11 de agosto – Na festa do Direito, cada nome é uma sentença

Se o Direito fosse celebrado como uma festa, Pinheiro Neto levaria os doces, Goffredo da Silva Telles, os salgados, e Evandro Lins e Silva, o refrigerante. Decoração e serviço ficariam a cargo de Celso Lafer e Celso Antônio Bandeira de Mello. Hugo de Brito Machado cuidaria da música e Tércio Sampaio Ferraz Junior ficaria responsável pela divulgação. Ives Gandra da Silva Martins seria o hostess do evento ao lado de Moreira Alves, responsável pela segurança.

No dia 11 de agosto, dia do Advogado e da criação dos cursos jurídicos no Brasil, o Direito não pode reunir, na mesma comemoração, todos esses nomes. Mas pode celebrar as pessoas que fizeram o Direito moderno brasileiro ser o que ele é hoje. “É impossível existir democracia sem o Direito. A aplicação dele é a grande conquista dos 20 anos da Constituição Federal”, avalia o advogado constitucionalista, hoje secretário municipal de Transportes de São Paulo, Alexandre de Moraes.

A construção do que se entende hoje por Direito é um grande quebra-cabeça. Uma peça fundamental é o memorável Rui Barbosa. Depois dele, outros nomes deram sua contribuição, cada qual à sua maneira. Nomear os abre-alas da era contemporânea não é tarefa simples. Mas pode-se citar sem medo protagonistas como Theotônio Negrão — e pode-se retroceder a Noé Azevedo —, Licínio Silva, Lauro Celidônio, Alberto Rocha Azevedo e Raimundo Pascoal Barbosa. São raízes para o que veio depois.

No que toca à principal conquista do cidadão — o respeito aos seus direitos individuais, hoje condensados no extenso artigo 5º da Constituição Federal — a luta não termina nunca e envolve todos os operadores do direito, indistintamente.

Mas coube aos criminalistas a missão de estabelecer os direitos mínimos das pessoas, ao defender acusados de crimes graves e, por isso mesmo, fornecer o paradigma de que não se pode transigir com garantias fundamentais — seja quem for o acusado. Nesse capítulo, um hipotético “Oscar” do atual direito brasileiro seria dividido entre Evaristo de Moraes, Waldir Troncoso Peres, Evandro Lins e Silva, Márcio Thomaz Bastos, José Carlos Dias, Arnaldo Malheiros, Tales Castelo Branco e o jovem Alberto Zacharias Toron. Claro, o elenco não pára por aí.

Essa valorização da pessoa como ator principal a ser defendido pelo Direito ecoa hoje na voz de Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal. É ele que capitaneia as discussões sobre a necessidade de se preservar a todo custo os direitos individuais de cada um, seja mocinho ou bandido, ao lado do não menos importante ministro Marco Aurélio.

A visão de que a pessoa tem de ser protegida contra o poder de Polícia do Estado — poder esse muitas vezes exagerado a pedido da própria população — encontra reforço num xará do ministro Celso de Mello, o professor Celso Antônio Bandeira de Mello.

Especialista na área, Bandeira de Mello defende que o Direito Administrativo não deve servir como ferramenta para ampliar o poder do Estado. Longe disso. Está aí para defender o cidadão. “Qualquer interpretação contrária é equivocada”, rejeita. Ele explica que o Direito Administrativo surgiu na França com o intuito de proteger o cidadão. Para Alexandre de Moraes, o resultado de todo esse trabalho está condensado no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que trata da administração pública. “A Administração pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao seguinte:” — seguem-se quase tantos incisos e parágrafos quanto os que seguem o caput do artigo 5º.

Uma ressalva — entre muitas outras — é a que deve observar que grandes pensadores nem sempre são bons executores. Ou seja, um bom doutrinador não será necessariamente um grande estrategista na hora de aplicar a própria doutrina. Assim, o criminalista Márcio Thomaz Bastos pode não passar para a história como um formulador de teses jurídicas. Mas se você precisar de um bom advogado para defendê-lo, os papas do direito não são recomendáveis. O ex-ministro é. No sentido oposto, haverá monumentos como Goffredo ou Raimundo Faoro — grandes filósofos e pensadores. Mas, precisando deles, prefira seus pareceres. E ainda bem que é assim. Afinal, nos mais de seis mil municípios do país, o que os brasileiros mais precisam é de advogados que saibam advogar. Já nos tribunais, valem os teóricos do Direito.

Claro que o ideal é o meio-termo. Alguns operadores do Direito chegaram bem perto disso, como Arnoldo Wald, Celso Mori, Ives Gandra, Silas Tozzini, Manuel Alceu, Erasmo França, Priscila Correa da Fonseca, Pedro Marrey, Fábio Lilá e Perla Moherdaui.

