Havendo equívoco na redação de alvará judicial, que libera quantia para uma parte que a ela não tinha direito, o valor sacado indevidamente deve ser restituído integralmente por quem o levantou.
Com esse entendimento, a 11ª Câmara Cível do TJRS manteve decisão de primeiro grau proferida pelo juiz Pedro Pozza – da 8ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre -, inclusive ratificando o envio de cópias dos autos ao Ministério Público para apuração de eventual ilícito criminal cometido pelo advogado que sacou o alvará e o bloqueio de honorários a serem percebidos pelo causídico até a satisfação de parte do débito.
A parte agravante defendeu sua conduta sustentando que o alvará foi expedido de forma errada em seu favor e que não se apropriou da quantia de R$ 160 mil a título de honorários, mas apenas de R$ 12 mil que foram devolvidos após intimação para fazê-lo. Ainda se opôs ao bloqueio de honorários, por ser verba alimentar e impenhorável, e ao envio de notícia ao MP.
Analisando o agravo, o relator, desembargador Bayard Ney de Freitas Barcellos reputou o acontecido como “mais um lamentável episódio forense”, com “uma sucessão de desencontros processuais, cujo início deu-se com o equívoco cometido pelo Sr. Escrivão da 8º Vara Cível do Foro Central ao redigir alvará correspondente à ordem judicial acima reproduzida.”
Segundo o acórdão, o alvará autorizava o advogado da parte autora a sacar a quantia, quando o correto seria o procurador da parte ré, uma vez que a decisão judicial precedente liberava valores depositados pela demandada para garantia do Juízo em impugnação a cumprimento de sentença. Na sequência, também a nota de expediente foi publicada com equívoco, pois dava conta da disponibilidade de alvará em favor da autora.
Após isso, uma decisão reconheceu o erro e determinou que o procurador da autora fosse intimado para a devolução da quantia levantada. O advogado teria sido intimado por telefone para devolver o dinheiro, sob pena de cominação de multa diária e por litigância de má-fé e por ato atentatório à dignidade da Justiça.
Uma nova decisão foi exarada, desta vez extinguindo a execução da verba honorária e cominando multa por litigância de má-fé ao próprio advogado, sendo determinado o bloqueio da quantia de R$ 111.208,33 da conta bancária da demandante e que o procurador juntasse aos autos cópia do contrato de honorários, depositando, em 30 dias, o valor da verba honorária de sucumbência e a quantia que reteve a título de contrato particular.
Nessa esteira, a ré pediu alvará para levantar o valor bloqueado na conta da autora e penhora online na conta bancária do advogado, que foi intimado pessoalmente para cumprir a decisão.
Superados esses atos, a decisão objeto do agravo foi proferida explicitando que o advogado da autora, intimado para cumprir as determinações, não o teria feito, limitando-se ao depósito apenas da importância de R$ 12 mil, quando o valor por ele levantado seria de mais de R$ 328 mil, além de rendimentos. O procurador, segundo a decisão de primeiro grau, tampouco teria comprovado quanto daquele valor destinou à autora.
Para o desembargador, diante desses fatos, “dúvida alguma não remanesce quanto à necessidade integral de restituição da quantia levantada indevidamente”, apesar do erro cartorário e do Juízo na liberação do alvará.
Contudo, prosseguiu o relator, mesmo que se considerasse que o advogado da autora não agiu com má-fé, este não devolveu a quantia imediatamente ainda que comunicado sobre o erro no alvará. “A partir deste momento não se tem duvida quanto à deslealdade da conduta empreendida, apropriando-se de valores que não lhe pertencem”, arrematou.
A alegação de que o equívoco era do Juízo foi considerada “pueril” pelo magistrado, “porquanto os lapsos cometidos pelo escrivão e por parte do magistrado não autorizam a apropriação indevida dos valores pelo causídico.”
O acórdão ainda dá conta de que o causídico teria reconhecido expressamente que reteve parte do valor sacado em virtude de contrato particular de honorários firmado com a autora, mas o valor teria sido utilizado para quitação de despesas pessoais. Tal desculpa não foi aceita pelos desembargadores, pois “no que concerne aos valores retidos pelo patrono por força de contrato particular de honorários, esse quantum deve ser restituído pelo próprio causídico, porquanto o valor está sob sua posse.”
