, salvo quando não paga pensão alimentícia, ou para depositário infiel.

Em processos de busca e apreensão de veículos ou outros bens móveis, objeto de alienação fiduciária, os bancos, financeiras ou consórcios costumam pedir em juízo a prisão civil dos devedores, equiparados legalmente a depositários, no caso, infiéis. As defesas habitualmente alegam que a Constituição proíbe a prisão por dívida, havendo ainda o sempre lembrado PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA – CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, de 1969, aprovada no Brasil pelos Decreto Legislativo 27/92 e Decreto 678/92.

Contudo, tal Convenção internacional não tem o alcance que se alega. No inciso 7 do art. 7 está determinado que ninguém deve ser detido por dívidas, sendo que expressamente esse princípio não se aplica a devedor de pensão alimentícia. Por outro lado, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos já decidiu que a prisão civil de depositário infiel não está vedada pelo Pacto, não se considerando isso prisão por dívida.

Quem compra carro de banco, financeira ou por consórcio, com alienação fiduciária, se não pagar e não devolver o bem, pode ser preso por até um ano. Está equiparado a depositário infiel.

Portanto, há muito tempo não existe a desumana e odiosa prisão por dívida, mas ao contrário do que muitos pensam, a prisão civil continua existindo na Constituição e em outras leis. E é aplicada diariamente”.

pois bem.

A prisão decretada pelo Em. Juiz Dr. …………………, nestes autos, fl.135, acabou desfeita por Decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme noticiou a Ré, e tal como demonstra a documentação carreada. Por isso não há o que deferir, nem o que revogar, se revogado está o despacho atacado.

No entanto é certo que levando-se em conta que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos já decidiu que a prisão civil de depositário infiel não está vedada pelo Pacto, não se considerando isso prisão por dívida, não resta dúvida que tal prisão poderá ser novamente decretada, em face do que foi exposto. Transcrevo o julgado do SUPREMO:

“Doc.:HC – HABEAS CORPUS – N1: 73044

Data do Julgamento:19/03/1996 EMENTA: “HABEAS-CORPUS” PREVENTIVO. PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL DECRETADA EM AÇÃO DE DEPÓSITO DE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE (ART. 66 DA LEI N1 4.728/65 E DECRETO-LEI N1911/69): ART. 51, LXVII, DA CONSTITUIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA), DECR. Nº 678/92.

ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.

I – Preliminar. Questão nova: prescrição. O Tribunal “a quo” não pode ser considerado coator quanto às questões que não lhe foram submetidas e, neste caso, a autoridade coatora continua sendo o Juiz de primeiro grau: incompetência do Supremo Tribunal Federal.

“Habeas-corpus” não conhecido nesta parte. Precedentes.

II – Mérito.

1- A Constituição proibe a prisão civil por dívida, mas não a do depositário que se furta à entrega de bem sobre o qual tem a posse imediata, seja o depósito voluntário ou legal (art. 51,LXVII).

2- Os arts. 11 (art. 66 da Lei nº 4.728/65) e 41 do Decreto-lei nº 911/69, definem o devedor alienante fiduciário como depositário, porque o domínio e a posse direta do bem continuam em poder do proprietário fiduciário ou credor, em face da natureza do contrato.

3- A prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado no Código Civil como no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária.

4 – Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (‘ 21 do art. 51 da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por esta razão, o art. 71, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica, (“ninguém deve ser detido por dívida”: “este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”) deve ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 51, LXVII, da Constituição.

5- “Habeas-corpus” conhecido em parte e, nesta parte,

indeferido. Indexação: CV1132 , ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA, PRISÃO CIVIL, DEVEDOR, DEPOSITÁRIO INFIEL, EQUIPARAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OFENSA, AUSÊNCIA PP2837 , COMPETÊNCIA JURISDICIONAL (CRIMINAL), HABEAS CORPUS, DECISÃO DE TRIBUNAL, PRESCRIÇÃO, AUSÊNCIA Legislação: LEG-FED CFD-****** ANO-1967 ART-00015 PAR-00017 ****** CF-67 CONSTITUICAO FEDERAL LEG-FED CFD-****** ANO-1988 ART-00005 INC-00067 PAR-00002 ART-00102 INC-00001 LET-I

****** CF-88 CONSTITUICAO FEDERAL LEG-FED LEI-004728 ANO-1965 ART-00066 LEG-FED DEC-000678 ANO-1992

LEG-FED DEL-000911 ANO-1969 Observação: Votação: Por maioria e Unânime. Resultado: Conhecido em parte e indeferido. Veja HC-68582, RTJ-136/230, HC-69254, RTJ-141/570, HC-72131, HC-70625. N.PP.:(30). Análise:(LMS). Revisão:(NCS). Inclusão: 25/09/96, (ARL). Alteração: 11/10/96, (NT). Origem: SP – SAO PAULO Partes: PACTE. : PAULO SANDOVAL MOREIRA IMPTE. : EDNESIO GERALDO DE PAULA SILVA

COATOR : PRIMEIRO TRIBUNAL DE ALCADA CIVEL DO ESTADO DE SAO PAULO Publicação: DJ DATA-20-09-96 PP-34534 EMENT VOL-01842-02 PP-00196 Nome do Relator: MAURICIO CORREA Número do Relator: 159 Sessão: 02 – Segunda Turma”.

Importante lembrar que em decisão retentíssima, em caso análogo, nosso Tribunal de Justiça seguiu o norteamento dado pelo Supremo nesse Acórdão que transcrevo:

EMENTA : ” ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPÓSITO. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. 1 – O fato da inicial mencionar o valor a ser consignado, na hipótese da coisa não ser entregue ou depositada, não transforma a ação de depósito em declaratória, posto que, segundo tem proclamado a jurisprudência, no caso de ação de depósito fundada em alienação fiduciária, ‘o equivalente em dinheiro’ vem a ser o montante do débito. 2 – De outra parte, não ofende a Carta Magna vigente (art. 51, LXVII) a cominação de prisão civil ao depositário infiel, em alienação fiduciária, eis que a mesma recepcionou a legislação ordinária que rege a matéria (art. 66 do Decreto-lei n. 911/69), consoante têm proclamado o Excelso Supremo Tribunal Federal. Apelo conhecido e improvido “. (TJGO Segunda Câmara Cível.-J n 12894 de 22/09/98 p 13 – ACÓRGÃO: 25/08/98 08/25/98-RELATOR: Des Noé Gonçalves Ferreira- Apelação Cível n 46380-4/188).

O que há de ser entendido é que, pela natureza do contrato, o devedor assumiu a condição de simples depositário. E assim, certo é que a prisão poderá ser decretada novamente, fulcrada na motivação exposta.

Manifestem-se, pois, as partes em cinco (5) dias sobre seus interesses na conclusão deste antigo processo.

Int.

Goiânia, …. de …….. de …….

Murilo Amado Cardoso Maciel
Juiz de Direito

Fonte: Escritório Online

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