Brecha na lei permite a fraudadores criar novas empresas e voltar a ter contratos com o Estado

Por uma falha na legislação, é possível a uma pessoa, proprietária ou sócia de uma empresa que tenha sido denunciada por corrupção, e até figure no Cadastro de Empresas Inidôneas ou Suspensas (Ceis), elaborado pela Controladoria-Geral da União (CGU), criar outra empresa, com outro número no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), reapresentar-se em licitação e conseguir novo contrato com o Poder Público.

“É uma brecha legal. Administrativamente, o Estado pode até proibir empresas de participarem de convênios e licitações. Porém, não os titulares [das empresas]”, diz Cláudio Abramo, da organização não governamental (ONG) Transparência Brasil.

“Essa brecha decorre do fato de nós não termos ainda a responsabilização da pessoa jurídica. Uma empresa pode ser punida com base na Lei de Licitações, vai ser considerada inidônea, mas o sócio da empresa abre outro CNPJ e pode voltar a contratar com a administração pública”, confirma a diretora de Prevenção da Corrupção da CGU, Vânia Lúcia Ribeiro Vieira.

Para fechar a brecha, a CGU, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Justiça propuseram, em outubro de 2009, um projeto de lei regulamentando a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas. Segundo o ofício enviado pelas três instituições à Presidência da República, o projeto “prevê meios de impedir que novas pessoas jurídicas constituídas no intuito de burlar sanções impostas administrativamente mantenham relações com a administração pública”.

O Executivo encaminhou a proposta ao Congresso Nacional em fevereiro de 2010. Em maio deste ano, a presidência da Câmara dos Deputados determinou a criação de uma comissão especial para analisar o projeto de lei, que ganhou o número 6.826/2010. Nem os líderes da base aliada, nem os da oposição indicaram seus representantes na comissão.

Em julho, a Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção informou que havia 27 proposições (entre projetos de lei e emendas constitucionais) prontas para entrar na pauta do plenário (14 proposições principais e 13 apensadas).

Para Gil Castelo Branco, do site Contas Abertas, o problema da corrupção no Brasil não está na legislação mas na impunidade. “Se o problema fosse de lei, era fácil: era só importar a legislação da Dinamarca, considerada uma das melhores do mundo.”

De acordo com Vânia Lúcia Vieira, da CGU, a vantagem do projeto de lei proposto pelo Executivo é a aplicação de sanções de forma mais rápida às empresas, sem ter que ir ao Judiciário, além do estabelecimento, também mais rápido, de recursos e de multas de 1% a 30% do faturamento bruto anual. Vânia cita ainda a extinção de contratos e financiamentos de tais empresas com o Poder Público. Segundo ela, a responsabilização proposta é objetiva: “a empresa corrupta vai perder dinheiro, direitos e benefícios”.

Ela diz que já existem precedentes, com decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que impedem sócios de empresas de lista suja de apresentar novas empresas para contratos com a administração pública.

No ano passado, o Grupo Permanente de Combate à Corrupção, da AGU, propôs 2.147 ações de execução de processos de corrupção julgados no Tribunal de Contas da União, e mais 1.559 ações civis públicas, de improbidade administrativa e de ressarcimento (total de R$ 2,7 bilhões). Mais de R$ 582 milhões em bens e valores foram considerados disponíveis e R$ 491,2 milhões voltaram ao erário.

O Ministério da Justiça estima que nos últimos anos US$ 800 milhões tenham sido repatriados de contas no exterior alimentadas pela corrupção. O reingresso no país depende de o processo transitar e ser julgado. São sigilosas as informações sobre os montantes identificados em bancos estrangeiros.

A CGU e a Transparência Brasil criaram uma ferramenta para identificar riscos de corrupção. A metodologia está disponível no link: http://www.transparencia.org.br/docs/maparisco.pdf.

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