Autor da obra – Considerações sobre direito autoral na arquitetura

por Cláudio de Barros Goulart

Como sabemos desde os primórdios, existe uma luta constante pela preservação dos direitos autorais, sendo a propriedade intelectual uma das áreas mais complexas para desbravar as diversas nuances do direito contemporâneo.

A propriedade industrial tem trazido muita confusão interpretativa, misturando situações jurídicas específicas do Direito Autoral. Das diversas tentativas de elucidar o problema surgem normas específicas, objetivando aclarar os diversos institutos protegidos pela propriedade industrial e pelo direito autoral que não se confundem jamais, mas que têm trazido dificuldades na hora de sua aplicação.

Assim é que o legislador pátrio estabeleceu legislações distintas separando as duas casuísticas legais: para o Direito Industrial, que regula a propriedade industrial, a Lei 9.279/96; para o Direito Autoral a Lei 9610/98. Vejam que são legislações, completamente diferenciadas, com objetos distintos, aquela cuidando do registro e fiscalização de marcas e patentes, com formalidades próprias da propriedade industrial, emanadas do Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), protegendo as idéias inventivas; essa com metas bem delineadas no que tange ao autor intelectual, ao criador da obra literária, artística ou científica, regidos seus direitos pela Lei 9610/98, com possibilidade de registro em órgãos especializados salvaguardados no artigo 17 da Lei 5988/73, único dispositivo poupado do ato revogatório pela nova Lei.

Nosso objeto é enfocar as diversas nuances dos direitos autorais ligadas aos profissionais de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo—novidade inserida na nova lei de direitos autorais. Mas não é só a Lei 9610/98 que ampara os direitos autorais dos profissionais acima. O artigo 17 da Lei 5194/66, em pleno vigor, regula o exercício dos profissionais daquelas áreas, determinando que o autor do projeto será sempre a pessoa física que o elaborou, logo criadores intelectuais de seus trabalhos classificados como artísticos.

O legislador pátrio inseriu no rol das obras protegidas pelo Direito Autoral no artigo 7º, inciso X e 26 e 27, abaixo transcritos que espécies de trabalhos destes profissionais gozam de proteção autoral, baseados na Constituição Federal, no artigo 5º, incisos XXII, XXVIII, alíneas a e b:

“artigo 7º. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

X— os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;”

“artigo 26 — O autor poderá repudiar o projeto arquitetônico alterado sem o seu consentimento durante a execução ou após a conclusão da construção.

Parágrafo único: O proprietário da construção responde pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, der como sendo daqueles a autoria do projeto repudiado.”

Nota-se que o legislador pretendeu defender o projeto arquitetônico idealizado pelo seu criador (pessoa física), salvaguardando seus direitos morais, vale dizer, em respeito à criatividade do arquiteto ou profissional que pelos seus conhecimentos elaborou o trabalho intelectual.

Os artigos 28 e 29 tratam dos direitos morais do autor estabelecendo a necessidade imprescindível de autorização prévia e expressa do autor no que tange à utilização da obra, seja ela uma reprodução parcial ou integral, seja em quaisquer circunstâncias declinadas no artigo 29 da Lei 9.610/98.

Então, capitulado na Lei 9.610/98 em diversos dispositivos legais de amparo do criador intelectual, podemos depreender que os arquitetos, engenheiros e até urbanistas, inclusos na nova lei, gozam das mesmas prerrogativas legais inerentes aos demais autores.

Para que uma obra seja considerada amparada pela legislação autoral é preciso que nela estejam presentes diversas características, entre elas, a originalidade. Assim sendo, o projeto arquitetônico, objeto de nosso trabalho, deve ser novo, criativo e original. Novo, pois não se concebe cópia de trabalho intelectual; criativo, pois é uma característica imprescindível ao autor de qualquer obra que goze das prerrogativas de direito autoral; original, pois não pode se confundir com outro nem ser cópia de outro preexistente. Não se confunde com as obras derivadas, que, baseadas em obra original gera uma nova obra intelectual com características próprias, amparadas pelo Direito Autoral.

