por Luiz Flavio Borges D Urso
Na prática, o direito de acesso do cidadão carente à Justiça no Estado de São Paulo vem sendo assegurado, nos últimos 22 anos, graças ao empenho de milhares de advogados abnegados que patrocinaram suas causas. Esse direito constitucional deve ser arcado pelo Estado por meio da Defensoria Pública e, quando esta não dispuser de quadros suficientes — como em São Paulo —, tal obrigação será suportada por convênio firmado com a seccional paulista da OAB, como expresso no artigo 109 da Constituição Estadual e no artigo 234 da lei complementar 988/06, que criou a Defensoria Pública.
No dia 11 de julho, venceu o prazo para renovação do convênio de assistência judiciária firmado entre a OAB-SP e a Defensoria Pública. Em nenhum momento a Ordem propôs o rompimento do convênio, mas a necessidade de sua renovação em bases mais justas para os 47 mil advogados conveniados que, em 2007, atenderam quase 1 milhão de carentes em 313 postos espalhados pelo Estado.
A Ordem encaminhou à Defensoria Pública proposta de renovação, contemplando reposição inflacionária, já prevista em cláusula do convênio, e aumento real escalonado de 1% a 10% sobre a tabela de honorários, que nas últimas duas décadas ficou tão defasada que vem levando o advogado da assistência judiciária a receber quatro vezes menos do que consigna a tabela mínima de honorários da OAB-SP, depois de cinco anos ou mais de tramitação do processo judicial.
Essa distorção fica ainda mais evidente diante do salário do defensor público, que realiza o mesmo trabalho e recebe em média R$ 8.000,00 mensais, além de contar com infra-estrutura física assegurada pelo Estado. No caso do advogado conveniado, o telefonema, o papel, a tinta da impressora, a energia elétrica etc. saem de seu próprio bolso.
A Defensoria Pública, a princípio, não concordou em negociar, alegando não ter previsão orçamentária. Na verdade, dispõe desses recursos, uma vez que obteve reajuste no orçamento de 2007 para 2008 de 20%, o que possibilitaria abrir negociações.
Em todo o episódio, a atitude da OAB-SP sempre foi muito transparente. Nunca se esqueceu de seus compromissos com o interesse público, o Estado democrático de Direito e a cidadania e quer continuar atendendo o hipossuficiente.
Assim, causou-nos perplexidade o editorial “Atitude indefensável”, publicado nesta Folha (6/8), que tratou o episódio da renovação do convênio de assistência judiciária de forma flagrantemente parcial. O editorial colocou a questão de estruturação da Defensoria Pública, criada há dois anos, de forma unilateral, como se a existência ou não do convênio com a OAB-SP fosse solucionar em definitivo as deficiências da Defensoria.
Certamente, todos nós queremos uma Defensoria Pública com condições ideais de trabalho, a exemplo da magistratura e do Ministério Público.
Por óbvio, isso dependerá de tempo, de iniciativas que competem ao Executivo e ao Legislativo e do apoio da sociedade.
É importante ressaltar que os recursos do convênio com a OAB-SP não saem da Defensoria, mas de parcela das custas extrajudiciais, que recompõem um fundo para esse fim exclusivo. Caso o convênio acabe, os valores não serão revertidos para a Defensoria, mas para o Tribunal de Justiça de São Paulo, como previsto na emenda constitucional 45.
Em nenhum momento a OAB-SP se contrapôs ao interesse público ou à legalidade. Tanto que a Ordem obteve liminar em mandado de segurança na Justiça Federal contra o edital da Defensoria Pública para cadastrar diretamente advogados e proibição do Tribunal de Contas do Estado para que a Defensoria nomeasse advogados com base nessa convocação direta, por ser inconstitucional e ilegal.
O Estado, a OAB-SP, a Defensoria Pública, a imprensa, enfim, todos precisam observar a lei. Todo e qualquer problema da democracia só pode ser resolvido dentro da legalidade.
É importante reiterar que a OAB-SP defendeu a criação da Defensoria Pública de São Paulo, manifestando seu apoio na Assembléia Legislativa e ao governo do Estado. No entanto, não pode aceitar que os 47 mil advogados conveniados sejam apenados com honorários aviltantes até que a Defensoria, hoje com 400 defensores, tenha condições plenas de atendimento à população carente.
Dessa forma, com a recente retomada das negociações sobre a renovação do convênio, esperamos que prevaleça o bom senso e o pleito dos advogados seja atendido no sentido de que possam continuar prestando um bom atendimento à população carente de nosso Estado.
[Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo de sexta-feira (15/8)]
Revista Consultor Jurídico