A conduta do procurador foi considerada dolosa “e não mero descuido fomentado a partir de erro judiciário”. Com isso foi determinado o bloqueio de futuros valores de honorários de sucumbência até a restituição da quantia retida para pagamento de contrato particular de honorários.
Desse modo, a constrição não alcança valores indevidamente apropriados pelo patrono, definiu o relator: “a impenhorabilidade do salário não serve de justificação ao cometimento de ilícito.”
Além disso, o desembargador Bayard expressou ser “salutar” a medida de encaminhamento de ofício ao MP para apuração de eventual crime, “já que os fatos ostentam gravidade incompatível com o exercício da tão nobre profissão de advogado”, encerrando seu voto com uma advertência: “manobras e sofismas processuais não serão aceitos com o escopo de locupletamento ilícito à custa de equívoco do Poder Judiciário.”
O desembargador Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard também proferiu razões, acompanhando o relator na questão de fundo, mas divergindo quanto à condenação do advogado por litigância de má-fé: “não sendo parte no processo o causídico a ele não deve ser atribuída a pena de litigância de má-fé”, cabendo apenas à OAB “processar e punir disciplinarmente os seus inscritos, por atos ou omissões conexos ou decorrentes do exercício da advocacia, a teor da Lei nº 8.906/94, Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, cabendo ao magistrado remeter à respectiva Seccional a representação.”
A respeito da imposição da penalidade por má-fé ao próprio advogado, a decisão de primeiro grau lançara razões pelo seu cabimento, entendendo ser inconstitucional a ressalva da parte inicial do parágrafo único do artigo 14 do CPC – segundo a qual a punição fica ao encargo do Estatuto da OAB -, por ferir o princípio da isonomia.
De acordo com o juiz Pedro Pozza, “para os advogados, as punições pecuniárias são ínfimas, e se limitam, conforme o art. 39 do respectivo estatuto, ao décuplo da anuidade, não passando, portanto, de dez mil reais. Além disso, as condutas previstas no caput do art. 14 do CPC não estão previstas no Estatuto da OAB. Não existe, por exemplo, infração disciplinar (art. 34 do estatuto) que resulte na punição do advogado pelo não cumprimento de ordem judicial. Portanto, enquanto todos os demais atores do processo, mesmo os que não são partes, mas de alguma forma sejam atingidos por decisões nele proferidas, estão sujeitos às punições pela prática de qualquer conduta prevista no art. 14 caput, o advogado é o único que recebe tratamento especial, privilegiado, não estando sujeito a qualquer punição similar.”
Por sua vez, a desembargadora Kátia Elenise Oliveira da Silva votou integralmente de acordo com o relator, inclusive mantendo a penalidade por litigância de má-fé imposta ao advogado.
O bloqueio de honorários se dará por ofícios enviados a todas as varas cíveis do Foro Central, para que atinja verbas sucumbenciais em demandas em que o advogado atua.
A decisão foi publicada no Diário da Justiça no dia de ontem (04). Cabem recursos aos tribunais superiores. O processo tramita sem segredo de justiça. A informação processual pode ser consultada no saite do TJRS. (Proc. nº 70033475278).
LEIA A ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO (05.11.10)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ALVARÁ LIBERADO DE FORMA EQUIVOCADA. RESTIUIÇÃO DOS VALORES. NECESSIDADE. BOQUEIO DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO.
Presente equívoco da redação de alvará judicial, liberando-se a quantia para a parte autora e não à ré, o valor indevidamente sacado deve ser restituído de forma integral por aquele que o levantou.
Havendo indicativo de que a conduta do patrono foi dolosa, porquanto retirados os autos em carga antes de sacar o alvará, bem assim considerando ter ampla ciência do resultado da impugnação ao cumprimento de sentença, que reduziu de forma sensível o valor da condenação, não merece ser modificada a decisão que ordenou a extração de cópias e seu envio para o Ministério Público
objetivando a apuração de eventual ilícito criminal.
Erro judiciário que não autoriza a apropriação indevida de valores. Determinação de restituição que deve ser mantida.
