A dupla tristeza da noiva

Não há responsabilidade objetiva do Estado no assassinato cometido por um apenado que está em liberdade temporária autorizada pelo Judiciário com base em lei federal.

Este o desfecho judicial de um triste caso ocorrido na pequena cidade gaúcha de Guarani das Missões ( 8.990 habitantes, situada na região das Missões, zona noroeste do Estado, a 400 km de Porto Alegre), em 7 de novembro de 2007. Na ocasião, morreu Valdemar Habowski, 37 anos, que três semanas depois se casaria com Márcia Obalski.

Após o assalto cometido contra uma lotérica, Valdemar – ao reagir – foi morto, em sua residência, pelo assaltante Thomaz Rafael Ferreira da Silva, que estava em fuga.

Na condição de noiva que perdeu o amado e viu se esboroarem muitos de seus planos de vida, Márcia ingressou com ação indenizatória contra o Estado do RS. Pediu o valor de 500 salários mínimos, o ressarcimento de danos materiais (R$ 1.500,00 gastos nos funerais) e o pagamento de pensão alimentícia de quatro salários mínimos, até a data em que a vítima completasse 65 de idade.

O Estado do RS alegou sua ilegitimidade passiva, “pois o dano não foi ocasionado por agentes públicos, inexistindo nexo causal, de forma que não incide o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, não havendo portanto responsabilidade objetiva”.

A prova revelou que o réu não estava foragido do sistema prisional, mas gozava do benefício da saída temporária, de acordo com o art. 123 da Lei de Execuções Penais. O ente estatal disse mais “não haver responsabilidade do Estado em acompanhar o apenado, tampouco, sua culpa in vigilando´ ”.

O dispositivo legal prevê que a autorização de saída temporária, de até sete dias, “será concedida por ato motivado do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos : I – comportamento adequado; II – cumprimento mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto), se reincidente; III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena”.

O juiz José Francisco Dias da Costa Lyra, da comarca de Guarani das Missões, julgou improcedentes os pedidos, porque “não há nos autos que demonstre haver irregularidade na saída temporária do presidiário”, que saíra regularmente do presídio de Ijuí (RS), por uma semana.

O magistrado lamentou o infortúnio, mas não vislumbrou a possibilidade de compelir o Estado em suportar os danos.

Segundo o julgado, “o evento faz parte do risco existencial que pode acometer qualquer um, notadamente pelo fato de que vem da Sociologia que a sociedade pós-moderna em que vivemos é sociedade do risco”. O magistrado discorreu também sobre “a intensificação das situações de perigo ou de dano, especialmente pela complexidade social: crescimento populacional, desigualdades sociais, desempenho estrutural, inventos tecnológicos etc.”

Houve apelação da autora. A 5ª Câmara Cível do TJRS, por unanimidade, rejeitou o recurso. O relator, desembargador Romeu Marques Ribeiro Filho, entendeu que “não há falar em falha no dever de vigilância, uma vez que o apenado tinha autorização judicial – amparada na legislação federal vigente – para a saída do presídio, razão pela qual o Estado não pode ser penalizado em decorrência das benesses previstas na legislação criminal”.

A decisão foi unânime. O acórdão já está publicado. Cabe recurso especial ao STJ. Na defesa do Estado atuam os procuradores Brasil de Deus Barbosa Brandão e Tatiana Rezende Schaffazick. (Proc. nº 70031592439).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO APELAÇÃO CIVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUBJETIVA. APENADO QUE COMETE DELITO (HOMICÍDIO) DURANTE SAÍDA TEMPORÁRIA PERMITIDA PELA VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. AUSENCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE.

Aplica-se ao caso a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, uma vez que o dano causado ao terceiro não foi provocado pela ação dos agentes públicos.

Não há comprovação de omissão dos órgãos de segurança do Estado.

Não há falar em falha no dever de vigilância, uma vez que o apenado tinha autorização judicial para a saída do presídio, autorização esta amparada na Legislação Federal vigente.

