por Leandro Pesoti Netto
As poison pills, conforme a própria denominação aponta, são venenos destinados à pulverização das ações no mercado. Com a maior difusão dos papéis no mercado restariam dificultados o surgimento de grupos controladores e a concentração de ações. Contudo, seus efeitos podem, por vezes, gerar malefícios às empresas.
Dentre eles, podemos mencionar a perpetuação de um restrito número de acionistas no comando da companhia. Por esta razão, o uso excessivo desse mecanismo tem sido questionado, sendo buscados verdadeiros antídotos às poison pills, quando abusivamente empregadas. Entre os antídotos possíveis, abordaremos alguns pouco debatidos, os dispositivos gerais que regulamentam qualquer obrigação contratual.
Analisaremos, primeiramente, o que poderia ser titulado como excesso no emprego das poison pills. Constataremos exageros, por exemplo, em alguns IPO’s, que limitaram a concentração na participação do capital de suas companhias a 10%. Não bastasse um índice de concentração tão baixo — em regra, as empresas que se valem das poison pills limitam a detenção de capital a porcentagens não inferiores a 20% — as companhias mais estremadas têm adotado severas penas àqueles que não seguem as vedações colocadas pelas pílulas.
Dentre tais sanções apontamos a mais polêmica delas, que impõe àqueles que aprovarem, em assembléia, a derrubada da poison pill, a oferta de suas próprias ações. Este mecanismo confere às poison pills caráter de perpetuidade. Um acionista não aprovará a alteração do estatuto para remoção das mesmas quando sabe que será penalizado com a sua própria retirada.
Não bastasse a oferta pública das ações daqueles que votam pela remoção das pílulas ou daqueles que ultrapassam os limites de concentração, os prêmios impostos nas ofertas têm sido demasiadamente elevados. Há companhias que prevêem prêmios de 20% ou até mesmo de 50%. Tais mecanismos, por evidente, não apenas garantem a pulverização de ações. Permitem, ainda, a concentração da administração das companhias.
Medidas como essas são demasiadamente onerosas a todos aqueles que não possuem o controle da empresa, o que afugenta potenciais investidores, dentre eles os aventados fundos conservadores que virão com a classificação de grau de investimento conferida pela Standard & Poor’s.
Contudo, é fundamental ter em mente que um estatuto social, ao regulamentar sua companhia, está vinculado não apenas às disposições da Lei das Sas. Ele permanece ligado, ainda, às regras gerais que regulamentam qualquer relação contratual. Afinal, a constituição de uma empresa se submete aos dispositivos que regem qualquer outro negócio.
E, dentre os ditames mais arraigados aos negócios jurídicos, está aquele que impõe equilíbrio a qualquer relação contratual, o princípio da equidade. Assim, se o estatuto cria verdadeiros dispositivos garantidores de um único grupo controlador, haverá ofensa ao predito princípio. Isso fará com que essas disposições percam sua eficácia exatamente porque asseguram vantagens demasiadas, mantidas por ônus excessivo imposto aos demais acionistas.
Poison pills com sanções abusivas afrontam, igualmente, o princípio da função social do contrato. Com esse ditame, o legislador pretendeu garantir a defesa do elemento mais destacado de um negócio, qual seja, o econômico, que busca viabilizar e fomentar a circulação de riqueza.
Essa circulação sofre pesada restrição com a aplicação de disposições que simplesmente inviabilizam a aquisição de novas ações e a reforma do estatuto, valendo-se, para tanto, de penas impostas a quem ultrapassa os limites estatutários. Tal fato, igualmente, nos leva a questionarmos a legalidade dos excessos trazidos por algumas dessas pílulas veneno.
Em análise mais ampla há, ainda, outro elemento a ser ponderado, vez que os novos acionistas, ao adquirirem suas ações, simplesmente aderem ao estatuto, que não foi por eles redigido. Tal fato nos permite dizer que as regras voltadas para os acionistas, em uma sociedade de capital aberto, são impostas unilateralmente, o que nos leva a afirmar que as disposições abusivas, igualmente, podem ser questionadas.
Ante os apontamentos trazidos podemos afirmar que disposições estatutárias abusivas, travestidas sob a forma de poison pills, podem e devem ser combatidas para que a companhia passe a viabilizar aos seus acionistas a possibilidade de renovação do controle, o que a torna atrativa, também, para eventuais investidores.
Por fim, vale apontar que não pretendemos aqui rechaçar as poison pills como se fossem mecanismos nefastos à sobrevivência do capital aberto. Esse mecanismo, quando empregado nos estatutos sociais de modo equilibrado, conferindo a possibilidade de renovação da empresa, pode ser vantajoso. Contudo, excessos, talvez nascidos da ausência de prática no emprego desse instituto, não podem ser tolerados enquanto perpetuadores de controle, disfarçados de instrumento de governança corporativa.
Revista Consultor Jurídico