por Lilian Matsuura
Se a empresa tem precatório a receber do município, pode usar o crédito para satisfazer a exigência de garantias prevista no edital e participar de licitação. O entendimento é da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que garantiu à empresa de transporte coletivo Anversa o direito de participar da concorrência para assumir o transporte público da cidade de Bagé (RS).
A empresa, que tem quase R$ 2 milhões de crédito com a prefeitura em precatórios vencidos, foi à Justiça porque a prefeitura não aceitou os créditos como garantia. De acordo com o município, para participar da concorrência, a empresa tem de ter “moeda corrente”.
Em primeira instância, o pedido da Anversa foi rejeitado. Mas, no recurso apresentado ao TJ gaúcho, a empresa obteve sucesso. A desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro, relatora da matéria, citou decisões do Superior Tribunal de Justiça para permitir o uso do precatório como garantia: “Ao contrário da decisão recorrida, é possível a utilização de tal crédito, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido, inclusive, a penhora de precatórios”.
Para o advogado da empresa, Rafael Maffini do escritório Rossi, Maffini & Milman, a decisão mostra que não faz sentido que o devedor se negue a pagar a alta dívida que possui.
O tipo de licitação para o transporte público na cidade de Bagé está previsto no artigo 15, parágrafo 2º da Lei 8.987/95 (Lei das Licitações). Pela regra, vence a licitação a empresa que pagar mais ao município. O edital exige como garantia o valor mínimo da outorga, estipulado em R$ 690 mil, mais R$ 500 mil a título de garantia.
Em seu curto despacho, a desembargadora cita três acórdãos do STJ, em que os ministros concluíram que “o crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente. Enquadra-se na hipótese do inciso XI do artigo 655 do CPC, por se constituir em direito de crédito”.
Para finalizar a decisão, Liselena Ribeiro cita o artigo 577 do Código de Processo Civil. A regra determina: “Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos e os oficiais de justiça os cumprirão”.
O advogado Rafael Maffini afirma que a medida judicial chegou na hora certa. Pois, não fosse ela, a empresa estaria impedida de participar da concorrência e poderia ir à falência.
Leia a decisão
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO.
Possível o aproveitamento de crédito de precatório do próprio Município para comprometimento financeiro previsto na Concorrência nº1/2008. RECURSO PROVIDO.
AGRAVO DE INSTRUMENT0 VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Agravo de Instrumento 700.241.889-97
COMARCA DE BAGÉ
AGRAVANTE: ANVERSA & CIA. LTDA
AGRAVADO: MUNICIPIO DE BAGÉ
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento de ANVERSA & CIA. LTDA. contra o MUNICÍPIO DE BAGÉ, pretendendo a reforma da decisão da fl. 247, que indeferiu pedido de antecipação de tutela, no sentido de declarar a possibilidade de utilização de crédito correspondente a precatório do Município, visando ao comprometimento financeiro exigido na Concorrência nº1/2008.
Sustenta se tratar de precatório vencido, e não pago, no valor de aproximadamente R$ 2.000.000,00, devido pelo próprio Município, mas dívida líquida, porquanto é o próximo a ser pago, não aceito, como garantia, pois a municipalidade aceita, apenas, para o pagamento da outorga, “moeda corrente”.
Traz os documentos das fls. 19 a 264.
Discute-se, no caso, a possibilidade de a empresa utilizar crédito oriundo de precatório devido pelo agravado à própria agravante para a oferta pela outorga da concessão objeto da licitação, e para o oferecimento de garantias, visando à participação e celebração do contrato, indeferida a antecipação de tutela, porque não há certeza quanto ao efetivo valor do seu crédito.
Entendo, ao contrário da decisão recorrida, ser possível a utilização de tal crédito, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido, inclusive, a penhora de precatórios, mesmo não se tendo certeza do valor a que tem direito a ora agravante, cerca de R$ 1.580.586,31 (fl. 259), suficiente para a garantia, estipulado o valor mínimo da outorga em R$ 690.000,00, mais R$ 500.000,00, a título de garantia, e R$ 100,00 para participar da licitação.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 527 DO CPC.