Bloqueio de honorários a serem percebidos pelo causídico até a satisfação de parte do débito. Impenhorabilidade. Inocorrência.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO, EM PARTE, E DESPROVIDO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Nº 70033475278 – COMARCA DE PORTO ALEGRE
O.F.D.S.A. – AGRAVANTE;
BRASIL TELECOM / OI – AGRAVADA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conhecer parcialmente do recurso e lhe negar provimento.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ANTÔNIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD E DES.ª KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2010.
DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS,
Relator.
RELATÓRIO
DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento interposto por O.F.D.S.A. contra a decisão que, nos autos da ação de execução de sentença proposta em face da BRASIL TELCOM S/A, entendeu ter havido levantamento indevido de valores pelo procurador da parte exeqüente, determinando o bloqueio dos honorários sucumbenciais a serem percebidos pelo advogado.
Sustenta que o alvará para levantamento de valores foi erroneamente expedido em favor da parte exeqüente, afirmando que não se apropriou da quantia de R$ 160.000,00, a título de verba honorária, mas tão somente do valor de R$ 12.000,00, quantum devolvido após ser intimado para esta finalidade. Insurge-se contra a determinação de retenção dos honorários advocatícios que lhe são devidos, alegando que se trata de verba de caráter alimentar e, portanto, impenhorável. Colaciona jurisprudência, pedindo a concessão do efeito suspensivo ao agravo, bem como a revogação da decisão prolatada e da ordem de representação criminal.
Publicada a nota de expediente, dando conta do indeferimento do efeito suspensivo, e com as contra-razões, argüindo, preliminarmente, que não foi cumprido o disposto no art. 525, I do CPC, retornaram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS (RELATOR)
Rejeito a preliminar de não-conhecimento do agravo de instrumento por ausência de documento
essencial. Com efeito, a tempestividade do recurso é facilmente aferível por meio da certidão de fl. 59, que atesta ter sido disponibilizada a nota de expediente intimando às partes quanto ao teor da decisão recorrida em 20/11/2009, data em que o recurso foi protocolado.
Mesmo que assim não fosse, considerando-se a data em que a decisão impugnada foi proferida, na origem, (13/11/2009) o agravo é pré-tempestivo, porquanto não houve a fluência do prazo recursal de 10 dias entre a data em que proferida a decisão e aquela do protocolo da petição de agravo de instrumento.
Assim, afasto a preliminar de não-conhecimento do agravo de instrumento.
De outro lado, não conheço do pedido de modificação da decisão recorrida no que tange à aplicação da pena de litigância de má-fé ao patrono, porquanto no recurso não há fundamentação alguma nesse tocante.
No que concerne à questão de fundo, o presente recurso retrata mais um lamentável episódio forense e, para melhor compreensão do objeto recursal, faço breve digressão da cronologia dos atos processuais ocorridos na instância a quo.
Conforme se verifica da leitura da fl. 665, em 09 de abril de 2009, o Magistrado, na origem, exarou o seguinte provimento judicial:
“Considerando o resultado da impugnação, que reduz o débito da executada para valor ínfimo, a ser apurado oportunamente, determino a liberação integral do valor depositado para a garantia do juízo”.
A partir desse ensejo, houve uma sucessão de desencontros processuais, cujo início deu-se com o equívoco cometido pelo Sr. Escrivão da 8º Vara Cível do Foro Central ao redigir alvará
correspondente à ordem judicial acima reproduzida.
E tal ocorre porque no referido alvará figurou como “autorizado” a sacar o quantum o advogado D.C.P. (procurador da parte autora) quando o correto seria constar o nome do causídico que patrocina os interesses da Brasil Telecom S/A no presente feito (fl. 666), uma vez que a ordem judicial era para a liberação dos valores depositados pela ré para a garantia do juízo.
Na seqüência da cronologia processual, foi publicada nota de expediente também em erronia, cientificando-se a disponibilização do alvará em favor da “parte autora” (fl. 667).
Depois, sobreveio decisão reconhecendo o equívoco e determinando-se que, em caso de liberação do alvará, fosse intimado o procurador da demandante para a devolução dos valores (fl. 669).