Não importa que o desenho, esboço ou projeto tenha sido idealizado com lápis, caneta, régua e outros apetrechos técnicos ou através de um poderoso software para sua criação. O importante é que o autor seja sempre pessoa física (arquiteto, engenheiro ou paisagista), licenciado ou não para uma pessoa jurídica, através de relações de emprego. Independe, por conseguinte, do suporte que fora utilizado para a confecção da obra arquitetônica, de engenharia ou paisagística. O importante e pré-requisito exigido pela lei autoral é que o autor será sempre uma pessoa física. Este é o entendimento de nossos Tribunais, principalmente do Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Especial 57.449/RJ:

“Autor é a pessoa física criadora de obra artística, literária ou científica. Independentemente do vínculo obrigacional, seja contratual seja funcional, o direito de autor decorre diretamente do seu criador, pessoa física, empregado ou servidor público. É o julgado”. (STF, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma)

Em primeiro lugar a transferência da titularidade dos direitos será nula de pleno direito, pois, como já vimos anteriormente, os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis. O que pode ser objeto de transferência diz respeito à exploração econômica da obra. Esta poderá ser exercida pelo titular dos direitos patrimoniais, vale dizer, a pessoa jurídica. Assim, a pessoa jurídica que contrata os serviços desses profissionais detêm os direitos patrimoniais, mormente haja vista a exclusão da figura da OBRA SOB ENCOMENDA de nossa legislação atual.

A Lei 9610/98 determina que haja expressa e previamente autorização para utilização da obra. Todavia, quando contratado o profissional, no próprio termo contratual, já existem cláusulas que permitem à contratada a exploração econômica da obra. Nunca, a titularidade plena da mesma, direito moral inerente ao arquiteto, engenheiro ou paisagista.

Lembremos que se a obra for realizada por uma única pessoa, empregada ou prestadora de serviços, sugere-se que se firme contrato de cessão de direitos, no qual o empregado cede ao empregador seus direitos patrimoniais. Quanto aos direitos morais é necessário que, na utilização da obra, se respeite o autor do projeto, sendo recomendável que ele autorize qualquer modificação ou alteração no mesmo, sob pena de o autor repudiar como se não fosse sua idealização intelectual. Neste caso, a pessoa jurídica é somente titular de direitos cedidos pelo autor.

É mister considerar que a transferência da titularidade de obra intelectual far-se-á por escrito e presume-se onerosa. A Lei 9610/98 em seu artigo 26 e parágrafo único trata da figura do repúdio pelo autor do projeto arquitetônico, caso tenha sido inserida alguma modificação sem sua expressa autorização. E vai mais além. No parágrafo único, afirma que quem deu origem às alterações no projeto do arquiteto contratado, o contratante, caso cause qualquer tipo de prejuízo ao profissional deverá indenizá-lo, pagando-lhe as perdas e danos porventura existentes.

Se o contratante não aceita o projeto ou sugere alterações precisam ser submetidas, antes de qualquer providência ao seu autor (o arquiteto) que poderá adotar duas providências:

a) modificar o projeto feito com a inserção do que o contratante sugerir:

b) transferir os direitos sobre o projeto, cedendo seus direitos patrimoniais e autorizando as modificações sugeridas, inclusive liberando o contratante para ajuda profissional de outro arquiteto.

Tais medidas estendem-se aos demais autores, ou seja, os engenheiros, urbanistas, entre outros.

É mister assinalar que proteção não incide sobre a idéia, matéria relacionada com a propriedade industrial, mas sim sobre a própria concepção, sobre o aspecto imaterial.

Além das Leis 9610/98 e 9609/98 que cuidam dos direitos autorais e dos que lhes são conexos e dos programas de computadores, respectivamente, quanto aos projetos amparados por essa legislação. Mas ainda restam normas legais quem amparam os autores com essas qualificações ligadas às áreas de engenharia, arquitetura e urbanismo.

Assim, a Lei 5.194, de 24 de dezembro de 1966, “estabelece normas fundamentais para garantia do direito autoral referente aos projetos de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, respeitadas as relações contratuais expressas entre o profissional e outros interessados”.

O Ato Normativo 4, de 30 de agosto de 2002, do CREA/DF, dispõe “sobre a proteção do direito autoral, referente a obras intelectuais e projetos de Engenharia, Arquitetura e Agronomia no âmbito da jurisdição do CREA/DF.”

