Aplicação da Lei Maria da Penha continua polêmica

Marido chega em casa embebedado e, sem motivo, agride a mulher. A cena está cada vez mais comum, diante dos números que se apresentam à sociedade de mulheres que sofrem violência doméstica e familiar.

Em 2006, situações extremas como essa resultaram na sanção da Lei nº 11.340, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha. Apesar da conquista, as situações de violência continuam acontecendo.

Exemplo disso foi descrito na sentença do juiz da comarca de Bela Vista, Caio Márcio de Britto que, na última semana, julgou um processo cujo réu bateu na companheira, não manteve a distância imposta pela justiça, entrou na casa da vítima, ameaçando: “Ainda vou te matar para você não ficar com ninguém”.

Convencido de que não havia provas nos autos aptas a autorizar uma condenação segura contra o réu, o juiz considerou a denúncia improcedente e absolveu o réu das acusações feitas pelo Ministério Público. Entretanto, cada vez que a Lei Maria da Penha é mencionada, os posicionamentos se dividem.

Alguns juízes entendem que a norma é constitucional, outros defendem sua inconstitucionalidade. Neste caso de Bela Vista, a defesa do réu arguiu a inconstitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, porque o referido artigo excluiria da vigência da Lei 9.099/95 (que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais) os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, infringindo o princípio da isonomia, previsto no art. 5º da Carta Magna, onde se reconhece a igualdade entre homens e mulheres, sem qualquer distinção.

Para Caio Britto, a alegação da defesa não deve prevalecer. Ele entende que não há discriminação em relação à sexualidade, na prescrição do art. 41 daquela lei, quando prescreve que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplicaria a Lei 9.099/95.

“A questão pertinente ao tema não traz matéria atrelada ao direito material penal, esse sim, passível de análise sob o aspecto da inconstitucionalidade por estar eventualmente infringindo o princípio da isonomia previsto no art. 5°, inciso I, da Constituição Federal – homens e mulheres são iguais, perante direitos e obrigações, nos termos dessa Constituição. É importante dizer que a redação do art. 5°, inciso I da CF, aborda relação jurídica de natureza material, diversa da questão de ordem processual, visando excluir do âmbito da Lei 9.099/95 casos e situações que entende que não devam ser resguardados por ela”, defendeu o juiz.

E, para melhor esclarecer sua fundamentação, o magistrado lembrou que essa previsão está respaldada no próprio art. 3° da referida lei, quando estabelece a competência do juizado especial civil para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, sem exceder 40 salários mínimos; as enumeradas no art. 275, inciso II, do CPC; ação de despejo para uso próprio; as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I, desse artigo; excluindo ainda desta competência as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, bem com as relativas a acidente de trabalho, resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.

“Se a relação prevista na Carta Magna abrangesse caráter processual, ter-se-ia uma relação desproporcional no âmbito de situações jurídicas estabelecidas no contexto social, haja vista que nestes casos, estar-se-ia tratando de forma igual situação diferente. Resta ainda mencionar que a Lei 11.340/06 foi editada, em seu aspecto material, com base no que prevê o art. 226, § 8º, da CF, no sentido de o Estado assegurar a assistência à família criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, complementou.

Ao concluir, o juiz de Bela Vista ressaltou que o art. 129, § 9º , não define o sexo da vítima, ou seja, se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro ou com quem conviva ou tenha convivido ou, ainda, prevalecendo-se o agente de suas relações domésticas, coabitação ou hospitalidade, terá ocorrido a subsunção deste fato à previsão legal prevista no citado artigo, caracterizada como lesão corporal sujeita à pena de três meses a três anos de detenção, demonstrando, mais uma vez, que a restrição do art. 41 da Lei 11.340/06 não se refere à relação jurídica de direito material e sim, à relação jurídica processual, numa definição de política criminal adotada pelo legislador sem qualquer inconstitucionalidade.

“Outro ponto que merece destaque é que referida lei teve como fundamento a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e da Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, essa última conhecida também como Convenção de Belém do Pará, de 1994, tendo o Brasil como um de seus signatários, ratificada em 1995 e promulgada pelo Decreto 1.973, em 1996. Importa dizer que, em seu art. 7º, alínea “f”, estabeleceu-se como dever entre seus Estados signatários, estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros, períodos de proteção, um julgamento oportuno e acesso efetivo a tais procedimentos, o que demonstra, mais uma vez que a previsão da Lei 11.340/01 se refere a critérios processuais, sem nenhuma infringência ao art. 5º, inciso I, da Constituição Federal”, finalizou.

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