Astreintes de R$ 98 mil contra Tim Celular

Vem da 3ª Turma Recursal Cível do RS um importante precedente de ratificação de vultosas astreintes impostas a uma empresa de grande porte atuante no mercado de consumo de massa: R$ 98.184,09 por descumprimento de decisão judicial que determinou à Tim Celular a retirada do nome de um consumidor dos cadastros de restrição ao crédito.

Em primeiro grau, ao julgar impugnação a cumprimento de sentença, o juiz leigo Daniel Winsch já havia mantido o valor da multa que a empresa buscava reduzir, observando que “o Impugnado tem razão quando faz referência que as empresas de telefonia tratam com descaso os seus usuários, devendo, justificadamente, a parte Impugnante ser punidaante a natureza coercitiva das astreintes.”

“De efeito, a ninguém é dado se beneficiar de sua torpeza, se a Impugnante não cumpriu a decisão que lhe fora imposta, como de fato ocorreu, correta é a incidência da multa em execução, inexistindo o excesso alegado”, concluiu o julgador de origem.

Ao analisar recurso da Tim, o relator, juiz Eduardo Kramer, explica a natureza das astreintes: “As astreintes (multa diária) têm por escopo coagir o devedor a cumprir a sua obrigação fixada por decisão judicial. Não é pena para punir o devedor pelo fato de não ter cumprido o seu dever. Também não tem caráter de ressarcimento ou indenização. É, simplesmente, um meio para que o obrigado cumpra o seu dever de maneira rápida, reta e eficiente.”

O relator expressa, no acórdão, estar revisando seu anterior entendimento sobre a possibilidade de alteração do valor da multa em sede recursal, valendo-se, para tanto, das razões expostas pelo juiz Carlos Eduardo Richinitti no recurso inominado nº 71002372860.

No voto aludido pelo relator, o juiz Richinitti identificou que a revisão das astreintes na fase recursal “é utilizada, na realidade, como verdadeiro fomento ao descumprimento das decisões judiciais, em especial por parte das grandes empresas, casualmente as que mais são usuárias do sistema, quase sempre no pólo passivo.”

Porém, o magistrado também externou preocupação em não causar enriquecimento sem causa do consumidor, “já que não é para remunerar ou reparar que foi criada a penalização.”

Para solucionar estes extremos, o juiz explicou que – para evitar o enriquecimento excessivo -, deve-se estabelecer um limite de valor aceitável a ser destinado ao próprio consumidor, endereçando-se o restante da quantia a um fundo, “seja o de reaparelhamento do Judiciário ou outro externo ligado à defesa dos direitos dos consumidores.”

A opção de Richinitti – seguida também pelo acórdão contra a Tim – foi pela destinação a um fundo de defesa do consumidor, pois “servirá não só para afastar qualquer ideia de parcialidade, mas também para reforçar a defesa dos consumidores em geral, evitando-se a reiteração de práticas abusivas ou que afronte as regras consumeristas.”

A intenção da manutenção da multa em valor alto é fazer com que grandes grupos econômicos revisem sua conduta de descumprir decisções judiciais.

Por isso, o juiz Kramer ordenou que – da multa o valor de R$ 98.184,09 – fique a parte autora com R$ 5.100,00 (valor adotado pelas Turmas Recursais para reparação de dano moral por inscrição indevida em órgãos de restrição de crédito) -, destinando-se o restante ao Fundo Estadual de Defesa do consumidor (DECON).

O acórdão foi unânime.

Atuam em nome da parte consumidora os advogados José Luiz Dorsdt, Lisiane Cristina Balin Dorsdt e Diogo Bandarro Nogueira. (Proc. n. 71002648798).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO (18.10.10)
IMPUGNAÇÃO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. FIXAÇÃO DE ASTREINTES. VALOR DA MULTA MANTIDO. AUSÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, NA MEDIDA QUE DESTINADO PARTE DO VALOR AO FUNDO ESTADUAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (FECON). SENTENÇA MANTIDA.RECURSO DESPROVIDO.

Recurso Inominado – Terceira Turma Recursal Cível
Nº 71002648798 – Comarca de Ibirubá
TIM CELULAR S/A – RECORRENTE
ALENCAR FERMIANO DE OLIVEIRA – RECORRIDO
ALCIANE FATIMA ZAMBONI DE OLIVEIRA – RECORRIDO
EDUARDA ZAMBONI DE OLIVEIRA – RECORRIDO
RAFAELA ZAMBONI DE OLIVEIRA – RECORRIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO (PRESIDENTE) E DR. CARLOS EDUARDO RICHINITTI.

Porto Alegre, 30 de setembro de 2010.

DR. EDUARDO KRAEMER,
Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Impugnação à Execução de Sentença ajuizada por TIM CELULAR S/A em decorrência da execução proposta por ALENCAR FERMIANO DE OLIVEIRA.

A devedora se insurge com o valor da multa diária aplicada.

A impugnação restou desacolhida.

Irresignada, recorre a TIM.