Na boca do povo

Entre as garantias fundamentais do cidadão, a Constituição Federal de 1988 enumera a inviolabilidade da correspondência e das comunicações. Esse direito — que, assim como qualquer outro, não é absoluto — tem sido cada vez mais mitigado. Grampos telefônicos estão na moda, assim como a interceptação dos e-mails.

A periculosidade da tese se faz mais presente considerando a publicidade que podem ganhar provas obtidas com a interceptação de e-mails. Aí, entra o papel da imprensa que, para muitos, é exercido na contramão do Direito. “Dói verificar que sempre que se procura insistir na defesa do cidadão, a imprensa se coloca no sentido contrário. Eu não acredito em opinião pública. Ela é a opinião da imprensa. As pessoas dão voz a aquilo que leram no jornal ou viram na televisão”, diz Celso Antônio Bandeira de Mello.

A imprensa pode ser inimiga dos acusados. Mas nem sempre. O advogado criminalista Evandro Lins e Silva soube como ninguém usar a imprensa. Ele atuou em um dos mais memoráveis crimes passionais do Brasil — o assassinato da socialite mineira Ângela Diniz pelo playboy Doca Street.

Teoria e prática

O Direito hoje é um dos cursos mais procurados por estudantes. O número de faculdades de Direito já passou do milhar e não para de crescer. A popularização do curso jurídico começou com a voz de Goffredo da Silva Telles ao ler a sua Carta aos Brasileiros, num 8 de agosto, há 31 anos. É ele o responsável pelo momento histórico na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que até hoje é celebrado pelos estudantes.

O doutrinador brasileiro mais respeitado pela comunidade jurídica internacional é Miguel Reale. A sua teoria tridimensional influi no dia a dia dos operadores do direito e de qualquer cidadão que deles precise se valer. Para Reale, que faleceu há pouco, o Direito é a combinação do fato, seu valor e a norma. Só a combinação perfeita dos três pode levar à aplicação do Direito justo.

No campo das interpretações, um nome que não pode ficar de fora é o de Theotônio Negrão. Sua interpretação da legislação civil está na mesa de 9 entre 10 advogados civilistas. O mesmo vale para o tributarista Ives Gandra Martins Silva, cuja contribuição para o Direito Tributário não tem medida.

Não dá para falar de tributo sem citar o nome de Hugo de Brito Machado. É ele o autor da tese de que o contribuinte não pode ser processado por sonegação fiscal antes do fim do procedimento administrativo. Ou seja, antes de a Receita Federal concluir procedimento interno não há débito fiscal e, portanto, não há sonegação. A tese de Machado já foi acolhida pelo Supremo, mas, vira-e-mexe, é desrespeitada pelas instâncias inferiores. A tríade dos doutrinadores mais citados nos votos de ministros do STJ e do STF completa-se com Sacha Calmon, escritor que, depois de deixar a magistratura é um dos principais pareceristas do Brasil.

Sociedade dos desconhecidos

Um dos grandes desafios do Direito é acompanhar a evolução da sociedade, que anda a passos largos. Uma desembargadora do Rio Grande do Sul tem conseguido, como ninguém, vencer esse desafio. Maria Berenice Dias é conhecida por aceitar e disseminar o novo conceito de família baseada no afeto, não importa o gênero, se homo ou hétero. Contra os rigores de leis pré-históricas, ela tem encontrado a melhor maneira de reconhecer os direitos de pessoas do mesmo sexo que decidiram viver em comunhão.

Maria Berenice, que encerrou recentemente a carreira no judiciário para voltar a advogar, é um exemplo do que tem acontecido com a advocacia. Cada vez mais, é necessário se especializar. É nisso que têm se focado os grandes escritórios de advocacia. Nos maiores, há especialistas para cada área, o que permite que o interessado procure um só lugar e deixe nas mãos desse lugar todos os seus processos.

Esse conceito de escritório de advocacia chegou no Brasil no início da década de 1940, pelas mãos de José Martins Pinheiro Neto, que hoje dá nome ao mais tradicional escritório de advogados. O modelo que Pinheiro Neto trouxe da temporada em que ficou em Londres é hoje repetido pelas sociedades de advogados no país. “É o único modelo viável de escritório grande”, acredita Alexandre Bertoldi, sócio-administrador do escritório Pinheiro Neto.

Ele considera que o modelo impulsionou a advocacia empresarial e permitiu que ela começasse a atender os grandes investidores, tarefa que ficou fundamental com a globalização. No Direito Empresarial, é importante lembrar a contribuição de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores intelectuais da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76). Uma das mais importantes contribuições para o Direito Internacional foi dada por Celso Lafer. A sua contribuição ultrapassou fronteiras. Como representante brasileiro na Organização Mundial do Comércio, ajudou a cristalizar o Direito Internacional do Comércio.

Com Moreira Alves, ministro tido como a âncora do Direito, aquele que resistia bravamente às mudanças jurisprudenciais, a festa do Dia do Advogado já pode começar.

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Aline Pinheiro
Revista Consultor Jurídico

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