Por maioria dos votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 100382) a P.S.P., acusado de ter, juntamente com outras pessoas, rendido policiais militares e civis, subtraído armas, munição, fardas, viaturas, libertado prisioneiros e, na sequência, roubado três agências bancárias. A defesa solicitava o reconhecimento de nulidade absoluta da ação penal sob o fundamento de que a primeira instância negou a seu cliente, réu preso, o direito de estar presente na audiência em que seriam ouvidas as testemunhas.
O caso
Armado, em 5 de novembro de 1998, o grupo rendeu e manteve algemados diversos funcionários do Destacamento da Polícia Militar de Ribeirão Claro, no Paraná, ocasião em que subtraíram farda, viatura policial, revólveres, rádio HT, coletes balísticos, cartuchos e algemas. Logo em seguida, P.S.P. e seus comparsas foram até a Delegacia da Polícia Civil local, algemaram os policiais e os civis, rendendo o delegado e o investigador policial, oportunidade em que liberaram da cela um detento e levaram ainda espingarda, carabina e munição.
Em ato contínuo, utilizaram os uniformes e a viatura para realizar mais três roubos nas agências bancárias do HSBC, Banestado e Caixa Econômica Federal (CEF), o que lhes rendeu determinada quantia em dinheiro.
O HC pretendia que fosse reconhecida nulidade absoluta (decorrente de vício insanável) da ação penal ao argumento de que a Vara Federal Criminal de Londrina (PR) indeferiu o direito de P.S.P. ser reconhecido ou não por testemunhas de acusação que seriam ouvidas, por meio de carta precatória, nas duas únicas audiências realizadas nas Comarcas de Jacarezinho (PR) e Siqueira Campos (SP). Atualmente, o denunciado está preso na Penitenciária de Presidente Venceslau, São Paulo, em razão de condenação em outro processo.
Relator
O relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que o habeas corpus não deveria ser concedido. Ele destacou a periculosidade e a audácia do réu, “o que bem justifica a preocupação do juiz de primeiro grau”.
De acordo com o ministro, a questão discutida nos autos já foi objeto de análise pelo Supremo em diversas oportunidades, tendo o tribunal firmado o entendimento de que a ausência de requisição de réu preso para a oitiva de testemunhas realizada em outra comarca constitui nulidade relativa (decorrente de vício sanável). Nesse sentido, destacou julgados de ambas as Turmas da Corte (HCs 83409, 75030 e 66875).
Segundo o relator, o entendimento da Corte é o de que para o reconhecimento de eventual nulidade, ainda que absoluta, é necessária a demonstração do prejuízo. Lewandowski citou o HC 82899. “Desse modo, para que venha a ser reconhecida a nulidade diante da ausência de requisição do réu preso para oitiva de testemunhas, é necessária argui-la em momento oportuno sob pena de preclusão, exigindo-se ainda que haja comprovação do efetivo prejuízo”, disse.
O ministro verificou que a defesa solicitou a presença do réu para a audiência de oitiva de testemunhas de acusação logo após a intimação da expedição das cartas precatórias, “sem, contudo insurgir-se oportune tempore (no tempo oportuno) contra decisão que a indeferiu”.
Conforme Lewandowski, não houve demonstração de que a presença do réu na audiência de oitiva das testemunhas acarretaria um resultado diverso do que o ocorrido. “Em consulta às atas de audiência juntadas pelo impetrante, é possível verificar que a defesa do paciente esteve presente e participou ativamente das audiências, exercendo de forma plena o direito ao contraditório e à ampla defesa”, disse o ministro, ao ressaltar que os advogados formularam diversas perguntas, solicitaram a exibição de fotografias, que posteriormente foram anexadas aos autos a pedido da defesa.
Ricardo Lewandowski considerou correta a decisão do juiz de primeiro grau que negou o pedido de forma fundamentada ao concluir não ser indispensável a presença do réu nas audiências. Além disso, aquele magistrado destacou a proporcionalidade quanto ao deslocamento do réu para as comarcas de Jacarezinho (PR) e Siqueira Campos (SP), com base em possível risco de fuga, bem como o fato de a defesa não ter antecipado nenhum prejuízo efetivo na realização da audiência sem a presença do réu.
“Ainda que se tivesse sido deferido o pedido de requisição do paciente, a presença deste na oitiva das testemunhas não é direito absoluto, uma vez que verificada a periculosidade do réu o juiz pode retirá-lo da sala de audiências e prosseguir a inquirição sem a sua presença, nos termos do artigo 217, do Código de Processo Penal (CPP)”, salientou o ministro. Assim, ele entendeu que a decisão contestada está devidamente fundamenta, tendo sido respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual entendeu que “não há nulidade a ser sanada”.
O ministro Marco Aurélio ficou vencido, ao votar pela concessão da ordem. “Para mim, no caso, se articulado o defeito no processo em tempo oportuno, ou seja, na fase à época do artigo 500, do Código de Processo Penal, hoje 403 do mesmo código, não ocorreu a preclusão”, concluiu.