Bagagem com ecstasy – Direito penal não é vingança, diz juiz ao libertar jovem

Preso ao tentar entrar no Brasil com 41 mil comprimidos de ecstasy, em maio passado, o universitário José Luiz Aromatis Netto, de 26 anos, ganhou liberdade na semana passada. Saiu do presídio pela porta da frente, com alvará de soltura, assinado pelo juiz federal Erik Navarro Wolkart, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

O juiz é o mesmo que o condenou pelo crime de importar drogas, como prevê o artigo 33 da Lei 11.343 (Lei de Entorpecentes). Este crime, conforme reza o artigo 44 da mesma lei, é “inafiançável e insuscetível de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória”. Mas a Lei 11.464, de 2007, deu base para o juiz decidir na sentença condenatória que o réu poderá apelar em liberdade.

Ao dar ao jovem traficante o direito de recorrer em liberdade da pena de três anos, oito meses e dez dias que o condenou, o juiz Wolkart não desconheceu o fato de o crime de tráfico ser equiparado aos chamados crimes hediondos. Ele destacou isto na sentença dada, na audiência de quinta-feira (31/7), ao afirmar que “este Juiz não ignora as prescrições legais que indicam como mais adequado como regra geral o início do cumprimento da pena em regime fechado”. Ainda assim, preferiu permitir o recurso em liberdade.

E explicou o motivo. “Já é hora de o estado atentar que o direito penal não é vingança social, luta de classes e muito menos a solução para séculos de equívocos administrativos. Muito pelo contrário a que se considerar não somente a natureza do crime, cuja gravidade já está imantada no montante da pena fixada, mas também a personalidade do réu a finalidade da pena e infelizmente as condições da escola do crime, mas conhecida como sistema carcerário” (sic).

O caso

Estudante de publicidade e morador do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro, Aromatis Netto foi preso ao chegar de Amsterdã (na Holanda), em uma viagem com escala em Paris. Trazia na bagagem, segundo a Polícia Federal divulgou à época, 41 mil comprimidos de ecstasy, 17.600 pontos de LSD e 350 gramas de skunk. Foi a maior apreensão de ecstasy no Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, no Rio.

O entorpecente, embalado em plástico, vinha acomodado dentro de um saco de dormir. O skunk foi detectado pelo raio-X e denunciou o estudante, preso depois de ter retirado a bagagem da esteira e quando se preparava para passar pela Receita Federal. “O perfil de traficantes de drogas sintéticas é o do jovem de classe média, que sonha com o enriquecimento fácil”, explicou, no dia da prisão, ao jornal O Estado de S. Paulo, o delegado federal Agostinho Gomes Cascardo Júnior.

A Polícia, na época, avaliou a droga apreendida em R$ 4 milhões, mas em juízo o jovem, que não foi capaz de entregar ninguém que fizesse parte da quadrilha, alegou ter comprado o material com R$ 12 mil que possuía. Pelos cálculos dos agentes federais, só com o ecstasy o estudante poderia arrecadar mais de R$ 2 milhões se vendesse a R$ 50,00 o comprimido.

No caso do universitário preso, segundo as suas declarações, embora o interesse maior fosse financeiro, também o movia a dependência química com drogas. Como relata o juiz na sentença, em momento algum ele negou que estivesse traficando, mas tentou explicar-se. “O acusado confessou perante a autoridade policial e perante este Juízo que foi voluntariamente a Amsterdã buscar as substâncias entorpecentes, justificou a atitude criminosa nas circunstâncias sociais e psicológicas que o cercavam: de há muito era usuário de drogas; sua mãe passava por dificuldades financeiras e seu pai não podia mais ajudá-lo tendo em vista seu falecimento; trancamento de sua matrícula na faculdade de publicidade por falta de condições financeiras”.

Os fundamentos

O juiz Wolkart ainda fez questão de lembrar o depoimento da mãe do rapaz, arrolada pela defesa. “As circunstâncias psico-sociais que envolvem o caso aparecem nos depoimentos trazidos pela defesa, não é de se retirar a fidedignidade do depoimento da mãe que narra um histórico problemático na juventude do filho envolvendo o uso de drogas e o distanciamento do pai, tendo em vista o divórcio”.

