“A realização de julgamentos sem a reunião física dos membros do colegiado e sem a presença sequer dos advogados das partes poderá ocasionar um indesejável distanciamento dos integrantes do Poder Judiciário em relação aos jurisdicionados.” Essa é a conclusão de um grupo de advogados que apresentou ofício à presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, manifestando-se contra a Resolução TJ/OE 13/2011. Ela regulamenta o modo como serão julgados os recursos contra as decisões monocráticas, prevendo os chamados julgamentos virtuais.
De acordo com a resolução, o julgamento de Embargos de Declaração e Agravo Interno poderá ser feito de maneira eletrônica. Ou seja, o relator do recurso encaminha por meio eletrônico o “projeto de acórdão” aos demais desembargadores do colegiado. Estes devem se manifestar no prazo de 24 horas. Caso haja divergência, o recurso é apresentado em mesa para ser julgado na sessão de julgamento seguinte.
No ofício, os advogados Sergio Tostes, Miguel Pachá, Maria Hetilene Tostes e André Hermanny chamam a atenção para as consequências que o julgamento virtual pode acarretar. “Entendem os signatários que a implantação da Resolução poderá causar danos à imagem de imparcialidade e transparência construída solidamente por esse Egrégio Tribunal durante décadas de serviços exemplares prestados à sociedade fluminense”, escrevem.
Para os advogados, a resolução que estabelece o julgamento virtual contraria princípios constitucionais como o inciso IX do artigo 93 e LX do artigo 5º. Os dispositivos estabelecem a publicidade das sessões de julgamento e de todos os atos processuais. Além destes, os advogados afirmam que a resolução afronta, ainda, os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, também elencados na Constituição. “Os artigos 537 e 557, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, estabelecem expressamente que o relator ‘apresentará em mesa’ os recursos de Embargos de Declaração e Agravo e, em seguida, proferirá voto”, completam.
Os advogados sustentam que as sessões virtuais restringem o direito à ampla defesa por não permitir que as partes e os advogados tenham a “exata dimensão” dos motivos que levaram os desembargadores a negar um recurso. “O acórdão contempla a essência do entendimento da turma julgadora sobre os pontos levados a análise, mas não supre a riqueza dos debates orais travados nas sessões públicas de julgamento”, dizem. Eles pedem que a resolução seja suspensa até que haja uma análise por parte de quem será afetado pelo julgamento virtual.
Pauta abarrotada
Em entrevista à ConJur, o presidente da Amaerj, desembargador Antonio Cesar Siqueira, disse que as pessoas têm que ser realistas. “Hoje, às vezes, até com advogado presente — e no Superior Tribunal de Justiça se procede assim — quando a situação é conhecida dos colegas se faz o julgamento por ementa. O relator diz qual é a hipótese e o entendimento dele; se os outros estiverem de acordo, vão aderir. E não há nenhuma reclamação disso”, diz.
Já no julgamento virtual, afirma Siqueira, o relator do recurso encaminha o acórdão inteiro para o revisor, que por sua vez diz se está de acordo ou não. Com o voto do revisor, o acórdão é remetido para o vogal. “Na verdade, é um julgamento mais completo do que aquele feito na sessão de julgamento da Câmara. Não vejo sentido na reclamação se o advogado não está presente ou se já não tem direito à sustentação oral”, entende.
Para o presidente da Amaerj, se o advogado está presente e diz que quer acompanhar o julgamento, assim deve ser feito. “O advogado tem direito de acompanhar, de levantar uma questão de ordem. Mas se o advogado não está na sessão e não há ninguém para exercer o direito de manifestação, não tem sentido os juízes ficarem falando um para o outro aquilo que eles já passaram por escrito. É um formalismo absolutamente ineficaz, que, ao contrário, atrapalha, porque esses processos sequer deveriam encher a pauta de julgamento”, conclui.
O parágrafo único, do artigo 4º, da Resolução prevê que, “proclamado o resultado do julgamento do recurso, se qualquer das partes presentes a sessão o requer, e apresentar questão de fato considerada relevante, o recurso será reapreciado em sua presença”. Siqueira disse que ninguém quer impedir o trabalho do advogado.
Colegiado de um
A preocupação dos operadores do Direito quanto ao julgamento virtual pelo TJ fluminense está relacionado também às decisões monocráticas, ou seja, aquelas que são decididas apenas pelo relator do recurso. É que um dos recursos que podem ser julgados virtualmente é o que ataca a decisão monocrática.
