Após tentativa de ‘amordaçar’ jornalistas, Ecad exige indenização e perde no TJ

A tentativa do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), em Mato Grosso do Sul, de ser indenizado pelo jornal Correio do Estado – após ter vislumbrado a possibilidade de ‘amordaçar’ seus jornalistas acionando um deles por difamação – foi rechaçada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/MS).

Atualmente alvo de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado Federal, o escritório vinha tentando desde o ano de 2006 – via ações cível e criminal – “‘punir” o jornal e os jornalistas Fausto Brites, Neri kaspary e Robson Moreira (à época repórter na empresa jornalística) por notícias sobre os abusos praticados na cobrança de taxas o que fez, inclusive, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul investigar suas atividades também com uma CPI.

A ampla cobertura pelo Correio do Estado dessa CPI no Legislativo sul-mato-grossense levou o Ecad a exigir a condenação do jornal e indenização por “danos morais”.

O escritório pediu também para que o TJ/MS estipulasse o valor da indenização. Uma maneira de, caso não tivesse (como não teve) sucesso nessa cruzada contra o jornal, livrar-se de pagar os custos (sucumbência) referente ao valor da causa.

A decisão do TJ/MS é datada do último dia 05 de julho. O recurso para o Ecad foi negado porque ficou demonstrada, segundo o desembargador Paschoal Carmello Leandro, relator do processo, “a ausência de intensão ofensiva por parte dos responsáveis pelo periódico” e ainda por “inexistir conduta ilícita passível de indenização”. Os demais magistrados o acompanharam na decisão.

“Mordaça”

Além da indenização, o Ecad já havia tentado condenar o jornalista Fausto Brites, do Correio do Estado, por difamação apresentando contra ele uma queixa-crime. Na época, a representante do Ministério Público do Estado, Andréia Cristina Peres da Silva, destacou que “É clarividente, que em momento algum o querelado, apelado agiu com dolo necessário para a caracterização do delito de difamação, ou seja, o animus diffamandi está afastado da matéria assinada por este. O que podemos constatar é o animus narrandi, muito bem delineado na matéria jornalística”.

Neste mesmo processo contra Fausto Brites, o juiz da 2 Vara do Juizado Especial Cível, Paulo Rodrigues,disse que “(…) a queixa-crime proposta pelo querelante deve ser rejeitada com fundação no inciso I do citado dispositivo legal, vez que o fato narrado não constitui crime”. Continua, em um dos trechos de sua decisão: “Portanto, não constitui abuso que possa configurar qualquer dos delitos previsos na Lei de Imprensa a conduta do jornalista que reproduz integral, parcial ou abreviadamente declarações de deputados integrantes de comissão parlamentar de inquérito sobre órgão investigado. (…) Bem se vê que a matéria publicada se rrestringe ao conteúdo de declaração de deputados membros de CPI. (…) Logo, a reprodução destas declarações, por jornalista, não configura crime”. E dá a sentença: (…) Ante o exposto, não restando caracterizado o delito previsto (…) rejeito a presente queixa-crime, declarando extinto o processo”.

Defesa

No processo por “danos morais”, o advogado de defesa do jornal e dos jornalistas, Laércio Arruda Guilhem, salientou que “na espécie, não há abuso ou excesso da empresa jornalística, vez que retrata fatos noticiosos captados no cotidiano, baseado nas informações recebidas da sociedade. Portanto, os fatos noticiosos veiculados pelo jornal Correio do Estado é a janela para a expressão da sociedade. É as mais pura tradução do sentimento de indignação com a qual convivem os donos de hotéis que usam a imprensa para expor o seu repúdio a forma agressiva de arrecadação do Ecad”.

Disse ainda que “em nenhum momento, os jornalistas ou o Jornal Correio do Estado inventaram, ou lançaram inveracidades, nem cria situação inexistente, apenas informa a sociedade acerca dos fatos, ainda que na sua realidade nua e crua”. Citou ainda as fontes de algumas matérias (grifos nossos):

” (…) foi pautada nas informações fornecidas pelo Presidente do Conselho Regional de Medicina – Dr. Marcos Paulo Tiguman, na qual trata da cobrança de direitos autorais em salas de espera de clínicas e consultórios médicos. Registre-se que foi ouvida a representante legal do ECAD nesta capital, Leiliana Amaral”.

“(…) foi feita com base no inconformismo dos proprietários de estabelecimentos onde são realizados shows, tais como o DJ Danilo Bachega e Bruno Garcia”.

“(…) coloca de forma objetiva as palavras do ex-deputado e jornalista Sérgio Cruz, o qual classificou o Ecad como ‘máfia’. Traz aindada a versão do ex-vereador e radialista Miltinho Viana, também questionando a ausência de critérios de cobrança pelo Ecad, como afirmou que sofreu ameaças de morte, quando tentou alterar a legislação”.

“(…) o jornal veiculou matérias baseadas nas informações da Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de MS – Janine Totorelli e do empresário Valdir Vieira proprietário de Hotel em Campo Grande”.

“(…) o empresário do setor de radiofusão Nelson Feitosa, faz duras críticas ao Ecad”.

“(…) o Correio traz matéria acerca do pronunciamento do Deputado Federal Antônio Carlos Biffi, na tribuna do Congresso Nacional, o qual diz que o Ecad precisa ser fiscalizado, ante a falta de transparência do órgão.”

“(…) o autor juntou as matérias sobre o pronunciamento do Presidente da CPI do Ecad em MS – Deputado Antônio Carlos Arroyo, o qual fez duras e pesadas críticas ao órgão de arrecadação, usando os termos ‘‘picaretagem’’, ‘‘chantagem’’ e ‘‘extorsão’’.”

“(…) as matérias veiculadas pelo jornal Correio do Estado, de autoria dos jornalistas requeridos, são verdadeiras, pautadas nas informações fornecidas pela Presidente da Associação Brasileira de Indústria de Hotéis Janine Tortoreli, do empresário Valdir Vieira, do ex-deputado Sérgio Cruz, do ex-vereador Miltinho Viana, do relator da CPI do Ecad- deputado Antônio Carlos Arroyo, do Deputado Onevam de Matos, entre outros”.

Decisão no TJ/MS

“Sem razão a súplica”, diz um dos trechos do relatório do desembargador Paschoal Carmello Leandro frisando que “Após uma análise minuciosa dos autos, noto que não restou configurada qualquer prática de ato ilícito, por parte dos apelados, que pudesse ensejar condenação ao pagamento de indenização pleiteada”.

Diz em outro trecho da decisão que “(…) verifico que as matérias veiculadas pelo Jornal Correio do Estado (fls 35-51), não tem condão de denegrir a imagem da recorrente, não havendo que se falar em ato ilícito decorrente do mero exercício da liberdade de informação jornalística, posto que ausente a distorção dos fatos e o chamado ‘animus injuriandi'”.

Continua o desembargador: “In casu, observo que as matérias foram redigidas com as cautelas necessária, sem proferir juízo de opinião, não havendo que se cogitar de ato ilícito, a ensejar a indenização por dano moral”.

“(…) Por outro lado, a ‘charge’, em que pese tratar explicitamente a imagem de fiscais por parte autora, não teve o condão de causar o abalo moral noticiado, dado o seu conteúdo humorístico e satírico vinculado à divulgação da imputação feita”.

Dessa forma, por unanimidade, os magistrados negaram provimento ao recurso do Ecad pleiteando indenização.

Tomaram parte do julgamento, além do magistrado Paschoal Carmello Leandro, os desembargadores Dorival Renato Pavan e Josué de Oliveira.

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