Aparências enganam – TRF-2 tranca ação de lavagem de dinheiro contra bicheiro

Não basta que o investigado tenha todas as características para ser o culpado do crime que a polícia procura. É preciso colher provas concretas contra ele antes de se passar à ação penal. Com esse entendimento, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu trancar a ação por lavagem de dinheiro contra o bicheiro Aniz Abrahão David, o Anísio da Beija-Flor.

A decisão é da 1ª Turma Especializada do TRF-2 (Rio de Janeiro e Espírito Santo), que acompanhou o voto do desembargador Abel Gomes. Segundo o desembargador, “a condição do paciente, ainda que se o considere “um empresário do jogo ilegal”; um “bicheiro”, ou que seja ele o tão conhecido Anísio, não podem pesar para a opção de se passar imediatamente à ação penal”. Para o advogado do bicheiro, Ubiratan Guedes, trata-se do primeiro trancamento de ação por crime de lavagem de dinheiro que se tem notícias.

O processo contra Anísio é fruto das buscas e apreensões realizadas pela Polícia Federal, em abril de 2007, na chamada Operação Furacão. Nela, com mandados assinados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, foram presos dois desembargadores do TRF-2, um juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, um procurador regional da República do Rio, três contraventores da cúpula do jogo do bicho no Rio e outras 20 pessoas, entre advogados, empresários, delegados federais e agentes da Polícia Federal. Todos, juntos com o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Medina, foram apontados como participantes de uma organização criminosa que além de explorar o jogo com máquinas eletrônicas, negociava decisões judiciais para garantir a atividade ilegal.

Na casa de Anísio, uma cobertura em um prédio na Avenida Atlântica, em Copacabana, zona Sul do Rio, os agentes federais apreenderam jóias que a perícia feita pela Caixa Econômica Federal avaliou em R$ 640 mil. Entre outras coisas a polícia levou 88 anéis, 82 pares de brincos, 52 colares, 24 relógios e 21 pulseiras. Em juízo, o bicheiro justificou a posse das jóias com a alegação de que sobrevivia da venda de imóveis e jóias.

O cruzamento de informações feitos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público a partir de declarações do Imposto de Renda revelou que a existência das jóias só foi notificada à Receita Federal após a apreensão. No ano passado, o contraventor incluiu-as na Declaração de Ajuste Anual, encaminhada à Receita no dia 30 de abril, 17 dias depois de elas terem sido apreendidas. Na declaração, foram avaliadas em R$ 220 mil.

Com base nisto, os procuradores, em dezembro passado, denunciaram Anísio por lavagem de dinheiro. Alegaram que “as jóias apreendidas foram adquiridas pelo denunciado com recursos provenientes de sua atividade de proprietário de fato de casas de bingo e caça-níqueis, na condição de integrante da máfia do jogo ilegal”. Foi o quinto processo aberto contra o bicheiro em conseqüência da Operação Furacão que já gerou cerca de 30 ações penais na Justiça Federal do Rio.

Para o MP, “a conduta de guardar a expressiva quantia de jóias em sua residência, teve como objetivo ocultar a localização e a propriedade de valores obtidos como resultado da atividade criminosa”.

Guedes, defensor de Anísio, insistiu na tecla de que muitas das jóias apreendidas eram antigas, algumas heranças de família e que ninguém tem o hábito de guardar recibo de compra destes objetos. Guedes sustentou a falta de tipicidade e de justa causa na denúncia: “Não vejo crime em se ter jóias em sua residência sem os respectivos recibos”, declarou. Ele também apontou para uma inépcia, uma vez que “já tinha um arquivamento implícito. A apreensão foi feita em 13 de abril e a denuncia só foi apresentada em dezembro”, lembrou.

A tese de Guedes foi abraçada pelo desembargador Abel Gomes, relator do processo no TRF-2, apesar de enxergar a questão de forma diferente: “Inepta a denúncia não é, porquanto descreve com precisão o crime imputado e traz raciocínio lógico sobre a conclusão a que chegaram os procuradores da República sobre a sua existência”.

Para Gomes, desde o momento em que as jóias foram apreendidas até o recebimento da denúncia, pela juíza da 6ª Vara Federal Criminal, “há mais suposições de que as jóias possam não ser produto de crime de lavagem de dinheiro, do que suspeita de que o sejam”.

Para demonstrar isto, ele levanta algumas possibilidades como as jóias terem sido recebidas de presente, como herança, ou mesmo “compradas ao longo da vida do paciente que, como se sabe, já está na casa dos setenta anos de idade”. Em seguidas ele adverte para a necessidade de a aplicação da lei não ser dissociada da percepção do mundo real e questiona: “quantas pessoas são capazes de guardar nos cofres de suas casas jóias de maior ou menor valor em seu somatório? Certamente nos surpreenderemos com a conclusão de que isso pode acontecer a qualquer um, inclusive com as próprias autoridades públicas encarregadas da persecução penal”.

Ao concluir o voto pelo trancamento do processo, o desembargador cobrou uma melhor investigação policial. Segundo ele, diante do fato de a natureza dos bens apreendidos revelar “muito mais que se destinavam a uso pessoal do que especulativo, bem se nota, a necessidade de que as suspeitas fossem mais amadurecidas em sede policial, onde o inquérito policial bem se presta a essa finalidade”. E finalizou: “a condição do paciente, ainda que se o considere “um empresário do jogo ilegal”; um “bicheiro”, ou que seja ele o tão conhecido Anísio, não podem pesar para a opção de se passar imediatamente à ação penal”.

Revista Consultor Jurídico

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