Foi certificado o levantamento da quantia e a realização de contato telefônico com o Procurador (fl. 671), cientificando-se a ré (fl. 682), que se manifestou por ser intimado pessoalmente o causídico para a devolução do quantum, cominação de multa diária pelo descumprimento e condenação do procurador da autora às penas de litigância de má-fé e por ato atentatório à dignidade da Justiça (fls. 676/677).
Sobreveio decisão extinguindo a execução da verba honorária e cominando multa por litigância de má-fé a ser suportada pelo causídico em 20% do valor do crédito pretendido (fl. 678).
O Magistrado, na origem, determinou o bloqueio da quantia de R$ 111.208,33 da conta bancária da demandante, ordenando que o patrono trouxesse aos autos cópia do contrato de honorários, depositando, em 30 dias, o valor da verba honorária de sucumbência e o quantum que reteve a título de contrato particular (fl. 684).
A ré peticionou, requerendo a expedição de alvará para levantar o valor bloqueado da conta da autora, realizando-se penhora on line na conta bancária do advogado (fl. 688).
Determinou-se a expedição de alvará e a intimação pessoal do causídico para cumprir a decisão antes proferida (fl. 690).
Depois, sobreveio a decisão ora combatida, redigida nos seguintes termos:
O advogado da autora, intimado para cumprir as determinações de fls. 388, 401 e 411/v, especialmente restituir o valor levantado via alvará, não o fez, limitando-se ao depósito da simples importância de R$ 12.000,00, ao passo que o valor por ele levantado foi de R$ 328.062,60, mais rendimentos desde o depósito. Além disso, instado a comprovar quanto destinou à autora, pois sabido que em ações da espécie as partes firmam contrato cotalício, o Dr. D.P. também não o fez, nem mesmo depois de intimado pessoalmente, limitando-se a requerer o bloqueio da importância bloqueada nas contas da autora. Sucede que isso é inviável, pois da decisão da impugnação, os agravos interpostos pelas partes foram improvidos a autora junta aos autos apenas o acórdão relativo ao agravo interposto pela Brasil Telecom S/A; todavia, o agravo por ela interposto não foi conhecido, como se apura pela internet. De outra banda, requisitado o extrato da conta da autora junto ao Banrisul, onde foi efetuado o bloqueio da importância de R$ 111.208,83, apura-se que no dia 14.04.09 ocorreu um depósito de R$ 185.092,84.
Ora, em que pese o alvará tenha sido retirado pela advogada inscrita na OAB/RS sob n° XXX (fl. 384v), os autos foram levados em carga pelo advogado da autora, Dr. D., no dia 13.04.09, pois a fl. 384v consta o n° da OAB XXX, mesmo que aparece a fl. 387. Assim, verifica-se que o depósito na conta daquela foi efetuado com o produto do alvará, retendo o Dr. D.P. a importância de pelo menos R$ 142.970,00 (esse valor é maior, pois não se consideram os rendimentos do depósito, efetuado em novembro de 2008 pela Brasil Telecom S/A). Portanto, no mínimo a importância retida pelo Dr. D. deveria ser por ele restituída. Entretanto, no caso concreto, o Dr. D. tinha conhecimento de que o alvará havia sido expedido em favor da autora de forma indevida, pois antes de efetuado o saque, ele levou os autos em carga. Com isso, não poderia desconhecer o teor da decisão de fl. 381, que determinou a expedição do alvará em favor da Brasil Telecom S/A; contudo, por equívoco, o alvará foi expedido em favor da autora, e retirado por sua advogada. Em assim sendo, o Dr. D. tem a responsabilidade de restituir a integralidade do valor levantado pelo alvará, não se podendo escudar no fato de que parte da importância apurada destinou à autora, pois, estando com os autos em carga, tinha pleno conhecimento de que o alvará havia sido expedido de forma equivocada. Portanto, sua obrigação era de restituir o alvará, não de aproveitar-se do descuido do cartório e deste magistrado para apropriar-se de vultosa quantia.