Provavelmente, isto tenha influenciado o juiz na hora da dosimetria da pena. Pelo crime de importar droga, cuja punição varia de 5 a 15 anos, o juiz optou por um período quase que intermediário – 9 anos. Prazo aumentado em função de duas agravantes: seis meses pelo crime ter ocorrido mediante pagamento ou a promessa de pagamento e mais um sexto da pena pela transnacionalidade do delito, o que elevou os 9 anos e seis meses para 11 anos e 1 mês.

O jovem, porém, beneficiou-se com as atenuantes. Por ser primário, não ter antecedentes e, no entendimento do juiz, inexistir indícios que indiquem o envolvimento dele com organizações criminosas, lhe foi concedida uma redução de dois terços, o que derrubou a pena e a tornou definitiva em três anos, oito meses e dez dias. Ao mesmo tempo, por ser inferior a quatro anos, o juiz Wolkart estendeu ao réu confesso o benefício do recurso em liberdade.

A Procuradoria da República já anunciou que está preparando novo recurso. Responsável pelo processo, o procurador Fábio de Lucca Seghese discorda do juiz em três pontos. Considera pequeno o aumento da pena em apenas um sexto pela transnacionalidade do delito. Como a lei admite que a majoração seja de até dois terços, ele pretende pedir no Tribunal Regional Federal da 2ª Região um aumento desta agravante.

Já os dois terços de redução da pena pela alegada inexistência de evidências de participação em organização criminosa pelo réu, para ele foram excessivos. “O volume da droga apreendida é um indício que não permite afiançar que o réu não participa de organização criminosa”, diz.

O ponto mais crítico, porém, é o direito ao recurso da decisão em liberdade. Para o procurador, isto não deveria ter sido concedido na medida em que o tráfico de drogas é equiparado aos chamados crimes hediondos. No recurso, ele tentará derrubar a decisão do juiz.

Leia a sentença

Processo: 2008.51.01.490115-5

Autuado em 22/05/2008 — Consulta Realizada em 04/08/2008 às 15h02

AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

PROCURADOR: NEIDE M C CARDOSO DE OLIVEIRA

REU: JOSE LUIZ AROMATIS NETTO

ADVOGADO: CLAUDIO SERPA DA COSTA E OUTRO

7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro — MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO

Juiz — Sentença: ERIK NAVARRO WOLKART

Objetos: ENTORPECENTES: ART/ 33 C/C 40, I, DA LEI 11343/2006

Homologo a desistência da oitiva da testemunha Marcelo Pereira do Valle requerida pelo MPF, bem como homologo a desistência da oitiva da testemunha Roberta Pinto dos Santos requerida pela defesa. Tendo em vista a oralidade exercida nesta audiência, bem como na prolação da sentença este Juiz procederá a um relatório sumariado do processo.

O MPF ofereceu denúncia em face de José Luiz Aromatis Netto pelo fato verificado no dia 21.05.2008 por Carlos Alberto Coutinho Nogueira, agente da Policia Federal e de seu colega Marcelo Pereira do Valle qual seja a apreensão de substancias entorpecentes na bagagem pertencente ao acusado no aeroporto do Galeão.

Segundo os laudos periciais de fls. 143/146/193/196 e 203/206 o acusado tinha em sua bagagem pouco mais de 11 quilos de comprimidos de ecstasy e 290 gramas de ácido lisérgico e ainda 302 gramas de skunk, todos compostos de princípios ativos constantes da portaria n 344 da ANVISA. Realizado o interrogatório do acusado confirmou-se o que já constava dos autos. O acusado confessou perante a autoridade policial e perante este Juízo que foi voluntariamente a Amsterdã buscar as substancias entorpecentes, justificou a atitude criminosa nas circunstancias sociais e psicológicas que o cercavam: de há muito era usuário de drogas; sua mãe passava por dificuldades financeiras e seu pai não podia mais ajudá-lo tendo em vista seu falecimento; trancamento de sua matrícula na faculdade de publicidade por falta de condições financeiras.

O comportamento do acusado quando da apreensão das substâncias foi confirmado no depoimento do APF Carlos Alberto Coutinho Nogueira. Apesar da ineficácia das informações prestadas parece-me que realmente já no momento da abordagem José Luiz dispôs a colaborar e a assumir os seus atos. As circunstâncias psico-sociais que envolvem o caso aparecem nos depoimentos trazidos pela defesa, não é de se retirara a fidedignidade do depoimento da mãe que narra um histórico problemático na juventude do filho envolvendo o uso de drogas e o distanciamento do pai, tendo em vista o divórcio.

