Anos de balcão – Regra para promoção de juízes agita Justiça de MT

por Débora Pinho e Aline Pinheiro

Enquanto a briga de juízes em alguns tribunais do país é sempre pela promoção por merecimento, que dificilmente tem critérios objetivos, a promoção por antiguidade tem agitado os bastidores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Uma mudança inserida pela Emenda Constitucional estadual 46, de 22 de novembro de 2006, provocou alteração na lista dos mais antigos para novas promoções em caso de empate. Pela regra, o tempo de exercício da advocacia privada deve ser contado assim como o tempo de serviço público para a promoção de juízes em caso de desempate. Para alguns, a mudança acabou com injustiças. Para outros, criou confusão.

Um juiz de Mato Grosso, que prefere não se identificar, conta que um colega que tinha atuado como advogado antes de entrar para a magistratura ficaria em uma posição, na lista de promoção, inferior a outro que anteriormente trabalhou como gari da prefeitura se houvesse empate. Agora, com a equiparação, muitos conseguiram pular degraus nessa lista. O colega do juiz, por exemplo, somou os nove anos como advogado.

O caso já chegou ao Supremo Tribunal Federal. O governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Emenda estadual 46/06. Para ele, a emenda desrespeita o artigo 93 da Constituição Federal, que trata, entre outros assuntos, da promoção. O argumento é o de que, em nenhum momento, o dispositivo diz que o tempo de advocacia privada tem de ser contado. O relator da ADI é o ministro Gilmar Mendes.

A OAB de Mato Grosso vai pedir para a OAB nacional entrar como amicus curiae na ADI. O pedido será feito formalmente pelo presidente da OAB-MT, Francisco Faiad, na próxima reunião do Conselho Federal, no início de abril. Ele disse que a expectativa dos advogados é a de que o STF considere constitucional a regra aprovada pela Assembléia Legislativa.

A OAB-MT já participa como amicus curiae de um pedido de Mandado de Segurança de um grupo de juízes, que foram advogados. Eles pediram ao Tribunal de Justiça que o tempo de advocacia privada fosse contado, em caso de empate, para as vagas abertas na promoção por antiguidade no interior e em Cuiabá. A segunda instância não atendeu ao pedido no fim do ano passado. Os juízes, então, pediram Mandado de Segurança e a promoção foi paralisada enquanto não se decide o impasse.

Jogo de argumentos

Enquanto o STF não julga a problemática em torno da Emenda 46, nos bastidores do TJ mato-grossense, acontecem os mais apaixonados debates. Em geral, em defesa do próprio umbigo. Quem tem advocacia para contar é a favor da validade da emenda. Quem tem só serviço público a considera um absurdo.

O juiz Paulo de Toledo, que já advogou, defende a emenda. “Advocacia é um serviço essencial. Sem o advogado, a pessoa não pode estar em juízo”, justifica. Ele vai além. Aposta que o tempo de exercício na advocacia privada deve ser considerado também para a concessão de benefícios na magistratura. Entre eles, a aposentadoria.

Um desembargador do TJ-MT explica que o Regimento Interno do tribunal não foi mudado. O primeiro critério de desempate ainda é o tempo de serviço público. O desembargador, membro da cúpula da Justiça mato-grossense, prefere não dar sua opinião, mas insinua o que pensa: “Advocacia é atividade particular. Estão tentando dizer que tempo de advocacia deve ser contato como serviço público. É ou não é?”.

Francisco Faiad, presidente da OAB-MT, defende a advocacia. “A advocacia privada está sendo preterida porque qualquer trabalho jurídico feito por advogado nos órgãos públicos entra nessa contagem.” Ele baseia a defesa da computação da advocacia privada em dois dispositivos: artigo 133 da Constituição Federal e artigo 2º, parágrafo 1º, do Estatuto de Advocacia. O primeiro diz que o advogado é indispensável à administração da Justiça. O segundo afirma que, no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

“O exercício do direito de defesa está ligado à cidadania e é um serviço público mesmo que seja prestado pela advocacia privada”, diz Faiad. Ele lembra, inclusive, que “quando a parte não tem advogado, o juiz nomeia um para defendê-la”.

Já o corregedor-geral da Justiça do TJ-MT, desembargador Orlando Perri, é “absolutamente” contra a contagem da advocacia privada. Para ele, a regra simplesmente é “um disparate” e “uma verdadeira burla ao magistrado de carreira”. Ele diz que, se for assim, daqui a pouco terá de ser somado o tempo de serviço de integrante do Ministério Público que entra na magistratura pelo quinto constitucional.

O desembargador considera que o tempo de serviço público deve prevalecer sobre a advocacia privada independentemente do cargo que se exerceu. De acordo com ele, esse critério é mais justo porque se trata de prestação de serviço ao Estado. Segundo Perri, nem mesmo o Estatuto da Advocacia, no artigo 2º, parágrafo 1º, serve para embasar a contagem. A interpretação do dispositivo, na sua visão, é a de que o advogado presta serviço de interesse público, mas não serviço público. Ele acredita que o STF vai considerar a regra inconstitucional.

Revista Consultor Jurídico

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