Desta forma, e considerando que até o momento o Dr. D.P. não procedeu à restituição integral da importância por ele levantada, da qual se apropriou indevidamente, impõe-se sua responsabilização na forma do art. 14, V, e § único, do CPC, pela prática de ato atentatório ao exercício da jurisdição, aplicando-lhe multa de vinte por cento sobre o valor que ainda resta para ser restituído valor efetivamente levantado menos o bloqueado na conta da autora e os doze mil reais depositados pelo advogado. Para a aplicação da pena, afasto a ressalva da parte inicial do § único do art. 14, que deixa a punição dos advogados a carga do estatuto da OAB, uma vez que se trata de disposição manifestamente inconstitucional, haja vista que fere o princípio da isonomia, insculpido pelo art. 5º, caput, da constituição Federal. Sucede que para os advogados, as punições pecuniárias são ínfimas, e se limitam, conforme o art. 39 do respectivo estatuto, ao decuplo da anuidade, não passando, portanto, de dez mil reais. Além disso, as condutas previstas no caput do art. 14 do CPC não estão previstas no Estatuto da OAB.
Não existe, por exemplo, infração disciplinar (art. 34 do estatuto) que resulte na punição do advogado pelo não cumprimento de ordem judicial. Portanto, enquanto todos os demais atores do processo, mesmo os que não são partes, mas de alguma forma sejam atingidos por decisões nele proferidas, estão sujeitos às punições pela prática de qualquer conduta prevista no art. 14 caput, o advogado é o único que recebe tratamento especial, privilegiado, não estando sujeito a qualquer punição similar. Tem-se, pois, que a disposição da parte inicial do § único do art. 14 do CPC, ferindo o art. 5º, caput, da Constituição Federal, é de manifesta inconstitucionalidade, pelo que afasto sua aplicação no caso dos autos.
Por fim, considerando que o Dr. D.P. recusa-se a restituir a importância por ele levantada indevidamente, praticando, assim, crime de apropriação indébita, determino sejam extraídas cópias dos autos e remetidas ao Ministério Público para as providências penais cabíveis. Do mesmo modo, considerando que o Dr. D.P. patrocina centenas de demandas similares, nelas percebendo honorários de sucumbência, determino que seja oficiado a todas as varas cíveis do foro central, solicitando o bloqueio de honorários sucumbenciais nessas demandas, até o total de R$ 160 mil.
Diante dos fatos acima relatados, dúvida alguma não remanesce quanto à necessidade integral de restituição da quantia levantada indevidamente.
Seguramente, não se descura a presença de erro cartorário e também do Juízo no que concerne à liberação do alvará.
Todavia, ainda que se admita que o patrono da autora (mesmo ciente do resultado da impugnação ao cumprimento de sentença e tendo retirado os autos em carga) não tenha agido de má-fé, a partir do ensejo em que comunicado quanto à erronia do alvará, deveria restituir de forma imediata a quantia integral levantada, o que não fez. De forma indubitável, a partir deste momento não se tem duvida quanto à deslealdade da conduta empreendida, apropriando-se de valores que não lhe pertencem.
A tese defensiva apresentada na petição de agravo no sentido de que o equívoco foi do Juízo ao assinar o alvará em erronia é pueril, porquanto os lapsos cometidos pelo Escrivão e por parte do Magistrado não autorizam a apropriação indevida dos valores pelo causídico.
A ausência de atendimento da ordem judicial no sentido de que fosse juntada aos autos a cópia do contrato particular de honorários é elemento a indicar que parte da quantia restou retida pelo patrono, porquanto caso o valor integral do alvará tivesse sido repassado para a parte, mais justificável seria a conduta do patrono.
Aliás, na petição de agravo, o causídico expressamente reconhece que reteve parte do valor sacado em virtude de contrato particular firmado com a demandante, mas argumenta que o quantum desde logo foi utilizada para quitação de despesas pessoais, justificação inaceitável.
Não se descura que o mandatário age em nome do mandante, mas, na hipótese, no que concerne aos valores retidos pelo patrono por força de contrato particular de honorários, esse quantum deve ser restituído pelo próprio causídico, porquanto o valor está sob sua posse.
No que concerne ao valor de R$ 160.000,00 apurado pelo Magistrado, a prova da inexistência de retenção do numerário pelo advogado ou sua ocorrência em valor inferior àquele calculado pelo Juiz é de singela produção, bastando o patrono trazer aos autos o já aludido contrato particular de honorários de advogado.