DECISÃO DO RELATOR PROVENDO LIMINARMENTE O AGRAVO. ART. 557, § 1º-A DO CPC POSSIBILIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. EXECUÇÃO FISCAL BEM NOMEADO À PENHORA. PRECATÓRIO EXPEDIDO CONTRA PESSOA JURÍDICA DISTINTA DA EXEQÜENTE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DA 1ª SEÇÃO.
(…).
5. A Lei 6.830/80, art. 9º, III e art. 11. VIII atribui ao executado a prerrogativa de nomear bens à penhora, que pode recair sobre direitos e ações.
6. A execução deve ser promovida pelo meio menos gravoso ao devedor. Inteligência do art. 620 do CPC.
7. O crédito representado por precatório é bem penhorável ainda que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente. Precedentes da 1ª Seção do STJ. (ERESP. Nº 870428/RS, DJ. 13.08.2007:EAG nº 746184/SP, DJ. 06.08.2007).
8. Recurso especial improvido.
(Resp 892560/RS, Primeira Turma, Relator Min. Luiz Fux, DJ 12.11.2007, p. 180).
E:
PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO FISCAL PENHORA. DIREITO DE CRÉDITO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE.
1. O crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente. Assim, a recusa, por parte do exeqüente, da nomeação feita pelo executado, pede ser justificada por qualquer das causas previstas no CPC (art. 656), mas não pela impenhorabilidade do bem oferecido.
2. O reconhecimento da penhorabilidade de precatório não significa reconhecimento da compensabilidade desse crédito, seja com a dívida em execução, seja com qualquer outra. O regime aplicável à penhora de precatório é o da penhora de crédito, inclusive para efeitos de ordem de nomeação a que se referem o art. 655 do CPC e art. 11 da Lei 6.830/80.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(Resp 962321/RS. Primeira Turma, Relator Min. Teori Albino Zavascki, DJ 04.10.2007, p. 214).
Ainda:
PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO FISCAL PENHORA DE IMÓVEL SUBSTITUIÇÃO POR DIREITO DE CRÉDITO DECORRENTE DE PRECATÓRIO EXPEDIDO CONTRA PESSOA JURÍDICA DISTINTA DA EXEQÜENTE. ART- 656 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL IMPOSSIBILIDADE.
1. O crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente. Enquadra-se na hipótese do inciso XI do art. 655 do CPC, por se constituir em direito de crédito. Não se confunde com dinheiro, que poderia substituir o imóvel penhorado independente do consentimento do credor.
2. “A recusa, por parte do exeqüente, da nomeação à penhora de crédito previsto em precatório devido por terceiro pode ser justificada por qualquer das causas previstas no CPC (art. 656)” – Voto vencedor no AgRg no REsp 826.260, Rel. Min. Teori Albino Zavascki DJ 07.08.2006.
3. A execução deve ser feita no interesse do credor Havendo recusa deste em proceder à substituição da penhora e achando-se esta fundada na ordem legal prevista no CPC, deve ser acatada.
4. Recurso especial não provido.
(Resp 893519/RS, Segunda Turma, Relator Min. Castro Meira, DJ 18.09.2007, p. 287).
Do exposto, dou provimento ao recurso, com fundamento no art. 557, § 1º, a, do CPC, deferida a antecipação de tutela, para que seja aceito o precatório do Município, visando ao comprometimento financeiro previsto na Concorrência nº 1/2008, para os fins relacionados na fl. 17.
Intimem-se.
Porto Alegre, 7 de maio de 2008.
DES. LISELENA SGHIFINO ROBLES RIBEIRO
Relatora
DECISORA: FERNANDA DUQUIA ARAÚJO.
Revista Consultor Jurídico