Atraso no julgamento – STJ proíbe denunciação à lide em ação proposta por idoso

Os processos, em que idoso é parte, têm prioridade na tramitação, de acordo com o Estatuto do Idoso. Portanto, a denunciação à lide nesses casos não é possível, uma vez que pode atrasar o julgamento. Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça não aceitou o pedido da General Motors do Brasil para que a Ace Seguradora S.A. integrasse ação interposta por aposentado de 74 anos que pedia indenização por defeito na fabricação de um carro.

O aposentado ingressou na Justiça com pedido de indenização pela morte do filho em acidente ocorrido em 1999. O modelo Corsa Wind apresentava defeito na trava do cinto de segurança. Em 2003, o fabricante enviou notificação aos proprietários dos veículos da linha Corsa/Tigra reconhecendo que todos os modelos até o ano de fabricação 1999 deveriam passar por um recall. Nele, foi feito o reforço dos trilhos dos bancos dianteiros, próximo à alavanca do freio de mão. No acidente, esses trilhos se romperam.

O processo passou pela 3ª e 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A 3ª concluiu que a denunciação da lide não é possível, diante da peculiaridade de o recorrido ter mais de 70 anos. Na 4ª Turma, a jurisprudência também veda a denunciação da lide em processos nos quais se discuta uma relação de consumo.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, pelo Código de Defesa do Consumidor, conclui-se que a vedação incide especificamente na hipótese de responsabilização do comerciante pelos defeitos nos produtos por ele comercializados. A ministra acentuou que deveria ser mantida a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para que a demanda principal seguisse seu curso sem delongas desnecessárias.

A ministra ressaltou que o arrastar de um processo por tempo indefinido já é tema corriqueiro nos debates jurídicos, ainda mais quando o fabricante possa mover uma ação regressiva contra a seguradora em momento posterior. “A regra de índole processual não pode prevalecer frente a um direito decorrente de condição peculiar da pessoa envolvida no processual, que tem nascedouro em diretrizes constitucionais, como se dá com o Estatuto do Idoso.”

Leia o voto da relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.052.244 – MG (2008⁄0089468-0)

RECORRENTE: GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA

ADVOGADO: JOAO CAPANEMA BARBOSA FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO: GERSON ALVES DA COSTA E OUTROS

ADVOGADO: REINALDO PEIXOTO MARINHO E OUTRO(S)

Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Recurso especial interposto por GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/MG.

Ação: de indenização por danos materiais e morais, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada, em face da recorrente, por GERSON ALVES DA COSTA, ANA RIBEIRO TEMPO, GEANI RIBEIRO COSTA, GIULIANO RIBEIRO COSTA, e JOAB RIBEIRO COSTA, respectivamente, pais e irmãos de GELSON RIBEIRO COSTA, falecido em 9/4/2001, envolvido em acidente automobilístico em 4/08/2000, do que decorreu a colisão frontal do crânio do acidentado no volante de carro, por defeito do cinto de segurança.

Sustentam que o falecido era proprietário do veículo GM/Corsa Wind, placa GWB-0029, ano de fabricação 1997, e que em 28/4/2003, a recorrente enviou notificação aos proprietários dos veículos da linha Corsa/Tigra de todos os modelos, até o ano de fabricação 1999, inclusive, para que comparecessem a um serviço autorizado da Chevrolet para que fosse efetuado recall, concernente a instalação de reforço nos trilhos dos bancos dianteiros, na região de fixação dos cintos de segurança, próximo à alavanca do freio de mão. A recorrente informou, ainda, por ocasião da notificação, que o referido serviço se fazia necessário por existir a possibilidade, em caso de impacto, de uma das fixações dos cintos de segurança vir a se soltar.

Informam que o paciente permaneceu em estado de coma durante nove meses, quando veio então a falecer.

Requereram, ao final, a condenação da recorrente ao pagamento de indenização por todos os danos materiais suportados, além de danos morais.

Decisão interlocutória: o i. Juiz deferiu o pedido de denunciação da lide formulado em face de ACE Seguradora S.A., suspendendo, por conseqüência, o curso da lide, com base no art. 72 do CPC, até que fosse formada a relação processual com a integração da denunciada (fl. 142).

Decisão liminar: o i. Relator do agravo de instrumento interposto pelos recorridos, deferiu o pedido de concessão de efeito suspensivo, determinando, assim, que o processo principal retomasse seu andamento normal até o julgamento final do recurso (fl. 181).

Acórdão: o TJ/MG conferiu provimento ao agravo de instrumento, para reformar a decisão interlocutória, indeferindo, por conseguinte, o pedido de denunciação da lide, ao fundamento de que, “versando a lide sobre relação de consumo, entende-se não ser possível a denunciação da lide pelo fornecedor, eis que a medida contraria o espírito e a finalidade do Código de Defesa do Consumidor, conforme inteligência de seu art. 88” (fl. 283).

Embargos de declaração: rejeitados (fl. 299).

Recurso especial: interposto sob alegação de ofensa aos arts. 13 e 88 do CDC; 70, inc. III, do CPC; 757 e seguintes do CC/02; além de dissídio jurisprudencial.