Na ausência desse elemento de convicção, que por certo não aportou aos autos por ser documento cuja carga probatória não favorece a conduta empreendida pelo patrono, a conclusão do Magistrado – extraída a partir de depósito feito na conta bancária da parte após a o saque do alvará – é irretorquível.
Cabe salientar que o alvará pode ser liberado diretamente em nome da parte. Se o patrono tem poderes para levantar o alvará relativo a crédito que, em verdade, não lhe pertence, é seguramente o responsável pela restituição da quantia que reteve para si, ainda mais quando há forte indicativo de dolo, como no caso, e não mero descuido fomentado a partir de erro judiciário.
Frente a esse contexto, a determinação de bloqueio de futuros valores devidos ao causídico decorrentes de honorários de sucumbência até a restituição do quantum retido para pagamento de contato particular de honorários não merece ser modificada.
O argumento longamente desenvolvido na petição de recurso no sentido de que os honorários são impenhoráveis, tratando-se de verba alimentar, não tem sustentação, porquanto a medida, no caso presente, tem por intuito restituir ao credor valores indevidamente apropriados pelo patrono.
Cabe salientar que o instituto da impenhorabilidade tem por escopo resguardar a dignidade da pessoa, erigindo à categoria de quantia monetária não passível de expropriação aquelas destinada ao sustento familiar.
Ocorre, todavia, que, numa ponderação concreta dos valores em conflito, a impenhorabilidade do
salário não serve de justificação ao cometimento de ilícito.
Pelo mesmo fundamento, a extração de cópias e seu posterior encaminhamento por ofício ao Ministério Público com o objetivo de apurar eventual ocorrência de crime é medida salutar, não havendo motivo para revogá-la, já que os fatos ostentam gravidade incompatível com o exercício da tão nobre profissão de advogado.
O pedido de declaração de impedimento do Magistrado não merece ser acolhido, seja porque sua argüição tem procedimento próprio previsto no Código de Processo, seja porque não estão configuradas quaisquer das causas enumeradas no artigo 134 do Código de Processo Civil.
Ao final, aproveito o ensejo para consignar que manobras e sofismas processuais não serão aceitos com o escopo de locupletamento ilícito à custa de equívoco do Poder Judiciário.
DES. ANTÔNIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD
Eminentes Colegas.
O mandato constitui o acordo de vontades pelo qual alguém recebe poderes de outrem para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. Pelo mandato judicial, o advogado é constituído para representar o mandante, na condição de mandatário.
Não obstante possa o advogado responder perante o seu constituinte pelos excessos de poderes tanto a título doloso quanto culposo, inclusive perante terceiros, o fato é que no exercício do mandato judicial ainda que opere com manifesta má-fé na prática de atos processuais está a agir e representar os interesses de quem lhe outorgou poderes e somente a este deve prestar as devidas contas.
No caso, não sendo parte no processo o causídico a ele não deve ser atribuída a pena de litigância de má-fé.
Nesse sentido o § único do artigo 14 do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
[…]
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.
Como se vê, cabe tão-somente à Ordem dos Advogados do Brasil, processar e punir disciplinarmente os seus inscritos, por atos ou omissões conexos ou decorrentes do exercício da advocacia, a teor da Lei nº 8.906/94, Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, cabendo ao Magistrado remeter à respectiva Seccional a representação.
Com essas considerações, de ofício, afasto a aplicação da pena de litigância de má-fé imposta pelo magistrado a quo ao patrono da agravante, já que a matéria não é objeto do presente recurso conforme se depreende da leitura da peça portal, acompanhando o ilustre Relator no desprovimento do agravo.
É, pois, como voto.
DES.ª KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA – De acordo com o Relator.
DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS – Presidente – Agravo de Instrumento nº 70033475278, Comarca de Porto Alegre: “À UNANIMIDADE, CONHECERAM PARCIALMENTE DO RECURSO E LHE NEGARAM PROVIMENTO. FEZ DECLARAÇÃO DE VOTO O EMINENTE DES. ANTÔNIO M. R. DE FREITAS ISERHARD.”