Não restou comprovado o nexo causal entre o fato praticado pelo apenado, e os danos sofridos pela autora.

Sentença mantida por seus próprios fundamentos.

APELO DESPROVIDO.

Apelação Cível – Quinta Câmara Cível
Nº 70031592439 – Comarca de Guarani das Missões
MÁRCIA OBALSKI – APELANTE
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luiz Felipe Brasil Santos (Presidente e Revisor) e Des. Jorge Luiz Lopes do Canto.

Porto Alegre, 30 de junho de 2010.

DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Romeu Marques Ribeiro Filho (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por MÁRCIA OBALSKI, em face da sentença das fls. 180/186, prolatada nos autos da “ação de indenização por danos materiais e morais cumulada com pensão vitalícia” ajuizada em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, que julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 0,5% do valor da causa, suspensa a exigibilidade, em face da gratuidade judiciária.

Em suas razões, fls. 190/211, aduz a apelante que seu noivo foi friamente assassinado, às vésperas do seu casamento, por preso, no gozo de saída temporária do presídio. Assevera haver omissão do Estado, por não ter observado o art. 122 da Lei de Execuções Penais.

Refere estar configurado o dano material suportado, advindo dos gastos com funeral. Pede o pagamento de pensão vitalícia até o dia em que a vítima completaria sessenta e cinco anos de idade. Tece comentários acerca da responsabilidade do Estado.

Destaca que a permissão de saída do preso Thomas da Silva de maneira alguma se deu de modo correto, por não ter o apenado aproveitado a oportunidade para se ressocializar.

Pondera ter o ente público agido com omissão e negligência, ao permitir a saída do apenado do estabelecimento prisional.

Requer o provimento do apelo.

A apelação foi recebida à fl. 216.

O Estado apresentou contrarrazões, fls. 218/23, pugnando pelo desprovimento do recurso.

O Ministério Público deste grau de jurisdição opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Romeu Marques Ribeiro Filho (RELATOR)

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do apelo interposto.

A controvérsia cinge-se a saber se o Estado deve responder pelo assassinato do Sr. Waldemar Habowski, noivo até então da ora apelante, cometido por apenado em proveito de saída temporária do presídio.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o apenado Thomas Rafael Ferreira Silva não era, à época do delito, evadido, pois obteve do Juízo da Vara de Execuções Criminais a saída temporária por sete dias, a contar de 31/10/2007, conforme documento de fl. 136 destes autos. Então, repito, não se trata de preso foragido.

Aplica-se ao caso a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, uma vez que o dano causado ao terceiro não foi provocado pela ação dos agentes públicos. Em sendo caso de responsabilidade subjetiva do Estado, de acordo com o art. 186 do Código Civil, incide o princípio geral da culpa civil (imprudência, negligência ou imperícia) na realização do serviço público que deu azo ao dano, como brilhantemente explanado na sentença.

No caso concreto, todavia, tenho que ausentes os requisitos ensejadores de responsabilização.

Saliento que o dever de segurança que o Estado deve prestar não é absoluto a ponto de se exigir responsabilidade quando da ocorrência de evento alheio a ele. Explico: o Estado responde por omissão quando devendo atuar, não o faz, permitindo que o prejuízo aconteça.

Desta feita, a responsabilidade do Estado que, no caso, é subjetiva, exige a comprovação da culpa, que, na hipótese, inexiste, não havendo falar em dever de indenizar.

Não há falar em falha no dever de vigilância, uma vez que o apenado tinha autorização judicial para a saída do presídio, autorização esta amparada na Legislação Federal vigente.

O réu não pode ser penalizado em decorrência das benesses previstas na legislação criminal.

A fim de evitar tautologia, adoto a fundamentação da sentença, pois em consonância com o entendimento deste julgador para o deslinde do feito. A seguir:

“(…)Diante do acima revelado, é necessário analisar os requisitos que dão azo ao dever de indenizar, quais sejam: conduta omissiva culposa do ente público – falta do serviço; o dano e o nexo de causalidade entre o não agir e os danos suportados pela requerente.

