Bomba relógio – Problema da previdência social precisa ser enfrentado

por Luiz Roberto Kallas

A explosão da terceira idade, ou no inglês Old Boom, é um fenômeno demográfico caracterizado pelo envelhecimento da população de um país. Com o sinal invertido se assemelha ao famoso Baby Boom ocorrido logo após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo nos Estados Unidos.

O Baby Boom era caracterizado pelo crescimento explosivo de nascimentos na população americana. A compreensão do fenômeno possibilitou que os Estados Unidos se firmassem como potência econômica mundial, quando governo e empresas adotavam formas de planejamento adaptadas às mutações demográficas. Na década de 1960, nas universidades, os professores, sobretudo aqueles que se dedicavam ao marketing e ao planejamento, nos alertavam sobre a importância de observar as mutações demográficas importantes na construção de políticas econômicas públicas e também no planejamento empresarial.

A preocupação com a Previdência Social era apenas potencial, pois ela se mantinha forte. Mais que isso, a partir de uma legislação adequada, parecia que tudo estaria sobre controle. O Brasil iniciava o famoso milagre econômico. PIS, PASEB, FGTS tinham sido criados de maneira a aumentar a seguridade social pelo partilhamento sustentável dos lucros das empresas.

De lá para cá tudo mudou. No lugar do Baby Boom ocorre o Old Boom no qual predomina o aumento da população de terceira idade em decorrência da evolução da medicina e da taxa de natalidade que reduziu substancialmente e em velocidade muito superior a esperada. Apesar de totalmente previsível o fenômeno pega o Brasil de novo desprevenido. Nas atuais circunstâncias não devemos nos iludir com a aposentadoria pública, pois ela é mais um dos grandes buracos negros que nos ameaçam.

É claro que aconteceram coisas boas como o Plano Real, que acabou com a inflação concentradora de renda, e as privatizações que seguiam no rumo do aumento da produtividade da economia nacional. O Brasil cresceu, mas longe do necessário e suficiente para sustentar o seu povo. Os mais velhos tiveram a garantia da aposentadoria que agora está se esvaindo. Aqueles que não alcançaram uma aposentadoria privada ficarão a ver navios. Com relação à saúde, também parte da seguridade social, as doenças degenerativas passam a predominar, enquanto ainda estamos as voltas com o problema das doenças de natureza sanitária. Essa é mais uma prova de que o planejamento no Brasil é artigo de luxo e pouco utilizado.

Como um problema tão grave e tão previsível foi e continua sendo ignorado? Creio que isso é fruto de uma mentalidade ultrapassada na formação da opinião pública, tanto na base como no topo. Vejo o problema como uma adoção de modelos de pensamento equivocado nos últimos 40 anos, fruto de um populismo exacerbado e de uma concentração de riqueza inaceitável.

O pensamento dominante da nacionalidade hoje é de que a previdência é algo ligado à solidariedade. Afirma que se formos todos solidários nossa aposentadoria estará garantida. Ninguém ganhará muito e ninguém ficará sem nada. Isto é fruto de uma filosofia socialista que privilegia a justa repartição da renda em bases igualitárias. Por um lado dizem: Não interessa quanto você contribuiu: todos ganharão a mesma coisa. Vamos partilhar tudo que é nosso.

Por outro afirmam: não interessa que você não tenha contribuído, mas o correto, pela representatividade da sua função ou histórico de vida, justifica uma aposentadoria privilegiadamente digna. Esse tipo de pensamento não cumulativo e não agregador, embora possa parecer justo e solidário, não é sustentável e por isso, no Brasil, a seguridade social, incluindo a saúde, está falindo, como relatam uma série de pesquisas realizadas, incluídas aquelas do IBGE. Substituiu-se o mérito pelo igualitarismo. Existem até os que propõem a volta do tribalismo do início da civilização. Essa a razão principal de nosso fracasso.

Só existe uma forma da previdência social sobreviver e feliz ou infelizmente essa forma só pode ser cumulativa. Em outras palavras: capitalista. Sabemos, do conto de La Fontaine, que a formiga acumulava e por isso sobreviveu, ao passo que a cigarra usufruía e por isso não obteve êxito e teve que pedir esmola. É o que ocorre com a previdência hoje e era previsível há décadas. Antes cinco trabalhadores sustentavam um aposentado. Hoje um trabalhador sustenta um aposentado. Logicamente a aposentadoria terá que ser cinco vezes menor, o mesmo acontecendo com os cuidados com a saúde da população. A pirâmide etária se inverte em decorrência dos avanços da medicina e do controle da natalidade. O Brasil não desenvolveu conforme sua potencialidade. Não houve acumulação necessária e por isso a seguridade social de todos os brasileiros tende a ser cada vez pior.

Segundo Clark e Fisher, a economia dos países passa por etapas desde a primária até a quinária. A primária privilegia as atividades agrícolas, que evolui para a etapa industrial e posteriormente a comercial e assim por diante vão evoluindo para as etapas de prestação de serviços, finanças, seguros, comunicação até atingir a etapa quinária. Esta é caracterizada pela priorização da saúde, lazer, educação, artes, cuidados pessoais, coincidindo com a classificação de Maslow sobre as necessidades humanas. Todavia, no Brasil nem as necessidades primárias da população, que envolvem alimentação e habitação estão satisfeitas.

