Por José Rodrigues da Silva Neto
“Quem sabe o que andam planejando?” (Cecília Meireles)
Há evidente “simbolismo” nas recentes substituições do advogado-geral da União, José Dias Toffoli (em férias), por três membros das carreiras jurídicas da AGU: advogado da União, procurador da Fazenda Nacional e procurador federal. É claro o intuito de “simbolizar” a valorização e unidade das carreiras, espelhando a “nova mentalidad”e que anuncia e vem propiciando inovações, de ordem administrativa e institucional. No entanto é lenta sua modelação como escassa a normatização de posturas funcionais que não só garantam a “independência funcional” dos órgãos e dos seus integrantes, como controlem sua observância e adequação.
Também salta aos olhos a necessidade, urgente, de um “mutirão de revisão das práticas processuais”: um levantamento das posturas e das teses jurídicas inócuas “sem rigor e vigor jurídico” (já amplamente rechaçadas pela jurisprudência dos tribunais superiores). Afinal, tais recorrências, além de incidência em litigância de má-fé, é enganosamente confundida com a “defesa dos interesses das autarquias”, mera alusão com que às vezes se encobre a inércia, a falta de criatividade na busca de posturas inovadoras que resultem em racionalização da atuação da advocacia pública.
É preciso atender à melhor composição da relação entre a administração e a sociedade, como expresso e implícito nos ditames constitucionais. Enfim, se não forem enfrentados os equívocos e corrigidos os desvios que persistem e afrontam a “nova mentalidade”, o simbolismo, que fulgura dos gestos oficiais da Cúpula da AGU, pode ofuscar-se em farsa: a eterna comédia das “boas-intenções” malogradas…
Nesse entrecho, dois temas palpitam e, se bem conduzidos, podem coroar a atuação do ministro Toffoli:
1) tornar “privativo” dos membros das carreiras da AGU o cargo de Advogado Geral da União (como “simbolizado” pelas substituições ocorridas recentemente)
2) implementar inovadora estruturação interna da AGU, através de normas diretivas, que disciplinem o “provimento” dos cargos de chefias e coordenadorias jurídicas, em todos os níveis, banindo a excrescência abusiva, antirepublicana, anticonstitucional, do uso recorrente do “poder discricionário” para nomeações e decisões isoladamente adotadas, sem a compartilha dos diretamente afetados — como vem ocorrendo sobretudo na PGF.
Ora (e já começamos pelo “segundo” tema), enquanto a PGU tem articulado e promovido “consultas” que freiam o abuso do “poder discricionário” e o próprio AGU substituto, Evandro Costa, tomou a iniciativa de colher sugestões das Associações para “normatização” da matéria, essas posturas não repercutem na atual gestão da Procuradoria Geral Federal.
Sejamos incisivos: Meus 25 anos de advocacia pública federal me respaldam, pela experiência adquirida, a repudiar o uso do “poder discricionário”, que na PGF é ostensivamente incontrastável, merecendo a detida e detalhada “supervisão” pelo ministro Toffoli, como lho determina a Lei 10.480/2002. Aliás, é o caso de se indagar: Qual o lugar e o valor da “experiência”, da antiguidade operante e capacitada, na PGF? Por que princípios (ou precipitações, ou inversões) não se aproveitam quadros, com “larga experiência profissional e títulos acadêmicos”, nas funções mais especializadas e direções dos órgãos da PGF? É preciso lembrar da irônica advertência de Paul Masson: “Os funcionários públicos são como os livros de uma biblioteca: os menos úteis é que são colocados mais alto.”
Não seria a hora de “radiografar” a Procuradoria Geral Federal? De transpor os seus “muros invisíveis”? De ouvir os “sussurros” críticos, que podem prorromper em “brados” retumbantes? Enfatize-se que os princípios constitucionais da Moralidade, da Impessoalidade, da Legalidade e a consciência republicana já esfarraparam o ridículo ditado conformista: “Manda quem pode; obedece quem tem juízo”.
O outro tema inevitável: No último Seminário da Advocacia Pública Federal, em uma de suas mais concorridas oficinas, defendi, com recepção efusiva e calorosa dos colegas, que o cargo de Advogado Geral da União fosse “privativo” das carreiras jurídicas da AGU. Atualmente, o cargo de Advogado Geral da União é de livre nomeação pelo presidente da República entre bacharéis em direito (artigo 131, inciso 1º da CF). Ora, a AGU tem em seus quadros, profissionais experientes, capacitados, especializados e com dedicação exclusiva à Instituição.
Destes é que deveria ser escolhido o AGU, através de um procedimento complexo, obedecidos critérios objetivamente aferíveis, com final escolha do presidente da República, como aliás se faz no Ministério Público Federal. O ministro José Dias Toffoli pode estar abrindo a discussão pela fresta do simbolismo. Resta-nos abraçar a causa, torná-la símbolo da “independência orgânica da AGU” e não deixá-lo (o símbolo) dissipar-se como nuvem passageira no céu turvo de Brasília.