A ação mais antiga no Supremo já tem 52 anos

O processo mais antigo à espera de uma decisão do STF está com 52 anos e três meses de tramitação, há cerca de dois meses. Quando foi protocolado, em junho de 1959, o endereço da Corte não era a Praça dos Três Poderes, em Brasília, mas a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.

O atual presidente do Supremo e relator da ação, ministro Cezar Peluso, tinha 16 anos de idade. O ministro mais moço, José Antonio Dias Toffoli, atuais 43 de idade, ainda não havia nascido.

Até o nome do nosso país era outro: República dos Estados Unidos do Brasil. E o valor da causa foi de cem mil cruzeiros.

Com 12 volumes e três apensos, o processo tem 2.449 páginas – todas amareladas e muitas em processo de desintegração. Várias estão improvisadamente protegidas por sacos plásticos, para não virarem pó. Pelas estimativas dos servidores da casa, essa é, seguramente, a ação em tramitação no Supremo, com maior número de ácaros por página.

A ação foi proposta pelo então procurador-geral da República, Carlos Medeiros da Silva, contra o Estado de Mato Grosso, que, naquele tempo, ainda não havia sido dividido. Para colonizar a região, o governo estadual havia doado a seis empresas lotes de terras públicas – hoje localizados em Mato Grosso do Sul -, com áreas superiores a dez mil hectares. O problema é que, pela Constituição de 1946, então em vigor, a doação não poderia ser feita sem prévia autorização do Senado.

Como isso não ocorreu, o procurador-geral pediu a nulidade dos contratos. Em sua defesa, o governo mato-grossense alegou que não houve cessão das terras e que as seis empresas, em troca do benefício recebido, se comprometeram a promover assentamentos de famílias de agricultores e pecuaristas e construir estradas, escolas, hospitais, olarias, serrarias e campos de aviação.

Como mostram uma reportagem do jornal O Globo e editorial de O Estado de S. Paulo, desde sua proposição, o processo já teve nove relatores. O primeiro foi o ministro Cândido Motta Filho, que se aposentou em 1967. O atual relator, ministro Cezar Peluso, assumiu o caso em junho de 2003 e, finalmente, concluiu seu voto e pretende incluí-lo numa das pautas de julgamento deste mês.

A arrastada tramitação do processo se deve aos pedidos de diligências feitos pelos relatores que antecederam Peluso, para que fossem colhidos depoimentos de todas as pessoas que tinham comprado terras na região depois da doação. “Como achar esse povo?”, indaga Peluso.

Qualquer que seja a decisão que o Supremo vier a dar a este processo, ela não deverá ter maiores efeitos práticos – e esse é o aspecto mais surrealista do caso. Desde que as seis empresas beneficiadas pelo governo mato-grossense promoveram os primeiros assentamentos de pecuaristas e agricultores na região, há mais de cinco décadas, já foram registradas várias revendas de terrenos por ocupantes de boa-fé. Detalhe: foram erguidas cidades nas glebas doadas.

Assim, o resultado do julgamento será inócuo: será impossível erradicar do mapa municípios de pequeno e médio portes nascidos de assentamentos irregulares.

Como não podem tomar decisões contrárias ao que a Constituição de 1946 determinava, os 11 ministros do Supremo provavelmente considerarão inconstitucional a doação dos terrenos, feita em meados do século passado.

Mas na prática não há como obrigar a União a despejar os ocupantes daqueles terrenos ocupados indevidamente e indenizar os atuais moradores das áreas que se encontram sub judice.

Além dessa ação, o Supremo terá de julgar várias outras que também tramitam há décadas. Na lista dos processos mais antigos, que foram protocolados entre 1969 e 1981, quatro estavam sob responsabilidade da ministra Ellen Gracie.

Como ela se aposentou sem decidir, essas ações serão enviadas a um novo relator. Dependendo do ritmo e da carga de trabalho do STF, esses processos podem bater o recorde de longevidade hoje detido pela ação proposta pelo procurador-geral da República há 52 anos.

O signatário da petição inicial faleceu em 3 de março de 1983, aos 75 de idade.

“Esse é um retrato – que não se pode chamar de instantâneo – da Justiça brasileira” – conclui o editorial do Estadão, em sua edição de ontem (11).

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