Marcos Roberto Bispo dos Santos, preso desde março de 2002 sob acusação de ser um dos seis integrantes de uma quadrilha da favela Pantanal, na capital paulista, que assassinou o então prefeito de Santo André (SP) Celso Augusto Daniel (PT), impetrou, no Supremo Tribunal Federal (STF), o Habeas Corpus (HC) 102399.
Ele pede o relaxamento de sua prisão preventiva, alegando que já está preso há mais de sete anos (desde março de 2002), mais precisamente há mais de 2.850 dias, quando o prazo legal seria de 81 dias. A defesa sustenta que até agora a instrução criminal do processo não foi concluída e que já não é mais aceitável o argumento de que se trata de crime complexo para mantê-lo encarcerado. Até porque os réus no processo não são responsáveis por seu retardamento.
Segundo a defesa, Marcos Roberto estaria cumprindo pena antecipadamente, sem condenação, em flagrante violação do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF), segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” e, também, do inciso III do citado artigo (princípio da dignidade da pessoa humana).
Progressão
A defesa alega que como Marcos Roberto – acusado de homicídio duplamente qualificado (artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e V) – já cumpriu mais de sete anos de prisão, qualquer que fosse a sentença proferida, já faria jus a benefícios legais da execução da pena, tais como progressão de regime prisional, saídas temporárias, trabalho externo, etc.
Entretanto, tais argumentos, aliados ao fato de que ele possui residência fixa, é casado e tem filhos, além de que exercia, à época da prisão, profissão lícita, não convenceram o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo (TJ-SP) e a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a lhe conceder alvará de soltura, em HCs lá impetrados. E isso, conforme alega a defesa, apesar de o Ministério Público (MP) ter-se pronunciado a favor de sua libertação.
A defesa sustenta, ademais, que o STF, sob relatoria do ministro Nelson Jobim (aposentado), então presidente da Corte, revogou a prisão preventiva de Sérgio Gomes, réu no mesmo processo e denunciado como suposto mandante do homicídio de Celso Daniel. Na ocasião, lembra, o ministro considerou desnecessária a prisão preventiva, por entender que ela se fundamentava na gravidade abstrata do crime e por entender que a prisão constituiria “verdadeira aplicação penal sem o justo processo da lei”.
Neste contexto, cita diversos precedentes em que o STF concedeu a libertação de réus por considerar que faltou a demonstração concreta do suposto perigo que representaria a sua libertação. Entre eles estão o Recurso em Habeas Corpus (RHC) 72900, relatado na Primeira Turma pelo ministro Sepúlveda Pertence (aposentado), e os HCs 92299 e 91616, relatados pelos ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto, respectivamente.
Diante desses argumentos, pede, em caráter liminar, o relaxamento da prisão preventiva até julgamento de mérito do HC e, nele, a confirmação da ordem, para que Marcos Roberto possa responder em liberdade ao processo que lhe é movido. O processo foi encaminhado ao gabinete do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que está respondendo pelo plantão da Corte, durante as férias, que terminam dia 31. Ele poderá despachá-lo ou, então, aguardar o reinício das atividades do Tribunal para que seja feita sua distribuição e o relator, então, decida sobre o pedido.
O caso
O ex-prefeito Celso Daniel foi sequestrado em em 18 de janeiro de 2002 e levado para um cativeiro em Juquitiba, à beira da Rodovia Régis Birttencourt (BR 116), na saíde de São Paulo para Curitiba. Segundo inquérito concluído em 1º de abril daquele ano pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), tratar-se-ia de um crime comum, cometido por seis pessoas de uma quadrilha da favela Pantanal, da Zona Sul da capital paulista, entre cujos integrantes estaria Marcos Roberto Bispo dos Santos.
Conforme relatório da DHPP, o ex-prefeito teria sido sequestrado por engano e, quando a quadrilha percebeu o fato, seu chefe teria ordenado a soltura dele. Entretanto, um outro integrante teria entendido erradamente a ordem e determinado a um menor, membro do grupo, que matasse Daniel, cujo corpo foi encontrado no dia 20 de janerio de 2002, com onze perfurações de bala.
A família de Celso Daniel não ficou satisfeita com o resultado do primeiro inquérito policial, pois não descartou a possibilidade de crime político. Diante disso, o inquérito foi reaberto. Entretanto, diversos pontos controvertidos das investigações ainda continuariam sem resposta. Uma delas seria o de que o menor acusado de ter desferido os tiros no ex-prefeito solicitado a identificá-lo em fotografias, não o teria reconhecido como a vítima de tiros por ele desferidos.
Outro ponto seria o de que o empresário Sérgio Gomes da Silva, que era o motorista do carro em que viajava o prefeito Celso Daniel quando foi sequestrado, disse que, quando o carro foi fechado pelos sequestradores, a trava e o câmbio do veículo não não teriam funcionado, o que teria impossibilitado a fuga e permitido que eles abrissem a porta do carro e levassem o prefeito. Ocorre que uma análise pericial feita no veículo teria constatado que o carro não tinha nenhum defeito elétrico ou mecânico que justificasse uma falha. Segundo os peritos, uma eventual falha, na hora, somente poderia ter sido humana.