Briga de vizinho – Risco do protesto de dívida de condomínio não compensa

por Marcelo Vallejo Marsaioli e Everton Casagrande

O universo das relações condominiais em edifícios residenciais e comerciais vive em constante evolução e mudança. Seguindo essa linha, entrou em vigor no dia 21 de julho de 2008, a Lei Estadual 13.160, de São Paulo, que, alterando a Lei 11.331 de 2002, determina que os tabelionatos de protesto de títulos recebam para protesto comum — dentre outros créditos que já recepcionam — também o crédito condominial oriundo de quotas de rateio de despesas e aplicação de multas, segundo determine suas respectivas convenções de condomínio e a própria lei, podendo ser devidas pelo condômino ou pelo possuidor da unidade.

Alguns operadores do Direito viram o advento desta Lei Estadual como uma verdadeira revolução na recuperação de créditos em razão, sobretudo, do caráter coercitivo que os temidos protestos exercem sobre os devedores. De outra quadra, outra corrente analisa este instituto de maneira cautelosa, justamente pelos radicais efeitos que um instrumento de protesto pode causar ao condômino em geral. Filiamo-nos, com todo o respeito às opiniões diversas, a esta última corrente.

Não há dúvidas dos aspectos positivos do instrumento de protestos nas cobranças, pois sua natureza de publicidade da dívida e a pressão que exerce ao limar o crédito do devedor em todas as esferas do comércio, certamente são poderosos aliados em qualquer tipo de cobrança.

O protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, tornando-a pública em todos os âmbitos possíveis, tudo conforme o artigo 1º da Lei de Protestos (Lei 9.492, de 10/09/1997).

O protesto torna público o inadimplemento do devedor de modo a permitir que comerciantes/empresários conheçam a falta de liquidez daquele que fora protestado.

Entretanto, maior a eficácia do mecanismo de cobrança, maior também a responsabilidade que nasce com ele, que é o que passaremos a analisar.

Primeiramente, cabe examinarmos a nova legislação estadual dentro do contexto do sistema legal que já existe em nosso país de onde observaremos iminente conflito com o Código de Processo Civil (Lei Federal 6.015/73) e com a própria Constituição Federal de 1988.

A explicação é simples: ao ser tomada como título “protestável” e, portanto, passível de lançamento do nome dos devedores em órgãos de restrição de crédito além dos outros nefastos efeitos do Protesto em si, a despesa condominial passará a ganhar conotação dos chamados Títulos Executivos Extrajudiciais.

Estes títulos representam débitos certos, líquidos e exigíveis pela lei, ou seja, despesas que não permitem discussão, com origem legítima e indiscutível, vencimento consumado, e exigibilidade total. Em outras palavras, estes títulos representam débitos que não admitem discussões acerca de sua origem, teor e constituição, respeitadas as exceções contidas em lei.

Ora, por óbvio que a despesa condominial não é despesa líquida e certa e muito menos exigível! O condômino devedor possui garantido por lei o direito de contestar o crédito que entender estar em desacordo com a realidade do Condomínio.

O boleto condominial não funciona como uma confissão de dívida, nos moldes do cheque ou da Nota Promissória, podendo ser amplamente questionado, debatido e dissecado em juízo pelo devedor que assim o desejar.

O que se tem aqui é que a lei estadual determinou o protesto da cota condominial em atraso, mas deixou de criar mecanismos legais para que ela possa ser exigida na mesma forma dos demais títulos passíveis de protesto.

Os títulos executivos estão listados no artigo 585º do Código de Processo Civil e, neste rol de títulos, não encontram-se as quotas condominiais. Indo mais além, mesmo na análise do Código Civil ou da Lei 4.591/64 (Lei anterior que regia as relações em condomínios edilícios) não se vislumbra qualquer alusão a possibilidade de protesto de quotas condominiais.

A incongruência é tamanha, que a quota condominial passará a ser objeto do protesto, mas não poderá compor a Ação de Execução de Título Extrajudicial. Assim sendo, caso o devedor deixe de pagar o título protestado (quota condominial), caberá ao Condomínio ajuizar a Ação de Cobrança pelo Rito Sumário/Ordinário, o que nos leva a situação idêntica a que temos atualmente!

Nada foi alterado no aspecto judicial já que a Ação de Execução está vinculada aos títulos previstos no artigo 585º acima mencionado, de onde estão excluídas as quotas condominiais mensais.

Logo, é certo afirmarmos que o boleto bancário não é espécie de Título de Crédito Extra-Judicial, o que o coloca numa posição indefinida, mais ainda, é documento elaborado unilateralmente (via de regra pelo credor, ou pela Instituição Financeira autorizada pelo credor), aspecto que a ser sopesado, pois com certeza haverá discussão sobre a questão de não ser a despesa mensal condominial um título liquido, certo e exigível.

É importante também atentarmos para o fato de que a nova lei estadual nada menciona acerca dos requisitos formais essenciais para a emissão de boleto bancário, isto é, qual o formato que o “novo boleto condominial protestável” deveria seguir. Fica-se assim, sujeito o exercício deste direito, às milhares de variações caso a caso para emissão dos boletos, dependendo das peculiaridades de cada transação, de cada Administradora, de cada Síndico e de cada Condomínio.

Somente estes requisitos já oferecem respaldo para que o Poder Judiciário socorra eventuais condôminos protestados que decidam discutir o débito que lhes é cobrado sem precisar ter em seu nome restrições de crédito durante seus debates.

A previsão aqui é de uma verdadeira enxurrada de ações judiciais daqueles que busquem a tutela do Estado para sustação dos protestos por meio de Medidas Cautelares de Sustação de Protesto e Ações Declaratórias de Inexigibilidade de Débitos com pedido de Liminar e até mesmo com Pedidos de Indenização por Danos Morais contra o Condomínio.