Com contrarrazões, vieram conclusos os autos.

É o relatório.

VOTOS

Dr. Eduardo Kraemer (RELATOR)

As “astreintes” (multa diária) tem por escopo coagir o devedor a cumprir a sua obrigação fixada por decisão judicial. Não é pena para punir o devedor pelo fato de não ter cumprido o seu dever.

Também não tem caráter de ressarcimento ou indenização. É, simplesmente, um meio para que o obrigado cumpra o seu dever de maneira rápida, reta e eficiente.

Tratando-se de obrigação de fazer ou não fazer, os arts. 461, § 4°, do CPC, e 52, inc. V, da Lei n° 9.099/95 conferem ao julgador a possibilidade de imposição de multa diária.

Relativamente ao valor fixado a título de astreintes (R$ 98.184,09), alterando meu entendimento, passo a comungar com o posicionamento dos meus colegas, o qual, a fim de evitar tautologia, transcrevo parte do voto do eminente Dr. Carlos Eduardo Richinitti, recurso inominado 71002372860:
“No entanto a atuação na fase recursal, no âmbito dos Juizados Especiais, tem mostrado que a possibilidade de revisão da astreinte ora é utilizada, na realidade, como verdadeiro fomento ao descumprimento das decisões judiciais, em especial por parte das grandes empresas, casualmente as que mais são usuárias do sistema, quase sempre no pólo passivo.

Sem dúvida que a astreinte tem natureza estritamente coercitiva, uma vez que objetiva o cumprimento da obrigação, sem efeito remuneratório ou reparatório. Então se acaba efetivando a revisão, inclusive de ofício, até para evitar o enriquecimento sem causa, já que não é para remunerar ou reparar que foi criada a penalização.

Diante desse conflito de posições, onde a revisão tem fomentado o descumprimento reiterado de decisões judiciais e a manutenção gerado enriquecimento indevido, tenho que o julgador, embasado no art. 6º da Lei 9.099/95, deve encontrar um meio termo que preserve o justo e, em especial, a credibilidade e efetividade do sistema judicial.

Assim, entendo que, configurado excesso na penalização, a ponto de gerar enriquecimento injustificado, deve-se estabelecer um limite como aceitável em relação ao litigante do processo, preservando não só sua condição de parte, mas também a adequada reparação pelos efeitos do cumprimento tardio e o restante deverá, agora dentro da ideia de preservação da credibilidade e efetividade do aparato judicial, ser recolhido a um fundo, seja o de reaparelhamento do Judiciário ou outro externo ligado à defesa dos direitos dos consumidores.

Opto pela segunda hipótese e por mais de um motivo. Em primeiro lugar, embora o descumprimento atinja diretamente o sistema judiciário, seja no aspecto da efetividade ou pelo aumento da conflagração de estruturas já saturadas pelo excesso de processos, a verdade é que é possível se fazer a ilação entre o interesse de quem decide e a razão de decidir, na medida que os valores passariam a integrar o orçamento do próprio Judiciário, potencial fator de suspeição que deve ser afastado até mesmo porque desnecessário.

No caso, tenho que o recolhimento do excesso a um Fundo que atinja todos os consumidores servirá não só para afastar qualquer ideia de parcialidade, mas também para reforçar a defesa dos consumidores em geral, evitando-se a reiteração de práticas abusivas ou que afronte as regras consumeristas.

Justa também a expectativa de que a manutenção de punições por valores significativos em decorrência do descumprimento reiterado de decisões judiciais, sem justificativa plausível, tenha repercussão econômica de modo que grandes grupos, como a parte recorrente, revisem sua conduta, senão pela obrigação legal de cumprir determinação judicial, pela repercussão econômica que o descumprimento venha a gerar.”

Neste contexto, tendo a multa o valor de R$ 98.184,09, ficará a parte autora com a quantia de R$ 5.100,00, valor este utilizado pelas Turmas Recursais para indenizações a título de dano moral quando da inscrição no nome do consumidor em órgãos de restrição de crédito. O valor restante deverá ser recolhido junto ao Fundo Estadual de Defesa do consumidor (DECON).

Diante do exposto, nego provimento ao recurso. Ressalto, apenas, conforme acima explicitado, relativamente à multa, que a parte autora terá direito ao valor de R$ 5.100,00 (cinco mil e cem reais) e o saldo restante, R$ 93.084,09 (noventa e três mil e oitenta e quatro reais e nove centavos), deverá ser depositado na conta nº 0359303606, Ag. 597 do Banrisul, CNPJ 879586330013-29.

Condeno a recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação.

É o voto.

Dr. Eugênio Facchini Neto (PRESIDENTE) – De acordo com o(a) Relator(a).

Dr. Carlos Eduardo Richinitti – De acordo com o(a) Relator(a).

DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO – Presidente – Recurso Inominado nº 71002648798, Comarca de Ibirubá: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.”

Juízo de Origem: DISTRIBUIDOR IBIRUBA – Comarca de Ibirubá

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