Caberá o registro de seus projetos aos autores no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura, Agronomia, Geografia, Geologia, Meteorologia e demais profissões afins. Além dessas normas, outras podem ser utilizadas de forma subsidiária, não esgotando as indicadas acima. O objetivo é orientar o profissional a fazer valer seus direitos, no caso de serem violados, utilizando os normativos em sua defesa.

Nosso escopo foi estabelecer os direitos autorais dos profissionais arquitetos, engenheiros, urbanistas ou paisagistas, numa visão panorâmica da defesa de seus direitos. É claro que a matéria não se esgota. Diversos outros trabalhos existem que enfocam o problema, mas são poucos.

Todavia, a visão pragmática é que pode vir a auxiliar tais profissionais e não aspectos doutrinários profundos. Tais profissionais são constantemente lesados e nem sabem como se defender no caso das violações aos seus direitos autorais.

Decisões de tribunais. “Responsabilidade civil. Projeto arquitetônico. Danos materiais e morais. Contrato de administração e execução de um prédio comercial, posteriormente rescindido com a ressalva dos direitos autorais do arquiteto quanto ao projeto por ele elaborado. A alteração não consentida do projeto arquitetônico original, com a construção de um pavimento de cobertura, configura violação de direito autoral. A responsabilidade pelos danos decorrentes da alteração do projeto inicial é solidária entre o dono da obra e a firma contratada para a execução do projeto.

O responsável técnico pela obra, na qualidade de empregado da firma contratada para o prosseguimento da obra, não pode ser responsabilizado por violação ao direito autoral, se não assinou qualquer projeto ou planta de alteração do projeto inicial. Desprovimento do agravo retido; provimento parcial do primeiro apelo para excluir da condenação a verba relativa ao dano moral; e provimento também parcial de segundo recurso para julgar improcedente o pedido em relação ao segundo apelante, mantida a improcedência da reconvenção”.(Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

“EMENTA: AÇÃO COMINATÓRIA COM INDENIZAÇÃO-DIREITO AUTORAL-LEI 9610/98-PROJETO ARQUITETÔNICO — REPRODUÇÃO PARCIAL-CONTRFAÇÃO-INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. Configura contrafação a reprodução, ainda que parcial, de projeto arquitetônico, sem a prévia e expressa autorização do arquiteto criador, nos termos da Lei 9.610/98, gerando ao autor o direito à indenização por dano material e moral” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais)

“DIREITO AUTORAL. PLÁGIO DE PROJETO ARQUITETÔNICO. DIREITO À INDENIZAÇÃO QUE TEM O AUTOR DO PROJETO, SE O MESMO VEM A SER UTILIZADO POR TERCEIROS, SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL OU ACONTRATUAL.” (Apelação Cível 590064481, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Pilla da Silva. Julgado em 9/10/1990)

“Todo ato físico literário, artístico ou científico resultante da produção intelectual do homem, criado pelo exercício do intelecto, merece a proteção legal. LOGOMARCA: Sendo a logomarca tutelada pela lei de direitos autorais, são devidos direitos respectivos ao seu criador, mesmo ligada a sua produção à obrigação decorrente de contrato de trabalho”. (Processo nº. 57.449/RJ, Ministro Sálvio de Figueiredo Ferraz, 4ªTurma, julgado em 24 de junho de 1997)

Referência bibliográfica

— Lei 9.610, DE 18/021998 1Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências

— Lei 9.609, DE 18/02/1998—Dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador e sua comercialização no País.

— Lei 5194, DE 24/12/66—Estabelece normas fundamentais para garantia do direito autoral referente a planos ou projetos de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, respeitadas as relações contratuais expressas entre o profissional e outros interessados.

— ATO NORMATIVO Nº. 4, DE 30/08/2002 DO CREA/DF

RESOLUÇÃO Nº. 453, DE 15/12/2000 DO CONFEA

JULGADOS E DECISÕES DE TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. São Paulo, Forense Universitária, 4 ed, 2005. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Curso de Direito de Mídia. Rio, 2007

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Revista Consultor Jurídico

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