Diante de todo o contexto não há que se duvidar da materialidade dos fatos ou da autoria do crime doloso imputado ao acusado. O envolvimento com a maconha e seus derivados alegado pelo acusado e corroborado pelos demais depoimentos não servem de justificativa para a prática do crime em questão. Pelo que é de se impor a condenação do acusado. Passo aos dispositivos da sentença. Por todo o exposto, condeno José Luiz Aromatis Netto, julgando procedente o pedido condito da denúncia, pela prática do crime descrito no artigo 33, cominado com o artigo 40, I da Lei 11.343 de 2006. Passo a individualização da pena.

O acusado transportava enorme quantidade de entorpecentes para se ter uma idéia a perícia estimou a quantidade de comprimidos de ecstasy em mais de 40.000. A este fato some-se que os motivos declinados pelo acusado não justificam a pratica criminosa, antes de enveredar pelas soturnas trilhas do tráfico ilícito de entorpecentes colaborando para alimentar ainda mais a tão perniciosa indústria das drogas e do tráfico, bem como para alarmar ainda mais sua mãe e sua família poderia o acusado com tantas outras pessoas em condições muito menos privilegiadas do que a sua buscar no trabalho e no suor do dia a dia o seu sustento, o auxilio a seus familiares e a reversão de uma situação momentânea difícil.

Posto isto, forte no disposto dos artigos 42 e 43 da Lei de drogas e no artigo 59 do CP fixo a pena base acima do mínimo legal em exatos 09 anos de reclusão e 900 dias multa. Em respeito ao sistema adotado no artigo 68 do CP passo a segunda fase da fixação da pena. Verifico assim que o crime ocorreu mediante pagamento e promessa de pagamento circunstância prevista no artigo 62, inciso IV do CP que me permite acrescer a pena mais seis meses. Encontrando ainda provisoriamente nove anos e seis meses de reclusão e mil dias multa. Aumento a pena de mais 1/6 em razão da transnacionalidade do delito, artigo 40, inciso I da Lei de Regência fixando agora em 11 anos e um mês de reclusão e 1.166 dias multa.

Por fim, a que se reconhecer a primariedade do acusado e a completa ausência de maus antecedentes ou de indícios que indiquem o seu envolvimento com organizações criminosas, tais circunstâncias me fazem optar fundamentadamente pela diminuição máxima prevista no artigo 33, parágrafo 4º da Lei de Regência, desarte diminuindo a pena encontrada de 2/3 encontro a pena definitiva de três anos, oito meses e 10 dias de reclusão e 388 dias multa.

O crime em questão é grave e equiparado a hediondo e este Juiz não ignora as prescrições legais que indicam como mais adequado como regra geral o início do cumprimento da pena em regime fechado, todavia já é hora de o estado atentar que o direito penal não é vingança social, luta de classes e muito menos a solução para séculos de equívocos administrativos.

Muito pelo contrário a que se considerar não somente a natureza do crime, cuja gravidade já está imantada no montante da pena fixada, mas também a personalidade do réu a finalidade da pena e infelizmente as condições da escola do crime, mas conhecida como sistema carcerário. Posto isto, e sendo certo que a pena fixada não desbordou os quatro anos de reclusão fixo o regime aberto como aquele em que se iniciará o cumprimento da pena.

Obviamente que o regime poderá ser alterado para mais gravoso pelo Juízo das Execuções penais caso não haja um bom comportamento e um respeito pelo acusado às regras do regime. Tendo em vista essa circunstância, bem como o fato de que o acusado não representa maiores perigos a sociedade deverá ser solto e permanecer solto no prazo recursal. Com relação ao valor do dia multa considerando a situação econômica do réu fixo em um décimo do salário mínimo vigente a época dos fatos. A pena pecuniária deverá ser recolhida no prazo de 10 dias do transito em julgado das sentença convertendo-se para esse fim os valores porventura apreendidos com o acusado. Expeça-se alvará de soltura, bem como os demais ofícios e comunicações de praxe. Transitada em julgada a sentença, lance-se o nome do acusado no rol dos culpados.

Oficie-se à Policia Federal autorizando a destruição da droga mediante termo e com resposta ao Juízo no prazo máximo de 05 dias da destruição.

Revista Consultor Jurídico

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