Imaginemos então algumas situações corriqueiras do cotidiano dos condomínios verticais.

A titularidade do imóvel e a responsabilidade pelas quotas condominiais em atraso, por exemplo, é ponto certo a causar polêmica, pois como se sabe, a doutrina e jurisprudência não pacificaram ainda o tema.

O débito condominial seria de caráter propter rem (dívida do imóvel e não da pessoa)? Apesar de estarmos certos que sim, a matéria ainda encontra grande debate nos Tribunais, pois há aqueles que acreditem ser oriunda de relação pessoal, outros de relação real, e há ainda aqueles que ponderam ser uma relação mista balizada nos dois institutos.

Nesta toada, poderá residir o maior prejuízo ao condomínio, bastando imaginar protestar-se o figurante no cadastro condominial (matrícula do Cartório de Registro de Imóveis) sendo que quem se utiliza das benesses do condomínio é aquele que está ocupando o imóvel à qualquer título (ocupante, compromissário-comprador, comodatário, cessionário, donatário).

Em posterior ação judicial, reconhecida a ilegitimidade do antigo proprietário (protestado), configurado estará seu insofismável direito ao pleito indenizatório (indenização por danos morais por abalo de crédito) em face do condomínio.

Outro bom exemplo de discussão jurídica perigosa ao condomínio é a da aprovação das contas do síndico, pois se, ao final de um mandato as contas do dirigente condominial forem reprovadas e houver condôminos com despesas daquele mandato em protesto, certamente estes terão também direito de discutir a legalidade do protesto em seu nome e até mesmo, dependendo de cada caso, pleitear indenização por danos morais.

A isso tudo some-se ainda eventuais falhas de baixa de débitos no sistema bancário, documentos extraviados e outros problemas de ordem cotidiana, que hoje podem ser analisados e sanados sem maiores conseqüências, mas que com o protestos, passarão a trazer conseqüências impiedosas aos condomínios.

Equívocos escusáveis e sanáveis nas cobranças do dia-a-dia não mais serão admissíveis e ainda serão puníveis. A responsabilidade civil do síndico e da administradora aflorará mais do que nunca sobre atos ligados aos protestos.

Somente despesas sobre as quais inexiste qualquer tipo de dúvida deverão ser enviadas a protesto, mas mesmo assim, cremos na possibilidade plena do devedor conseguir êxito em ajuizar ação própria para barra os efeitos do protesto enquanto a Ação de Cobrança competente cumpre seus trâmites normais.

Os condomínios passarão assim a também estarem sujeitos a gastos processuais e advocatícios que atualmente não têm.

No aspecto prático, importante ressaltar que o condomínio deverá intentar pedido de protesto, no respectivo cartório, munido do boleto das despesas de condomínio e seus acréscimos, por meio de requerimento assinado pelo síndico, acompanhado da xerocópia da ata da assembléia que o elegeu.

Pela menção expressa da “forma da lei ou convenção”, por óbvio que o condomínio deverá anexar também ao Instrumento a ser entregue no cartório de protestos, a convenção condominial, a especificação do condomínio e, todo e qualquer documento que comprove a dívida; ou seja, as atas das assembléias gerais que aprovaram as previsões orçamentárias e os rateios extras.

De suma importância ainda, anexar o documento que comprova a titularidade do imóvel, a condição de condômino ou e ele equiparado (certidão do registro imobiliário, cópia do compromisso de venda e compra ou de cessão de direitos, formal de partilha ainda não-registrado etc).

Esta é justamente a hipótese mencionada anteriormente, e que deve seguir a orientação do Código Civil, no parágrafo segundo do artigo 1.334º, que prevê que “são equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas”.

Por fim, ainda no aspecto legal, parece-nos evidente que a lei estadual invadiu competência da União Federal ao legislar sobre matéria de evidente caráter cambiário, natureza incontestável do Instrumento de Protesto.

A Constituição Federal de 1988 prevê claramente em seu artigo 22 que: “Compete privativamente à União legislar sobre: I — direito civil, comercial (…)”, fazendo concluir que somente a União poderia legislar sobre direito comercial e, por conseqüência, sobre o que é protestável ou não.

Não há dúvida de que invasão legislativa desta natureza tem o condão de potencialmente acarretar a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual 13.160, de 21 de julho de 2008, o que é apenas mais um aspecto desta legislação nova a ser examinado.

O que se pode extrair de toda esta análise parcimoniosa, é que apesar de todas as cautelas e ressalvas quanto ao texto da lei estadual, talvez este tenha sido um grande passo inicial e preliminar para que surja uma norma específica para a eficácia do boleto de cota condominial disciplinando os requisitos necessários de sua elaboração para sua eficácia correspondendo ao exercício do direito de protestá-lo, caracterizando-o efetivamente como título de crédito extra-judicial, o que não foi agasalhado pela lei estadual atual.

Medida extremamente salutar seria propor que a despesa condominial passasse a compor o rol do artigo 585º do Código de Processo Civil, equiparando-se assim a título executivo extrajudicial, e permitindo ao condomínio propor posterior a ação de execução, cujo andamento é muito mais célere, o que ainda ensejaria a competente averbação no registro de imóveis, do ajuizamento da execução.

Caso fossemos perguntados se arriscaríamos protestar hoje despesas condominiais ao assumir um hipotético encargo de síndico, responderíamos que não, pois os riscos e as possíveis mazelas a serem suportadas pelo condomínio não compensam o benefício — apenas extrajudicial — que a nova lei traz.

Revista Consultor Jurídico

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