O artigo 557, do Código de Processo Civil, que prevê o julgamento por um só desembargador, deve ser aplicado para recursos manifestamente improcedente ou quando a matéria já está pacificada. Ela tanto pode servir para negar provimento a uma Apelação quanto a um Agravo de Instrumento.
Pesquisa feita FGV Direito Rio, coordenada pela pesquisadora Leslie Ferraz, revelou que, em cinco anos, a quantidade de decisões monocráticas pulou de 23% e passou a representar 40% do total de julgados do TJ do Rio. A pesquisa foi feita com base em dados de 2008.
A mesma pesquisa concluiu que houve aumento também na rapidez do julgamento. Os recursos julgados monocraticamente, mesmo que submetidos ao colegiado posteriormente, tem um trâmite três vezes mais rápido do que os processos que são levados direto à turma julgadora.
O Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2011 mostra que há uma preocupação não só de advogados como de alguns julgadores quanto ao aumento do número de decisões monocráticas no tribunal. No caso do Agravo de Instrumento, o advogado não pode sustentar durante o julgamento desse recurso. A queixa dos operadores é de que a decisão monocrática em Apelação impede que o advogado faça a sustentação oral durante o julgamento do Agravo Interno, que combate a monocrática, no colegiado.
Para os advogados, há uma restrição ainda maior se esses Agravos Internos passarem a ser julgados de forma virtual, sem que eles possam estar presentes. Aliado a isso, há uma queixa de que o acesso aos julgadores está cada vez mais difícil. Hoje, o advogado deve identificar-se na recepção do andar onde fica o gabinete, ser anunciado, falar com o assessor — alguns vão ao encontro do advogado na recepção ou lhe pedem para deixar o memorial com a recepcionista — e despachar com o desembargador.
O presidente da Amaerj afirmou, na entrevista, que a decisão monocrática só é um problema se for mal utilizada. “Os tribunais, como o do Rio de Janeiro, vêm sumulando seu entendimento para legitimar o julgamento pelo artigo 557. As súmulas fazem referência à própria unificação de jurisprudência do tribunal”, disse. Para ele, se o instrumento estiver sendo aplicado de modo a extrapolar os limites dos casos em que é aplicado, não se pode tratar o que é exceção como regra.
Alternativas para rapidez
O grupo de advogados, no ofício, não leva apenas a insatisfação com a resolução e a preocupação com suas consequências. Os advogados fizeram questão de incluir no documento sugestões para contribuir com a rapidez do Judiciário.
Uma das sugestões dos advogados está relacionada à organização da sessão de julgamento, que, segundo eles, deveria ocorrer em função da presença de interessado nos feitos. “Antes de iniciada a sessão, caberia ao interessado indicar à secretária ou ao meirinho a sua presença e o desejo de acompanhar o julgamento. Todos os recursos com preferência regimental e aqueles com interessados presentes seriam julgados na primeira parte dos trabalhos. Na segunda parte, a Câmara julgaria os demais recursos sem a possibilidade de intervenções ou do uso da palavra”, explicam.
É nessa segunda parte que as Câmaras poderiam adotar a forma de julgamento virtual. “Com isso, a presença do representante da parte interessada seria o divisor de águas na sessão. Com sua presença, o julgamento ocorreria de forma regular, como atualmente; sem sua presença, seria facultado à Câmara utilizar a forma de julgamento estabelecida na Resolução TJ/OE 13.”
Eles também sugerem a criação de Câmaras Especializadas. “A criação de Câmaras Especializadas permitiria a otimização do tempo de magistrados e advogados, além de propiciar a padronização dos julgados e, consequentemente, maior segurança jurídica”, entendem.
Os advogados sugeriram que a divisão fosse feita nos moldes do primeiro grau. “O novo sistema contemplaria Câmaras Cíveis (com possibilidade de separação da matéria consumerista), Câmaras Empresariais, Câmaras de Fazenda Pública (com possibilidade de separação da matéria tributária), Câmaras de Família e Sucessões, e questões atinentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente, além das já existentes Câmaras Criminais. Em suma, far-se-ia um remanejamento das Câmaras hoje existentes, sem necessidade de custos adicionais para o Tribunal.”
Quanto à sugestão de especialização das Câmaras, o Anuário mostra que há uma divisão dos desembargadores quanto ao tema. Alguns concordam com os advogados de que a especialização aceleraria os julgamentos, além de imprimir maior qualidade às decisões. Outros entendem que deve ser mantido da maneira como está, apenas com a divisão entre matéria cível e criminal.