No caso dos autos, não vislumbro a omissão do Estado relatada na exordial, pois, de acordo com o documento da p. 136, o apenado Thomas Rafael Ferreira da Silva, autor dos disparos que ceifaram a vida do noivo da requerente, gozava, na época do ocorrido (06/10/2007), do benefício de saída temporária. Não se trata de réu foragido do sistema penitenciário, mas sim de apenado que gozava de benefício legal. De efeito, enquanto o apenado desfruta da benesse concedida através dos arts. 122 e 123, da Lei de Execuções Penais, não sobre a direta tutela estatal, ou seja, não há obrigação do Ente Público em vigiá-lo, ou acompanhá-lo durante o período. Dessarte, não há que se falar em culpa in vigilando ou in custodiando.

Nessa senda, não está configurado o nexo de causalidade entre a conduta do Estado, pois não tem como controlar os atos praticados por terceiro, alheio a administração e que não se encontra sob seu dever de guarda; e o dano ocasionado à requerente, o que impossibilita a procedência do pleito indenizatório.

Aliás, nada há nos autos que demonstre haver irregularidade na saída temporária do presidiário.

Do contrário, o ato se deu em conformidade com lei, de forma que o Estado não deve ser responsabilizado, conforme se depreende dos arestos abaixo transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL – Fazenda Pública – Delito praticado por condenados durante o gozo de saída temporária do presídio – Indenização por danos materiais e morais pleiteada pelas vítimas – Inexistência de elementos que indiquem irregularidade na concessão da saída temporária – Delito praticado quando os condenados não estavam sob custódia estatal – Estado que não pode ser responsabilizado em decorrência da simples concessão de benefício previsto na Lei de Execução Penal como direito do condenado – Ação improcedente – Recurso não provido. (Apelação Cível n.º 015.877-5/4, 8ª Câmara de Direito Público, TJSP, j. em 08/04/1998).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LICENCA REGULAR PARA A SAIDA DE PRESO. CRIME COMETIDO NESSE PERIODO. RISCO ADMINISTRATIVO. NAO DEMONSTRADO A OCORRENCIA DE FALTA DO SERVICO INVIAVEL A RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DESCABIMENTO DA TEORIA DO RISCO INTEGRAL. SEGURIDADE SOCIAL. (Apelação Cível Nº 593123557, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elias Elmyr Manssour, Julgado em 26/04/1994)

Dessarte, a improcedência do pleito indenizatório impõe-se. Lamenta-se o infortuíto, mas não se vislumbra da possibilidade de compelir o Estado em suportar os danos.

Importa notar que o evento faz parte do risco existencial que pode acometer qualquer um, notadamente pelo fato de que vem da sociologia que a sociedade pós-moderna em que vivemos é sociedade do risco. Com ela, intensificam-se as situações de perigo ou de dano, especialmente pela complexidade social: crescimento populacional, desigualdades sociais, desempenho estrutural, inventos tecnológicos, etc. Em suma, proliferam-se situações de risco, e a hipótese dos autos é uma delas.”

Em que pese notório o sofrimento decorrente da lastimável perda da demandante, não há como se responsabilizar o Estado pelos atos praticados por detento com saída prevista legalmente.

Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. APENADO QUE, EM REGIME ABERTO, NÃO RETORNOU AO ESTABELECIMENTO PRISIONAL E, NO PERÍODO EM QUE ESTEVE FORAGIDO, ASSALTOU O AUTOR CAUSANDO-LHE LESÕES. DANO MORAL E MATERIAL. Para a caracterização da responsabilidade objetiva do Estado, insculpida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é necessário que o dano seja causado por seus agentes e nessa qualidade. No caso dos autos, as seqüelas da vítima não foram provocadas por um agente da Administração Pública, mas por um apenado foragido. Não há, pois, nexo de causalidade entre o dano e eventual omissão do Estado. Por outro lado, por inexistir prova sobre a culpa da Administração Pública na fuga do apenado, não há dever de indenizar. Interpretação do art. 159 do CC de 1916, então vigente. Pelas mesmas razões, não há falar-se em condenação do Estado ao fornecimento de medicamentos, atendimento médico completo e fisioterapia. Quanto mais que o autor nem comprovou a impossibilidade de realizar tal tratamento perante o SUS. Apelo do autor desprovido e apelo do réu provido. (Apelação Cível Nº 70015528789, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 25/10/2006)

