Algemas sim – Preso é preso, deve ser algemado e com as mãos para trás

por Arryanne Queiroz

A Suprema Corte norte-americana reconheceu o direito constitucional do policial de algemar suspeitos durante abordagem para busca e revista pessoal, situação muito menos periclitante que aquela decorrente do cumprimento de ordem judicial de prisão cautelar com condução e deslocamento de preso (caso Muehler X Mena, 2005).

O debate jurídico sobre o uso de algemas como medida de contenção não é novidade. Noutros países, porém, a discussão avança sobre os desdobramentos de sua aplicação, em que as instituições policiais buscam aprimorar diretrizes e mecanismos de contenção que não lesionem os pulsos nem provoquem a morte de presos, como já aconteceu nos Estados Unidos (caso State X Loretta A. Gough, 2002).

Após a exposição da prisão de pessoas do cenário político e de empresários pela imprensa, recentemente, o Congresso Nacional retomou reflexões a partir do Projeto de Lei 184/04 para defender que, em nome dos direitos humanos, a constrição deve ser uma exceção no cotidiano das operações policiais.

O Projeto de Lei 184/04 é uma provocação aos limites de tolerância moral da sociedade. Segundo seu artigo 2º, as algemas somente poderão ser empregadas, por exemplo, durante o deslocamento do preso, quando o indivíduo oferecer resistência ou se houver fundado receio de tentativa de fuga.

Apesar do silêncio do projeto, essa é uma opção legislativa aplicável também para os casos de execução de prisão preventiva e temporária, excepcionais em sua gênese legal. A dispensa do uso de algemas nos casos de prisão cautelar desafia a compreensão lógica comum, porque o preso será conduzido a um cárcere com grades de ferro. O uso de algemas é um consectário lógico da prisão, salvo exceções, que não podem ser uma regra.

No mesmo sentido, se uma das finalidades da algema é justamente reduzir as chances de fuga, ataque e de automutilação do preso, o projeto propõe, enfim, uma subversão de ordem.

É evidente que sempre deve haver uma razão objetiva para o uso de algemas. E razão mais consistente do que uma decisão judicial, proferida pelo juiz competente devidamente investido no cargo, não pode existir. Assim, afora situações excepcionais, todos os indivíduos contra os quais houver ordem de prisão temporária ou preventiva devem ser algemados, justamente como se deu na operação Satiagraha, da Polícia Federal, independentemente do status social do preso. Ou seja, os meios alternativos de segurança devem ser usados apenas se, por exemplo, a pessoa sob custódia tiver ou apresentar alguma lesão, deficiência ou condição pessoal que possa se agravar pelo uso das algemas.

A sensação de mal-estar diante da ordem de prisão é absolutamente incontornável, mas esse é o preço que se paga para viver em uma sociedade onde o Estado combate o crime conforme o devido processo legal, e uma prova disso é que a absolvição após processo criminal, por exemplo, independentemente do sofrimento que isso cause ao acusado, não enseja danos morais.

Uma breve análise do projeto revela algumas incongruências. Não faz sentido, por exemplo, restringir o uso de algemas às situações em que o preso oferece resistência ou mostra intenção de fuga ao argumento de que o uso das algemas é constrangedor. O constrangimento não reside no uso de algemas em si, mas decorre da exposição popularesca do indivíduo algemado, o que não é absolutamente gerenciável e inevitável diante da voracidade da imprensa.

A verdadeira quebra de direito fundamental se dá com a restrição da liberdade. A algema não configura uso abusivo de força, mas, sim, um mecanismo legítimo para a prevenção do uso da força policial, o que pode colocar em risco desnecessário a integridade de terceiros e do preso. Nem todos os direitos fundamentais do preso são preservados, ao menos temporariamente, a começar pela sua liberdade de locomoção. Os direitos incompatíveis com a prisão são restringidos, como, por exemplo, o exercício do sufrágio. Nesse ponto, o Projeto de Lei 185/04 é uma ode à hipocrisia.

A polêmica sobre as algemas é um debate político de conveniência, que faz sombra ao cerne das operações da Polícia Federal: o combate à corrupção, entre outras ações criminosas de colarinho branco que impedem o crescimento do Brasil. A regulamentação do uso de algemas é importante num país que se pretende cada vez mais compromissado com os direitos humanos, muito embora a implementação de políticas para a melhoria das condições de vida da população carcerária, por exemplo, sejam demandas muito mais prementes.

Na comunidade da Polícia Federal, e certamente nas dos policiais militares e civis, sobram relatos sobre mortes e lesões graves por ataque de presos conduzidos sem algemas. Preso é preso, deve ser algemado e com as mãos para trás, salvo exceções justificadas, ao contrário do que defende o projeto e o Supremo Tribunal Federal, com a edição da Súmula Vinculante 11.

É muito confortável defender, do alto dos gabinetes luxuosos, a dispensa de algemas como regra policial em nome dos direitos humanos do preso — que, por isso, já não usufrui de todos os direitos fundamentais —, quando as conseqüências dessa imposição em abstrato são nefastas para os direitos humanos dos outros, em especial os dos policiais.

Revista Consultor Jurídico

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