Ausência do Estado – Anistia Internacional mostra abuso contra mulheres

por Claudio Julio Tognolli

O Estado brasileiro “está praticamente ausente nas comunidades marginalizadas e, muitas vezes, o único contato dos moradores com o governo se dá através de invasões policiais esporádicas e militarizadas”. É o que afirma a Anistia Internacional, a mais conhecida entidade de direitos humanos, em relatório divulgado nesta quinta-feira (17/4) que revela histórias de mulheres que vivem nas favelas do Brasil.

“A realidade para as moradoras de comunidades carentes é catastrófica. São as vitimas escondidas da violência criminal e policial que tem dominado suas comunidades há décadas,” disse Tim Cahill, pesquisador da Anistia sobre temas relacionados ao Brasil. Apesar de o governo brasileiro ter lançado um novo projeto que promete acabar com décadas de negligência, “pouco foi feito para que fossem analisadas e atendidas as necessidades específicas das mulheres que vivem nestas comunidades”, sustenta o relatório.

De acordo com Tim Cahill, “longe de protegê-las, muitas vezes a polícia submete mulheres a revistas ilegais feitas por agentes masculinos, utiliza linguagem abusiva e discriminatória e as intimida, especialmente quando elas tentam intervir para proteger um familiar”. O pesquisador também afirma que as “mulheres que lutam por Justiça para seus filhos e companheiros acabam na linha de frente, enfrentando ameaças e abusos por parte da Polícia. Na ausência do Estado, chefes do tráfico e líderes de gangues são a lei na maioria das comunidades carentes. Eles punem e protegem e usam mulheres como troféus ou instrumentos de barganha”.

Usadas como “mulas” ou como “iscas” por traficantes de drogas, mulheres são consideradas descartáveis tanto por criminosos quanto policiais, afirma taxativamente a ONG de direitos humanos. A Anistia Internacional ouviu histórias de mulheres que tiveram a cabeça raspada quando acusadas de infidelidade e que eram forçadas a ceder favores sexuais como pagamento de dívidas. Além disso, um número cada vez maior de mulheres está indo para o sistema prisional brasileiro, superlotado e com péssimas condições de higiene, onde estão sujeitas a abusos físicos, sexuais e psicológicos.

Segundo a Anistia, “os efeitos do crime e violência ecoam em comunidades inteiras, afetando seriamente serviços básicos, como saúde e educação. Se as clínicas locais estiverem localizadas no território de uma gangue rival, mulheres são forçadas a se deslocar por quilômetros para ir ao médico. Creches e escolas podem ser fechadas durante longos períodos por conta de operações policiais ou da violência criminal. Profissionais das áreas de saúde e educação muitas vezes têm medo de trabalhar em comunidades dominadas pelo tráfico”.

Mulheres em comunidades carentes vivem sob constante estresse, diz o relatório. Nas palavras de uma delas: “Eu vivo dopada, tomo remédio de maluco! Aquele Diazepan para dormir. Porque se estou lúcida não consigo dormir, com medo. Dopada, pego minha filha, me jogo no chão, para me proteger do tiroteio, e durmo a noite toda. Se minha filha perder a chupeta, ela vai chorar a noite toda, porque deu oito horas da noite eu não saio mais de casa”.

“Os direitos dessas mulheres são violados pelo Estado de três maneiras: este apóia práticas policiais que conduzem a execuções extrajudiciais; perpetua um sistema que torna o acesso à Justiça extremamente difícil, senão impossível; e as condena à miséria”, disse Tim Cahill.

O Estado brasileiro introduziu algumas iniciativas positivas, como a Lei Maria da Penha, que aumenta a proteção às mulheres vítimas de violência doméstica. Mas a lei ainda precisa ser integralmente implementada, considera a ONG.

“Políticas amplas e de longo prazo, que objetivem a melhora das condições de vida de mulheres em comunidades marginalizadas, são extremamente necessárias para o fim da violência contra a mulher. Como primeiro passo, a Anistia Internacional urge o governo brasileiro a integrar as necessidades das mulheres no novo plano de segurança pública, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci)”, ensina o relatório.

O dossiê foi baseado em entrevistas feitas com mulheres em seis estados — Bahia, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, feitas entre 2006 e 2007.

Revista Consultor Jurídico

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