A responsabilidade do Estado estaria presente se o prejuízo fosse decorrente de ato de preposto seu, ou quando comprovada a existência de nexo de causalidade, o que não se apresenta.

Conseguinte, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo.

É o voto.

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo com o Relator.

Des. Jorge Luiz Lopes do Canto

De acordo com o insigne Relator, tendo em vista que as peculiaridades do caso concreto autorizam a conclusão exarada no voto.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Presidente – Apelação Cível nº 70031592439, Comarca de Guarani das Missões: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

Julgador de 1º Grau: JOSÉ FRANCISCO DIAS DA COSTA LYRA.

Comarca de Guarani das Missões
Vara Judicial
Av. São Miguel, 1035
Nº de Ordem:
Processo nº: 102/1.08.0000237-1
Natureza: Indenizatória
Autor: Márcia Obalski
Réu: Estado do Rio Grande do Sul
Juiz Prolator: Juiz de Direito – Dr. José Francisco Dias da Costa Lyra
Data: 08/04/2009
SENTENÇA.

Visto.

MÁRCIA OBALSKI, já qualificada na inicial, ajuizou AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS C/C PENSÃO MENSAL VITALÍCIA, contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, igualmente qualificado nos autos.

Alegou, em resumo, que seu noivo foi assassinado pelo apenado Thomas Rafael Ferreira da Silva que estava em liberdade, tendo, inclusive, efetuado assalto à Lotérica Anjos da Sorte, nesta cidade de Guarani das Missões.

Asseverou que o Estado do Rio Grande do Sul é o responsável pela administração carcerária e pela observância da política criminal de cumprimento de pena, de forma que o Estado deve responder pelo evento lesivo, uma vez que é responsável objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros.

Observou que o dano está demonstrado com a morte da vítima. A ação ou omissão do Estado decorre do fato de que este deve efetivar o controle interno e externo dos apenados durante o cumprimento da pena; e o nexo de causalidade, pelo fato de o apenado ter sido posto em liberdade pelo requerido e cometido o delito de homicídio enquanto desfrutava da benesse.

Assegurou que tem direito ao recebimento de indenização por danos materiais, uma vez que suportou despesas com o falecimento de seu noivo e teve grande redução na renda auferida pelo grupo familiar.

Mencionou que sofreu intenso abalo moral com a morte precoce e violenta da vítima, com quem conviva por cerca de oito anos, pois o homicídio frustrou a perspectiva do casamento (já marcado) e impossibilitou a concretização dos ideais do casal.

Referiu que tem direito ao recebimento de pensão alimentícia, uma vez que a renda auferida pela vítima era a principal fonte de renda do casal, devendo auferir, pelo menos um salário mínimo, desde a data do evento danoso, perdurando até que a vítima viesse a atingir 65 anos de idade.

Ressaltou que a responsabilidade do Estado decorre da Teoria do Risco Administrativo, sendo o fundamento da responsabilidade objetiva independentemente da comprovação da culpa.

Ao final, requereu a procedência dos pedidos, levando-se em conta, como parâmetro, o valor de 500 salários mínimos, importância que deve ser atualizada até a data do efetivo pagamento e acrescida de juros moratórios a partir da citação, o ressarcimento de danos materiais no importe de R$ 1.500,00 e o pagamento de pensão alimentícia de 04 salários mínimos, a partir do evento danoso, até a data em que a vítima completasse 65 anos de idade.

Com a inicial, juntou documentos (p. 15/34).

Deferido o benefício da AJG (p.36).

Citado (p. 117 v.), o requerido contestou, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva, pois o dano não foi ocasionado por agentes públicos, inexistindo nexo causal, de forma que não incide o art. 37, §6º, da Constituição Federal e, portanto, não há responsabilidade objetiva.

Sinalou que o réu não estava foragido do sistema prisional, mas, sim, gozava do benefício da saída temporária, de acordo com o art. 123 da Lei de Execuções Penais, não havendo responsabilidade do Estado em acompanhar o apenado, tampouco, culpa “in vigilando”.

Observou que não se aplica ao caso o disposto no art. 1.521 do Código Civil, pois naquele momento não tinha dever de guarda e vigilância sobre o terceiro que ocasionou o evento lesivo, não havendo falha no serviço de segurança pública.

Referiu que, no caso em liça, poderia se cogitar a hipótese de responsabilidade subjetiva, a qual se consubstancia no fato de que o dano ocorreu em virtude de o Estado ter procedido de forma contrária ao Direito, dolosa ou culposamente, ou quando deveria ter agido para impedir que o dano se concretizasse e não o fez (falta de serviço).

Asseverou que a culpa pelo evento danoso é exclusiva da vítima, pois reagiu a assalto e, se não for esse o entendimento, a responsabilidade estatal deve ser mitigada, pois houve culpa concorrente da vítima.

Ressaltou que o pedido de danos materiais é improcedente, pois a requerente não comprovou os fatos alegados, tampouco o pedido de pensão alimentícia pode ser superior a 30% da média dos rendimentos líquidos do de cujus; todavia, como nada foi comprovado, os pedidos são improcedentes.

Argumentou que na hipótese de procedência do pedido relativo aos danos morais, que este não pode ser superior a 20 salários mínimos, devendo o quantum ser fixado levando-se em conta parâmetros que evitem enriquecimento ilícito.

Por fim, requereu a extinção da ação pela ilegitimidade passiva, no mérito, a improcedência da demanda e, em caso de procedência, que se leve em consideração a culpa da vítima.

Acostou documento (p. 136).

As partes apresentaram memoriais (p.148/167).

O agente ministerial apresentou parecer opinando pela improcedência da demanda (p. 168/179).

É O RELATO.

PASSO A DECIDIR.

Cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais c/c pedido de pensão alimentícia ajuizada por Márcia Olbalski contra o Estado do Rio Grande do Sul.

Inicialmente, é necessário consignar, com relação a preliminar de ilegitimidade passiva, que se confunde com o mérito, com o qual será analisada.

No tocante ao mérito da demanda, entendo que não merecem procedência os pedidos vertidos na inicial.

De logo, mister se faz analisar a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul, sobre o apenado que cometeu o delito de homicídio contra o noivo da requerente.

O sistema jurídico brasileiro adota, no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado e das prestadoras de serviço público, sob a forma da Teoria do Risco Administrativo.

Para que dita responsabilidade objetiva incida no caso concreto, é necessário que o dano causado ao terceiro seja provocado pela ação ativa dos agentes públicos, ou seja, agentes que prestam serviço à administração pública, o que não ocorre no caso em tela.

Com efeito, no caso dos atos, a autora busca indenização em virtude da omissão do ente público, isso em razão deste não ter vigiado o apenado, ou mesmo, considera haver falha no dever de fornecer segurança aos cidadãos.

Dessa forma, sendo caso de se perquirir a responsabilidade subjetiva do Estado, de acordo com o art. 186 do Código Civil, incide o princípio geral da culpa civil (imprudência, negligência ou imperícia) na realização do serviço público que deu azo ao dano, exigindo-se, portanto, a culpa da Administração ou a falta de serviço.

Nesse caso, a indenização somente deve ser paga pela Fazenda Pública, se restar comprovada a culpa da Administração, ou seja, quando o serviço por ela prestado não funciona, funciona mal ou foi prestado tardiamente, de forma que reste configurada a omissão.