Contra-razões: às fls. 330/342.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.052.244 — MG (2008/0089468-0)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA

ADVOGADO: JOAO CAPANEMA BARBOSA FILHO E OUTRO(S)

RECORRIDO: GERSON ALVES DA COSTA E OUTROS

ADVOGADO: REINALDO PEIXOTO MARINHO E OUTRO(S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a definir se, em sede de ação de indenização por danos materiais e morais, a envolver discussão de Direito do Consumidor, há possibilidade de haver denunciação da lide, considerada ainda a peculiaridade do processo, consistente na idade de um dos recorridos — com mais de 70 anos —, em relação ao qual impõe-se tramitação prioritária.

— Da violação aos arts. 757 e seguintes do CC/02.

A matéria jurídica constante dos arts. 757 e seguintes do CC⁄02 não foi apreciada pelo Tribunal de origem, no acórdão recorrido, ainda que interpostos embargos de declaração e, a recorrente não alegou em suas razões de recurso especial violação ao art. 535 do CPC, o que impede a abertura do debate quanto ao tema.

— Da violação aos arts. 13, 88 do CDC; 70, inc. III, do CPC.

Sustenta a recorrente que “foram ignorados, na r. decisão combatida, todos os motivos e os princípios que determinaram a inclusão da norma restritiva à intervenção de terceiros no artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor, sendo certo que, no presente caso, o indeferimento da denunciação é ainda mais despropositado quando se está em face de ação proposta diretamente contra o fornecedor, já devidamente identificado pelo consumidor, sendo que as hipóteses vedadas por lei dizem respeito exatamente à tentativa de o comerciante identificar e buscar o fornecedor para incluí-lo na lide, como forma de transferir para este a responsabilidade pelos fatos deduzidos pelo consumidor” (fl. 318).

Houve o devido prequestionamento da temática desenvolvida pela recorrente, que culmina na alegação de ofensa aos arts. 13, 88, do CDC; 70, inc. III, do CPC, o que permite o exame da controvérsia, observado o contexto fático conferido pelo Tribunal de origem, que, valendo-se de jurisprudência desta Corte, concluiu pelo afastamento do pedido de denunciação da lide, ante a aplicabilidade do CDC à hipótese em julgamento, independentemente da incidência de seu art. 13.

De singular relevância, porém, o reforço argumentativo utilizado no acórdão impugnado, no sentido de que “o caso em comento apresenta uma peculiaridade que torna ainda mais forçoso o indeferimento da denunciação da lide, qual seja, o fato de ser o agravante Gerson Alves da Costa pessoa idosa, contando inclusive com a prioridade na tramitação do processo, conforme lhe faculta a lei” (fl. 287).

A jurisprudência formada pela Quarta Turma do STJ, veda a denunciação da lide em processos nos quais se discuta uma relação de consumo, do que são exemplo os seguintes precedentes: REsp 782.919/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 1º/2/2006; REsp 660. 113/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 6/12/2004.

Todavia, aprofundando-se na interpretação conjugada dos arts. 13 e 88 do CDC, conclui-se que a denunciação da lide é vedada especificamente na hipótese de responsabilização do comerciante pelos defeitos apresentados pelos produtos por ele comercializados. Vale dizer: sempre que não houver identificação do responsável pelos defeitos nos produtos adquiridos, ou seja ela difícil, autoriza-se que o consumidor simplesmente litigue contra o comerciante, que perante ele fica diretamente responsável. Assim posicionou-se a Terceira Turma do STJ, nos seguintes julgados: REsp 741.898/RS, de minha relatoria, DJ de 20/11/2006; REsp 464.466/MT, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 1º/9/2003.

A se adotar o entendimento propugnado pela Terceira Turma, admitir-se-á, na hipótese em julgamento, a litisdenunciação, com os efeitos dela decorrentes, notadamente o retardo na entrega da prestação jurisdicional.

Sob esse ângulo, consideradas as ressalvas da jurisprudência até aqui explicitadas, verifica-se que, por encerrar a hipótese peculiaridade concernente à idade avançada de um dos recorridos, que se socorre do Estatuto do Idoso para conferir-lhe prioridade na tramitação do processo, e, sob o esteio da garantia fundamental prevista no art. 5º, inc. LXXVIII, da CF, que assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade no andamento processual, entendo que deve ser mantido o acórdão impugnado, para que a demanda principal siga seu curso, sem interrupções e delongas desnecessárias.

Ora, o arrastar de um processo por tempo indefinido, já é tema corriqueiro em debates jurídicos, não havendo porque impingir a uma pessoa idosa tal ônus, máxime quando a ação regressiva da recorrente poderá ser movida em momento posterior, sem prejuízo ao direito a ela assegurado.

A regra formal, de índole processual, portanto, não deve prevalecer frente a um direito decorrente de condição peculiar da pessoa envolvida no processo, que tem nascedouro em diretrizes constitucionais, como se dá com a proteção ao Idoso.

— Do dissídio jurisprudencial.

No que concerne ao dissídio jurisprudencial, registre-se que não foi demonstrada a similitude entre os julgados, o que afasta a apreciação do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional.

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial.

Revista Consultor Jurídico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento