Ao vivo: apresentador ofende e ameaça estudante que criticou seu programa

Assunto de pelo menos duas grandes discussões no Supremo Tribunal Federal em 2009, o limite do direito de expressão e de liberdade de opinião esteve, no mês passado, mais uma vez sob holofotes. Alvo de críticas publicadas por um estudante de jornalismo em seu blog, um apresentador de TV foi à desforra diante das câmeras. Expôs, ofendeu e ameaçou o garoto que chamou seu programa policial de “modelo a não ser seguido”.

O vídeo em que o apresentador José Carlos Stachowiak, o “repórter Zeca”, ameaça se vingar do estudante Lucas Nobuo Waricoda repercutiu na internet. A primeira a divulgar a história, no dia 6 de abril, foi a jornalista Rosana Herman, no site Querido Leitor. Na página, se pode assistir à gravação do programa RP2, da TV Vila Velha, exibido em 31 de março. São pouco mais de 20 minutos de crítica “analítica” de Stachowiak em relação ao texto do estudante, publicado no blog em que os alunos de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa expõem artigos produzidos para a disciplina de Crítica de Mídia.



Enquanto o aluno do 2º ano de Jornalismo diz que “não se sabe ao certo se o programa quer realmente ser levado a sério, pois trata os assuntos com parcialidade e, por vezes, não parece manter respeito com os indivíduos citados nas matérias”, Zeca rebate não tão à altura: “Seu filho de uma égua, tua mãe fica comendo capim por aí, seu vagabundo”.

Ao ler que seu programa “procura os acontecimentos que envolvem escândalos policiais, dando lado à violência geralmente explicita, além de outros assuntos tratados com uma linguagem exageradamente coloquial”, Stachowiak reagiu com novas ofensas. “Antes de esse menino nascer, eu já fazia esse programa. E programa policial já existe antes de a mãe dele começar a sair com o vizinho.”

Não demora muito para o apresentador perder todo o senso de limite. “Se eu te pegar você está fodido. Estou falando isso no ar. Se acontecer alguma coisa com você hoje, fui eu que te peguei”, avisa. “Você arranjou o pior inimigo da sua vida, porque eu acabo com a minha vida, mas acabo com você. O que eu vou fazer e falar, você ainda não viu. Vai (sic) dar queixa na polícia”, desafia. Como Zeca menciona o primeiro nome do estudante e o endereço do blog, as ameaças levaram Waricoda a registrar boletim de ocorrência na Polícia Civil contra o apresentador.

Em entrevista ao Portal Imprensa, Zeca reconheceu ter se excedido, mas afirmou que apenas reagiu. “Me excedi nos comentários, na hora me senti muito ofendido e falei o que veio à cabeça”, disse. “Estou no ar há 30 anos, ele é um estudante, e vem me ofender daquela maneira?” De acordo com o portal, o apresentador disse planejar fazer uma reportagem para “mostrar o que é a Universidade Estadual de Ponta Grossa”. No programa em que ameaçou o estudante, ele insinuou que existe uso de entorpecentes no local.

Boca no trombone
Na gravação, Zeca também mostra estar longe de conhecer um assunto sobre o qual trata todos os dias no ar: a lei. Para justificar seu comportamento, ele afirma que o aluno tem direito de escrever o que quiser, mas que ele também tem o direito de rebater como bem entender.

Para especialistas ouvidos pela ConJur, no entanto, embora a Constituição preveja o direito de resposta, a reação agressiva é desproporcional. “O estudante apenas externou sua opinião. Já o apresentador incidiu em condutas previstas no Código Penal”, explica o criminalista Domenico Donnangelo Filho, diretor subseccional da Comissão de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo. Segundo ele, o apresentador cometeu pelo menos dois crimes: o de ameaça e o de injúria.

O crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código Penal, rende pena de detenção de um a seis meses, ou o pagamento de multa. A injúria é tipificada no artigo 140, e também tem pena de seis meses a um ano de detenção, ou multa. Ambas as infrações dependem de representação da vítima no Ministério Público. Além disso, como observa o advogado Antonio João Nunes Costa, colega de Donnangelo no escritório Morais Advogados Associados, o estudante também pode entrar com uma ação de indenização, se achar que sofreu danos morais. O valor varia conforme a capacidade econômica do ofendido e do ofensor — categoria na qual a emissora de TV que transmitiu os impropérios também pode entrar.