O planejamento da economia de um país deve se concentrar no mix otimizado destas atividades, conforme ensina Philip Kotler, mestre do planejamento estratégico. O emprego em uma sociedade só existirá, em volume suficiente, caso a sociedade evolua das atividades primárias até atingir as quinárias, que possuem maior valor agregado e por isso geram mais e melhores empregos, tanto em termos de volume e valor como de estabilidade. Foi isso que não fizemos suficientemente. Os países que planejaram melhor o seu futuro estão em uma situação privilegiada em relação a nós, embora também passem por momentos de preocupação com a previdência social.

Creio que Clark e Fisher poderiam ter criado uma nova etapa para atender as mutações sociais e demográficas. Poderiam ter proposto a etapa sestenária, a qual se dedica a acumulação social do capital. Vejam que foi exatamente esse o princípio da criação do FGTS, do PIS e PASEB, porém de tão mal administrados, desde que foram criados, que se diluíram sem atingir seu objetivo securitário. O espírito da lei que criou tais mecanismos era a socialização do lucro. O que fizemos continuamente foi a socialização do prejuízo. Um dos meus primeiros artigos publicados aqui no Consultor Jurídico foi exatamente a história do vexatório rendimento destes fundos.

O Brasil seria talvez a segunda maior economia do mundo caso tais fundos fossem bem administrados. Mas não foram. Os trabalhadores perderam uma fortuna incalculável em decorrência desse descaso. O Brasil perdeu a grande oportunidade de sua história. Os fundos de pensão, sobretudo os de instituições estatais, embora sejam exemplos de acerto, estão hoje envoltos em histórias de interesses dominadores, que mais beneficiam os que se instalaram no poder do que seus beneficiários.

Qual era a inspiração dos fundos sociais? Distribuir a riqueza e não a renda de forma não apenas solidária, mas obrigatoriamente sustentável. Distribuir riqueza é possibilitar uma acumulação de recursos para a posteridade e não aumentar a renda presente. Foi tudo o que não fizemos. Creio até que a inflação que de novo nos atormenta se deve a esse fato. Se esses fundos fossem administrados no interesse do trabalhador o Brasil teria toda a poupança necessária para investir o suficiente para o contínuo crescimento da economia, com distribuição sustentável da riqueza e não meramente da renda como pregam os ingênuos. Outras nações cresceram muito mais do que nós nesse período e por isso hoje possuem maior margem de manobra para corrigir problemas que eventualmente enfrentem. Nós estamos sem essa margem.

O fato de o Brasil estar crescendo nos últimos anos é reflexo retardado do crescimento internacional e não do nosso mérito. Por outro lado, o fato de não termos desenvolvido nos últimos 40 anos não é culpa de forças internacionais, mas nossa. Analisando bem a situação de nossa economia percebemos claramente que a probabilidade de uma herança maldita é cada vez maior. Não só pela inflação que pode fugir ao controle, mas principalmente pela filosofia avessa a acumulação. A inflação não é apenas reflexo da crise internacional, mas seu vetor principal é nossa estrutura econômica interna inadequada.

Não haverá emprego para todos e não haverá uma massa crítica de trabalhadores ativos, suficientes para sustentar os aposentados. A única opção é a acumulação. E para que ela exista temos que repensar os fundos sociais e fazer com que eles voltem aos princípios propostos em sua criação. O tempo é fundamental para a acumulação e por isso, agora que o perdemos, a produtividade se ressalta como a única alternativa para corrigir nossos erros. É pois mandatório controlarmos nossa ingenuidade ao propormos solidariedade insustentável. A solidariedade somente beneficia o próximo quando ela pode ser mantida no tempo. Caso contrário será enganação, mero orgasmo distributivista, populista e conseqüentemente eleitoreiro. Foi o que aconteceu com a previdência social no Brasil e também com nossa economia.

Embora tarde, não existe alternativa se não enfrentar o problema com realismo. Mais do que tudo, importa repensar nossa economia e nossos valores e escolher as alternativas que sejam as mais produtivas possíveis. Soluções existem, mas exigem mudança profunda de posicionamento. Uma boa regra é exatamente essa: analisar os erros absurdos que cometemos com os fundos e a previdência social no passado até hoje, que mais serviram a interesses das classes dominantes, sejam políticas ou econômicas, sejam de direita ou de esquerda. Prevaleceram ideologias, o interesse eleitoreiro, a produção de espetáculos histéricos, a corrupção, os projetos de poder e não o objetivo maior que é o bem estar e a realização do trabalhador e conseqüentemente da sociedade. Temos que acordar muito rápido da letargia ou aposentar na miséria. Os mais jovens ainda terão algum tempo para evitar o desastre, desde que reajam e comecem a atuar já. Aos mais velhos só resta a exemplar revolta que orientará os mais jovens. Afinal, eles são nossos filhos, nossa razão de viver e nos preocupamos com eles.

Revista Consultor Jurídico

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