Se a vantagem é legítima, o crime não é de extorsão, e sim de exercício arbitrário das próprias razões, popularmente conhecido como fazer justiça com as próprias mãos. O delito está previsto no Código Penal e, no caso de ser praticado sem emprego de violência, somente se procede por meio de Ação Penal Privada (queixa-crime). E não pelo instrumento da Ação Penal Pública, sendo, portanto, o Ministério Público incompetente para promover a denúncia.
Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo para negar razão ao Ministério Púlbico que pretendia a condenação de uma mulher de Rio Claro pelo crime de extorsão. Ela, que rompeu um casamento de 22 anos, teve um relacionamento amoroso de sete anos com um padre da congregação dos Claretianos. A mulher quando descobriu que o religioso iria mudar de cidade entendeu que tinha direito de ser ressarcida pelo longo relacionamento e ameaçou revelar o segredo se o padre não a recompensasse em dinheiro.
O caso de Rio Claro lembra o romance O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz (1845-1900). Nele, o o escritor português conta uma feroz história anticlerical. O livro narra o relacionamento do padre Amaro Vieira com a filha da dona da hospedaria onde o religioso vai morar. Ao envolver-se com a garota, Amaro descobre o cinismo de seus colegas de batina em relação ao celibato. A menina acaba grávida e morre durante o parto e o padre entrega a filha a uma “tecedeira de anjos”. Morta também a criança, Amaro, se transforma num cínico descarado e prossegue a carreira religiosa.
Na vida real, o padre R. B., então diretor administrativo do Colégio Integrado e Faculdades Claretianas de Rio Claro (no interior de São Paulo), teve um caso confesso de amor e sexo com uma mulher casada que durou sete anos (de 1997 a 2004). H. se separou do marido para viver com o padre que chegou a sugerir que largaria a batina para ficar com ela.
Mudança de planos
Em 2004, o relacionamento dos dois se deteriorou, depois que o religioso contou que iria embora de Rio Claro. A mulher entendeu que o padre não podia abandoná-la e que tinha direito a um ressarcimento por anos de vida em comum. Como o padre não cedeu às exigências, ela ameaçou relevar o caso dos dois. Hoje, ela vive da aposentadoria e da ajuda da filha.
Temendo o escândalo, o padre decidiu pagar o valor de R$ 40 mil pelo silêncio da mulher. Retirou o dinheiro da conta corrente da instituição religiosa em que era diretor e a entregou a H., jogando o dinheiro sob o portão da casa da mulher, de acordo com a versão de R. e da Polícia.
“Eu não quis continuar com ela, ela pediu dinheiro, alegando que do contrário ela iria fazer público o nosso caso; ela disse que não iria sair do relacionamento sem nada, quando eu fui levar o dinheiro para ela, vieram os policiais e a prenderam”, contou o padre em depoimento à Justiça.
A história ficou confusa a partir da entrada da Polícia. De acordo com os policiais, a suposta extorsão foi descoberta por meio de grampo telefônico. O Denarc interceptou os telefones do padre e da amante numa investigação de tráfico ilícito de entorpecentes e resolveu conferir a exigência feita pela acusada. A versão da polícia merece uma correição.
Os policiais contaram que fizeram campana na porta de H. e quando o padre chegou e jogou o dinheiro pelo portão prenderam os dois, que foram levados para a capital paulista.
H. disse à polícia que conheceu o padre em 1997, quando ele atuava na Paróquia São José Operário, em Rio Claro. Contou que o procurou para aconselhamento espiritual. Seu ex-marido era integrante do coral da matriz e o padre pretendia montar uma banda sacra. De acordo com a mulher, a partir daí o padre começou a visitar sua casa. O marido só descobriu a traição cinco anos depois, pondo fim ao casamento de 22 anos.