É o que também afirma Taís Gasparian, especialista em imprensa do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo Gasparian Advogados. “O estudante fez uma crítica do programa, expressou sua opinião. Não se pode dizer que tenha ofendido o programa ou o locutor. O texto não contém gírias, xingamentos, nem ofensas pessoais”, avalia a advogada, que tem entre seus clientes o jornal Folha de S.Paulo e o portal Ig. A opinião não é a mesma quanto a Zeca. “O locutor usa vocabulário agressivo, e faz ameaças ao estudante. Cabe o registro da agressão e, eventualmente, ação de indenização por danos morais.”

A menção ao nome do garoto piorou a situação, de acordo com o advogado Gustavo Balestrero, do Manuel Alceu Affonso Ferreira Advogados. “Ele não poderia atacar o estudante, mas só se referir ao comentário”, afirma. Ele lembra ainda que a Súmula 221, do Superior Tribunal de Justiça, estende a responsabilidade pelas declarações a quem veiculou o programa. “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação”, diz o enunciado.

Saudades da regulamentação
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná aproveitou o episódio para levantar velhas bandeiras que mais servem ao corporativismo do que à liberdade de imprensa. ressuscitou outra questão: a necessidade de formação superior para comunicadores e a necessidade de regulamentar a liberdade de imprensa.

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade tanto do dispositivo legal que exigia formação superior em jornalismo para exercer a atividade como da Lei 5.250/1967, a Lei de Imprensa. que, para exercer a profissão de jornalista, não é necessário diploma universitário. No dia 7 de abril, dia da Imprensa, o sindicato publicou nota em que expressa suas reivindicações.

Leia a manifestação do sindicato.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, entidade de defesa dos valores morais e materiais da categoria no Estado, vem a público emitir seu repúdio aos graves atos cometidos pelo apresentador José Carlos Stachowiak, conhecido como “repórter Zeca”, do programa policial RP2, veiculado de segunda a sexta-feira pela TV Vila Velha, canal a cabo de Ponta Grossa.

No programa da última quarta-feira, dia 31, ele proferiu ameaças e agressões à honra de Lucas Nobuo Waricoda, estudante de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Zeca estaria contrariado com um texto de críticas que o acadêmico fez ao programa RP2, para uma atividade do curso, e que foi veiculado no blog Crítica de Ponta (http://criticadeponta.blogspot.com/2010/03/um-modelo-nao-ser-seguido.html). No trecho mais absurdo de sua fala [no vídeo (http://www.megaupload.com/?d=FM4XC4ER) , a sequência entre 7’50” e 8’03”], “repórter Zeca” afirma, que “arrebentaria” Lucas. A conduta criminosa é ainda demonstrada com repulsivas injúrias a Lucas e aos pais do estudante, bem como ao conjunto dos jornalistas e aos acadêmicos da UEPG.

Se a situação criada é lastimável, também é exemplar. Afinal Zeca reproduz em toda a linha aquilo que o Sindicato dos Jornalistas vem denunciando há tempo: sem a necessidade da formação superior em Jornalismo, a sociedade brasileira pode se ver cerceada pela informação fragmentada e de baixo nível, bem como pela falta de isenção e de rigor no trato do conteúdo editorial. O mais grave, no entanto, nesse momento, são a humilhação imposta e a dor gerada pelo ato covarde de agressão verbal e ameaças a Lucas – com repercussões cíveis e criminais.

Sob qualquer ótica, sublinhe-se, trata-se de um exemplo de mau uso do meio de comunicação, um motivo a mais para que a sociedade cobre de seus representantes no Congresso Nacional o respeito às propostas aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009, em Brasília, que deliberou pelo estabelecimento de uma nova Lei de Imprensa. Somente com instrumentos legais eficazes e modernos, como os aprovados na Confecom e na terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), poderemos lutar pela democratização da comunicação.

O Sindijor-PR publica essa nota como forma de desagravo a Lucas, mas também a todos os jornalistas, vilipendiados pela truculência e pela atitude criminosa do apresentador, que se vale de um espaço na mídia eletrônica para dar vazão a caprichos, despreocupado com as consequências de seus atos. O Sindicato também se coloca a par de todas as ações que ajudem a denunciar esse tipo de abuso do poder midiático, que invade vidas e reputações ignorando qualquer limite ético, a exemplo do que vem sendo feito pela própria UEPG, que já se colocou em defesa do estudante. Da mesma forma, o Sindijor-PR está solidário às reações da sociedade paranaense contra esse ato de violência e vai requerer da TV Vila Velha informações sobre o programa a fim de avaliar todas as medidas administrativas e judiciais cabíveis no caso.

Curitiba, 07 de abril de 2010
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná

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