Nesse sentido, a Suprema Corte:

“(…) Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes — a negligência, a imperícia ou a imprudência — não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. – RE conhecido e provido. (…).” (RE 382054/ RJ, Julgamento: 03/08/2004, Órgão Julgador: Segunda Turma, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO).

Diante do acima revelado, é necessário analisar os requisitos que dão azo ao dever de indenizar, quais sejam: conduta omissiva culposa do ente público – falta do serviço; o dano e o nexo de causalidade entre o não agir e os danos suportados pela requerente.

No caso dos autos, não vislumbro a omissão do Estado relatada na exordial, pois, de acordo com o documento da p. 136, o apenado Thomas Rafael Ferreira da Silva, autor dos disparos que ceifaram a vida do noivo da requerente, gozava, na época do ocorrido (06/10/2007), do benefício de saída temporária. Não se trata de réu foragido do sistema penitenciário, mas sim de apenado que gozava de benefício legal. De efeito, enquanto o apenado desfruta da benesse concedida através dos arts. 122 e 123, da Lei de Execuções Penais, não sobre a direta tutela estatal, ou seja, não há obrigação do Ente Público em vigiá-lo, ou acompanhá-lo durante o período. Dessarte, não há que se falar em culpa in vigilando ou in custodiando.

Nessa senda, não está configurado o nexo de causalidade entre a conduta do Estado, pois não tem como controlar os atos praticados por terceiro, alheio a administração e que não se encontra sob seu dever de guarda; e o dano ocasionado à requerente, o que impossibilita a procedência do pleito indenizatório.

Aliás, nada há nos autos que demonstre haver irregularidade na saída temporária do presidiário.

Do contrário, o ato se deu em conformidade com lei, de forma que o Estado não deve ser responsabilizado, conforme se depreende dos arestos abaixo transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL – Fazenda Pública – Delito praticado por condenados durante o gozo de saída temporária do presídio – Indenização por danos materiais e morais pleiteada pelas vítimas – Inexistência de elementos que indiquem irregularidade na concessão da saída temporária – Delito praticado quando os condenados não estavam sob custódia estatal – Estado que não pode ser responsabilizado em decorrência da simples concessão de benefício previsto na Lei de Execução Penal como direito do condenado – Ação improcedente – Recurso não provido. (Apelação Cível n.º 015.877-5/4, 8ª Câmara de Direito Público, TJSP, j. em 08/04/1998).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LICENCA REGULAR PARA A SAIDA DE PRESO. CRIME COMETIDO NESSE PERIODO. RISCO ADMINISTRATIVO. NAO DEMONSTRADO A OCORRENCIA DE FALTA DO SERVICO INVIAVEL A RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DESCABIMENTO DA TEORIA DO RISCO INTEGRAL. SEGURIDADE SOCIAL. (Apelação Cível Nº 593123557, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elias Elmyr Manssour, Julgado em 26/04/1994)

Dessarte, a improcedência do pleito indenizatório impõe-se. Lamenta-se o infortuíto, mas não se vislumbra da possibilidade de compelir o Estado em suportar os danos.

Importa notar que o evento faz parte do risco existencial que pode acometer qualquer um, notadamente pelo fato de que vem da sociologia que a sociedade pós-moderna em que vivemos é sociedade do risco. Com ela, intensificam-se as situações de perigo ou de dano, especialmente pela complexidade social: crescimento populacional, desigualdades sociais, desempenho estrutural, inventos tecnológicos, etc. Em suma, proliferam-se situações de risco, e a hipótese dos autos é uma delas.

Pelo exposto, julgo improcedentes os pedidos da autora. Por via de conseqüência, condeno-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 0,5% sobre o valor da causa, atento que estou aos parâmetros do art. 20, §4º, do CPC, sendo suspensa a exigibilidade de tais encargos, ante a AJG que lhe foi concedida.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Guarani das Missões, 08 de abril de 2009.

José Francisco Dias da Costa Lyra,
Juiz de Direito

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