O caso ficou nas mãos do delegado Pedro Pórrio, que indiciou H. por extorsão e liberou o padre. De acordo com o delegado, o dinheiro apreendido foi devolvido ao representante dos Claretianos.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra H. pelo crime de extorsão. Argumentou que a vítima — o padre — sofreu de grave ameaça e foi obrigado a ceder vantagem indevida à mulher. A Justiça disse que o Ministério Público não tinha razão, pois a conduta da mulher seria o delito de fazer justiça com as próprias mãos (previsto com Código Penal como exercício arbitrário das próprias razões).
Para o juiz de primeiro grau, o Ministério Público era parte ilegítima para oferecer a denúncia, pois o crime, quando praticado sem violência, deve ser denunciado por meio de queixa-crime (Ação Penal Privada). O MP apelou ao Tribunal de Justiça contra a decisão
Para o tribunal ficou comprovado que H., exigia de R. o pagamento em dinheiro, para não divulgar o relacionamento ilegítimo entre os dois. “Todavia, a conduta da mesma tinha por finalidade a obtenção de vantagem devida ou supostamente devida, pelo que a pretensão ministerial de vê-la condenada pelo crime de extorsão não merece acolhida”, argumentou o relator do recurso, desembargador Paulo Rossi.
Ou seja, para o tribunal, H. reclamou o ressarcimento que entendia ter direito ou de uma obrigação que achava legítima e, por esse motivo, ao agir unicamente com pressão moral, não incorreu no crime de extorsão, mas no de fazer violência com as próprias mãos (ou exercício arbitrário das próprias razões). Pelo raciocínio do tribunal paulista, embora a dívida cobrada por H. não fosse legítima, ela acreditava que fosse, motivo que a levou a procurar receber alguma reparação pelo rompimento do longo relacionamento com o padre.
“O dolo, para configuração do delito de extorsão, caracteriza-se pela vontade constranger, ou seja, obrigar a vítima a ceder, para si ou para outro, indevida vantagem econômica”, explicou o relator. “Entretanto, no caso, em nenhum momento esta foi a intenção da apelada; ao contrário, acreditava que estava cobrando uma dívida justa e legal, e não uma vantagem indevida”, completou.
Como não foi oferecida queixa-crime e não sendo possível a desclassificação para o crime de exercício arbitrário das próprias razões, o tribunal entendeu que era obrigado a extinguir a punibilidade de H., por conta da decadência do direito de ação do padre R. B.
Fim do celibato
Na Itália, de acordo com informações da BBC, representantes de um grupo de mulheres que dizem ter relações sentimentais com sacerdotes católicos enviaram carta aberta ao Vaticano para pedir o fim do celibato para os padres. O grupo é formado por cerca de 40 mulheres de várias cidades da Itália, que tiveram ou ainda têm um relacionamento com padres católicos. Elas se conheceram e se comunicam através da internet.
A carta enviada ao Vaticano foi enviada por 10 mulheres, mas assinada apenas por três delas: Antonella Carisio, Maria Grazia Filipucci e Stefania Salomone. “Estamos acostumadas a viver de forma anônima os poucos momentos que os padres nos concedem e vivemos diariamente o medo e as inseguranças dos nossos homens, suprindo suas carências afetivas e sofrendo as consequências da obrigação do celibato”, diz o texto da carta, que foi enviada a 150 órgãos de imprensa italianos.
Embora exista desde 2007, o grupo só ficou conhecido recentemente, devido ao escândalo dos abusos sexuais cometidos por padres católicos. O celibato foi apontado como uma das possíveis causas dos abusos e a ala progressista da Igreja Católica defende sua abolição. O papa Bento 16, no entanto, reafirmou que o celibato é obrigatório e que seu valor é “sagrado”.
“Quando ouvimos mais uma vez o papa declarar que o celibato é sagrado, decidimos escrever pedindo que ele seja eliminado ou que se torne opcional”, disse Stefania, 42 anos, de Roma, que diz ter um relacionamento de cinco anos com um sacerdote. “A coisa fundamental é que não se saiba. O superior do religioso não tem interesse de impedir que o padre se encontre com uma mulher ou mesmo com um homem. O problema surge quando isto se torna público, ou quando desta relação nasce um filho. No grupo temos mulheres com filhos de padres.”