Divergências de opiniões marcaram a primeira parte do julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), dos Mandados de Segurança (MS) 30260 e 30272, em que suplentes de deputados federais dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais reivindicam a precedência na ocupação de vagas deixadas por titulares de seus partidos que assumiram cargos de secretarias de Estado.
Nos mandados, eles pedem que seja garantida a posse nas vagas por pertencerem ao mesmo partido dos titulares que as deixaram, sobrepondo-se à ordem dos mais votados pelas coligações.
Liminares
No primeiro desses mandados, o suplente Carlos Victor da Rocha (PSB-RJ) obteve, em liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, precedência na ocupação de vaga aberta por Alexandre Aguiar Cardoso (PSB), que assumiu o cargo de secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro. Carlos Victor ficou com a segunda suplência na lista da coligação formada entre o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido da Mobilização Nacional (PMN).
No segundo caso, o ex-deputado Humberto Souto, suplente de deputado federal por Minas Gerais mais votado do PPS na coligação PSDB/DEM/PP/PR/PPS, obteve, também em liminar da ministra Cármen Lúcia, o direito de ocupar a vaga deixada pelo deputado Alexandre Silveira de Oliveira (PPS-MG), que se licenciou do mandato para assumir o cargo de secretário de Estado Extraordinário de Gestão Metropolitana de Minas Gerais. Também neste caso, Souto foi o segundo suplente mais votado da coligação.
Em ambas as decisões, a ministra Cármen Lúcia baseou-se em liminar concedida em dezembro de 2010 pelo Plenário do STF, no MS 29988, no sentido de que, no sistema eleitoral proporcional, os mandatos parlamentares pertencem aos partidos políticos, e não às coligações. Entretanto, a presidência da Câmara ainda não promoveu a posse dos dois suplentes, em virtude da interposição de recursos por parte dos atuais ocupantes das vagas por eles pleiteadas.
Naquele caso, a Corte determinou que a vaga deixada pela renúncia do deputado Natan Donadon (PMDB-RO) fosse ocupada por suplente do próprio partido.
Alegações
Os advogados dos dois autores dos mandados apoiaram-se justamente na decisão do STF no julgamento do MS 29988 e nas liminares concedidas pela ministra Carmen Lúcia. Sustentaram, ademais, que a coligação só tem vigência no período entre as convenções partidárias e a proclamação do resultado das eleições, quando deixariam de existir. Até porque, como sustentaram, o eleitor não vota na coligação, mas no partido.
Sustentaram, ainda, que a manutenção das coligações poderia provocar desequilíbrio na distribuição de forças no Congresso Nacional, onde os cargos nas Mesas da Câmara e do Senado e nas comissões técnicas são distribuídas proporcionalmente, por partidos.
Por fim, pediram a concessão da segurança no mérito para garantir a posse imediata dos dois suplentes, sem modulação, isto é, sem projetar a decisão no passado ou no futuro.
Divergência
A esses argumentos se opuseram a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República. Seus representantes na sessão desta tarde sustentaram que os dois casos em julgamento hoje são diversos daquele do MS 29988, em que um deputado renunciou ao mandato. Trata-se, nos dois casos, segundo eles, de decisões políticas dos partidos e dos titulares de aceitar os cargos de secretários de Estado.
Outros casos invocados pelas defesas, segundo as duas entidades, tratavam de infidelidade partidária, sendo também casos diversos. Segundo a advogada da União Grace Maria Fernandes Mendonça, da AGU, o único precedente do STF semelhante aos dois casos de hoje é o MS 28143, em que o ministro Ricardo Lewandowski indeferiu pedido de liminar.
Segundo ela, nos dois casos em julgamento, não houve renúncia, cancelamento de inscrição ou infidelidade partidária, mas uma opção política de assumir um cargo de confiança. Ela lembrou, neste contexto, que integrar uma coligação é opção do próprio partido.
Em seu entender, basta apenas aplicar a lei. Ela citou os artigos 107 e 108 da Lei 4.737/65 (Código Eleitoral), na redação que lhe foi dada pela Lei 7.454/85, segundo os quais deve ser atribuído a cada partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos sob a mesma legenda ou coligação.
O artigo 108 prevê que “estarão eleitos tantos candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido”
De acordo com a advogada, os efeitos da coligação devem estender-se para além da diplomação, sob risco de graves distorções. Segundo ela, se um determinado deputado do Amazonas deixar sua vaga, corre-se o risco de uma suplente do mesmo partido, que obteve apenas 17 votos, assumi-la, quando o primeiro suplente da coligação obteve 69 mil votos. “Qual das soluções retratadas atende mais a vontade popular?”, questionou ela.
O advogado de um dos litisconsortes passivos (parte contrária no MS) afirmou que, por ocasião da vacância do cargo do deputado mineiro e da posse do suplente, em 4 de fevereiro último, Humberto Souto, autor do MS 30272, sequer estava diplomado como suplente, portanto o MS preventivo por ele impetrado por aquela data teria perdido o objeto. Além disso, conforme alegação do deputado, ele entrou com a ação antes da manifestação do seu partido, que teria prioridade para isso e 30 dias de prazo para fazê-lo, mas sequer o fez.
Ele disse, também, que o primeiro suplente da coligação, Jairo Ataíde Vieira, que é da mesma cidade de Souto, Montes Claros (MG), e tem sua base eleitoral naquela região, obteve 10 mil votos a mais que Souto. Portanto, empossar o autor do MS seria ignorar o princípio da soberania popular
PGR
Ao defender a precedência dos suplentes de coligação na ocupação de vagas abertas por titulares, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, observou que nenhum partido é obrigado a se coligar e, se o faz, é porque quer reunir forças com outros partidos para obter melhores resultados.
Assim, ele defendeu a aplicação dos artigos 107 e 108 do Código Eleitoral, ou seja, o preenchimento das vagas abertas por titulares pelos suplentes mais votados, pois essa sistemática atende melhor ao princípio da soberania popular.
Também em seu entendimento, não cabe invocar precedentes em que estava em julgamento a fidelidade partidária. Os dois casos hoje em julgamento são diferentes. No entender do procurador-geral, a coligação e os resultados dela decorrentes são um ato jurídico perfeito, que não cabe contestar.